A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, no julgamento do AREsp 2.607.962-GO consolidou um entendimento restritivo em relação ao Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) no âmbito de crimes de homofobia, categorizando esses delitos como manifestações de racismo.
Esse entendimento parte da premissa estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que equiparou atos de homofobia e transfobia ao racismo, enquadrando-os na Lei nº 7.716/1989, que trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito racial.
Análise Detalhada do Julgado
A decisão do STJ reforça o entendimento do STF de que crimes de homofobia e transfobia são interpretações abrangentes da categoria de racismo. Essa ampliação jurídica visa não apenas a proteção contra discriminação racial estrita, mas também a tutela de minorias sexuais e de gênero, reconhecendo o racismo em uma dimensão mais ampla. Para tanto, o Tribunal aplicou a Lei nº 7.716/1989 e estendeu a analogia do conceito de racismo a essas práticas discriminatórias.
O artigo 28-A do Código de Processo Penal (CPP) impede a aplicação do ANPP para crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher, o que é fundamentado pela gravidade e pela relevância social desses delitos.
O STJ interpretou que essa vedação pode ser aplicada também aos crimes de homofobia, considerando que o impacto social é similar, e que a discriminação homofóbica, assim como a violência doméstica, afeta direitos fundamentais e a dignidade de grupos vulneráveis. Essa analogia é utilizada para justificar a inadmissibilidade de uma resolução consensual que minimize o processo penal em casos que envolvem homofobia.
Um ponto discutido é a utilização da analogia in malam partem (em desfavor do réu), que se refere à aplicação de uma interpretação mais severa em relação aos direitos do acusado. A decisão do STJ reflete uma tendência crescente de interpretação extensiva de normas protetivas de minorias, equiparando homofobia e transfobia a racismo com a justificativa de proteção social.
No entanto, essa decisão levanta controvérsias, pois alguns doutrinadores consideram que a analogia em desfavor do réu pode violar o princípio da legalidade, que exige que as normas penais sejam precisas e previstas estritamente em lei.
A decisão do STJ fundamenta-se também no compromisso do Brasil com tratados internacionais de direitos humanos que incentivam a proteção contra todas as formas de discriminação. Por isso, o STJ enxerga a vedação ao ANPP como uma forma de garantir um tratamento mais rigoroso e eficiente contra crimes que ferem a dignidade de grupos historicamente vulneráveis, como a comunidade LGBTQIAPN+.
Essa proteção se alinha com a Declaração Universal dos Direitos Humanos e com tratados ratificados pelo Brasil, que reforçam a obrigação de promover igualdade e combater o preconceito em suas diversas formas.
Implicações da Decisão
Assim, o entendimento do STJ no AREsp 2.607.962-GO reforça o papel do Judiciário em adaptar interpretações legais à evolução das demandas sociais por direitos e garantias, especialmente em relação a minorias.
Essa decisão consolida uma jurisprudência que privilegia a proteção de grupos discriminados, ainda que essa extensão da norma penal possa gerar debates sobre o alcance do princípio da legalidade e a separação dos poderes entre Judiciário e Legislativo.
As diretrizes visam fortalecer a tutela dos direitos fundamentais e reafirmar que pessoas que praticam condutas homofóbicas e/ou transfóbicas, consideradas racismo, não devem se beneficiar de soluções consensuais como o ANPP, dado o elevado potencial lesivo dessas práticas para a sociedade e para os indivíduos afetados.
Autora: Carolina Carvalhal Leite. Mestranda em Direito Penal. Especialista em Direito Penal e Processo Penal; e, Especialista em Ordem Jurídica e Ministério Público. Graduada em Direito pelo UniCeub – Centro Universitário de Brasília em 2005. Docente nas disciplinas de Direito Penal, Processo Penal e Legislação Extravagante em cursos de pós-graduação, preparatórios para concursos e OAB (1ª e 2ª fases). Ex-Servidora pública do Ministério Público Federal (Assessora-Chefe do Subprocurador-Geral da República na Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC). Advogada inscrita na OAB/DF.
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