Como se sabe, a alínea c do inciso II, do art. 9º, alterada pela Lei n. 9.299, de 7 de agosto de 1996, dispõe que se configura crime militar o praticado “por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil”, configurando-se em um critério ratione materiae.
Assim, aquele militar que está em serviço, por exemplo, de sentinela em um quartel, ao abandonar seu posto – ou abandona lugar de serviço ou o próprio serviço – e praticar um crime que esteja tipificado no Código Penal Militar e também, de forma idêntica, na legislação penal comum, terá a adjetivação de sua segunda conduta como (crime) militar?
Por exemplo, um militar abandona o posto que guarnecia e, em sequência, pratica, ainda no horário correspondente ao seu serviço, uma lesão corporal contra um civil, em lugar não sujeito à administração militar – para que não haja subsunção em outra alínea do inciso II do art. 9º do CPM – e não atuando em razão da função – para que não haja subsunção na segunda parte da própria alínea c do inciso II do art. 9º do CPM. A lesão corporal ulteriormente praticada será crime comum ou militar em razão da alínea c do inciso II do art. 9º do CPM?
Bom, claro, essas questões demandam discussões acaloradas, o que não impede que tomemos uma posição a responder a indagação.
O vínculo com o serviço militar, exigido pela alínea c, em nossa compreensão, deve estar em curso, indicando que o militar está a praticar ações enquanto investido na função que lhe confere o serviço.
Esse vínculo, como enxergamos, é interrompido pelo abandono do posto, do lugar de serviço ou do próprio serviço, de sorte que um crime posteriormente praticado, senão por outra alínea do inciso II, não será crime militar pela alínea c. Nesse sentido, Célio Lobão, ao aduzir:
Ao abandonar o posto, o militar, evidentemente, permanece em atividade, mas não em serviço, mas não no exercício da função do cargo militar e, se comete crime, o faz como militar, sem estar de serviço. Como exemplo, a ocorrência envolvendo integrantes de uma patrulha que, afastando-se do roteiro estabelecido, dirigiram-se a um bar, onde cometeram crime. O Superior Tribunal Militar, acertadamente, entendeu que os militares não estavam em serviço e considerou o fato delituoso como crime comum (Rec. Crim. n. 3.715). Embora em atividade, no serviço ativo, os militares não estavam em serviço (LOBÃO, Célio. Direito penal militar. Brasília: Brasília Jurídica, 2004, p. 121).
O STM, no entanto, já decidiu em sentido oposto. Nos Embargos n. 2005.01.049781-5/SP, decididos em 20 de junho de 2006, sob relatoria do Ministro Rayder Alencar da Silveira, lavrou a seguinte ementa:
EMBARGOS. ROUBO PERPETRADO APÓS ABANDONO DE POSTO. COMPETÊNCIA. QUALIFICADORA.
Pratica o crime de roubo qualificado, previsto no art. 242, § 2º, inc. I, do CPM, o militar escalado para o serviço de guarda do Quartel que abandona o posto e, incontinenti, rouba o carro de um civil, ameaçando-o com o fuzil 7.62 mm acautelado para tirar o serviço.
É aplicável, ao caso, a qualificadora da violência exercida com emprego de arma.
O fuzil causou efetivo temor à vítima, impedindo qualquer reação, por acreditar no real perigo à sua integridade física, pouco importando se o armamento estava ou não carregado.
Rejeitada a preliminar de incompetência da Justiça Militar. Mantida a qualificadora do emprego de arma.
Embargos parcialmente providos somente para retificar a contagem da pena imposta no Acórdão recorrido.
Decisão majoritária.
Preferimos a primeira visão, no sentido de que o abandono de posto rompe o vínculo com o serviço. Aliás, essa também a visão exposta pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no Habeas Corpus n. 91.658/RJ, julgado em 10 de março de 2009, sob relatoria do Ministro Cezar Peluso:
AÇÃO PENAL. Competência. Crime de roubo. Fato praticado, com abandono de posto e arma da corporação, fora da área sujeita à administração castrense. Incompetência da Justiça Militar. Feito da competência da Justiça Comum, sem prejuízo da competência daquela para o delito de abandono de posto. HC concedido para o reconhecer. Inteligência do art. 124 da CF. Precedentes. Ação penal por delito cometido por militar, com abandono de posto e arma da corporação, fora da área sujeita à administração castrense, não tem por objeto delito militar e, pois, é da competência da Justiça Comum, sem prejuízo da competência da Justiça Militar para o delito de abandono de posto (g. n.).
Fique atento a este tema em seu concurso. Claro, caso tenha a oportunidade de discorrer sobre o assunto em uma prova subjetiva, por exemplo, vale muito colocar os dois posicionamentos, filiando-se, ao fim, àquele que mais lhe parecer adequado.