Olá pessoal, tudo certo?
O Superior Tribunal de Justiça voltou para esse segundo semestre de 2022 com todo o gás e já aprovou uma nova tese na sistemática de repetitivo.
Essa, porém, não traz uma inovação propriamente. Já alertávamos para esse ponto durante as aulas e agora – com mais ênfase – isso despencará em provas de concurso vindouras, no âmbito das Leis Penais Especiais.
O artigo 33, parágrafo 4º da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) prevê uma causa de diminuição de pena, variável entre um sexto e dois terço, desde que o agente reúna CUMULATIVAMENTE 04 características: (i) seja primário, (ii) de bons antecedentes, (iii) não se dedique às atividades criminosas e (iv) nem integre organização criminosa.
Entretanto, um dos pontos que sempre movimentaram doutrina e jurisprudência se dava em relação à possibilidade ou não de utilização de inquéritos policiais (investigações criminais em geral) e ações penais em curso como critério de afastamento objetivo da mencionada minorante.
Isso porque, para os defensores dessa tese, esse aspecto denotaria – com alguma margem de segurança – reais indicativos de que o envolvido poderia ser dedicar a atividades criminosas, o que expurgaria o direito à benesse legal.
Vale lembrar que o Superior Tribunal de Justiça, pautando-se na presunção de inocência, há muito pacificara o verbete de Súmula 444, noticiando que “é vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.
Curiosamente, em um primeiro momento, divergindo do Supremo Tribunal Federal, a Corte se afastou do caminho sumulado em relação ao tema ora analisado. Vejamos:
Momento 01 – Divergência entre STF e STJ.
STJ | STF |
“Assim, é possível a utilização de inquéritos policiais e/ou ações penais em curso para formação da convicção de que o Réu se dedica à atividades criminosas, de modo a afastar o benefício legal previsto no artigo 33, §4º, da Lei 11.343/06 (EREsp 1431091/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/12/2016, DJe 01/02/2017). | Não se pode negar a aplicação da causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, com fundamento no fato de o réu responder a inquéritos policiais ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação ao art. 5º, LIV (princípio da presunção de não culpabilidade). Não cabe afastar a causa de diminuição prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Drogas) com base em condenações não alcançadas pela preclusão maior (coisa julgada) (STF, 1ª Turma, HC 173806/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/2/2020; 1ª Turma, HC 166385/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 14/4/2020 (Info 973) e 2ª Turma, HC 144309 AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/11/2018).
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Momento 02 – Evolução no STJ alinhando-se ao STF.
Observando que os seus entendimentos exarados não encontravam ressonância da Suprema Corte e, ao contrário, postergavam a inevitável reforma, o STJ – através das Turmas Criminais – finalmente se curvou à orientação no sentido de que o simples fato de constar investigações criminais abertas e processos criminais sem condenação definitiva NÃO pode ser usado – de per si – como óbice à aplicação da causa de diminuição do parágrafo quarto do art. 33 da Lei de Drogas.
Vejamos:
(…) 2. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento de que “A causa de diminuição pelo tráfico privilegiado, nos termos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/2006, não pode ter sua aplicação afastada com fundamento em investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob pena de violação do art. 5º, LIV, da Constituição Federal (RE 1.283.996 AgR, Rel. Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 11/11/2020). Posicionamento adotado também pela Sexta Turma deste Tribunal Superior. 3. Habeas corpus não conhecido. Contudo, concedo a ordem, de ofício, para fazer incidir a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no grau máximo, redimensionando a pena do paciente para 1 ano e 8 meses de reclusão mais 166 dias-multa, bem como para estabelecer o regime aberto e substituir a pena privativa de liberdade por restritivas de direito, a ser definida pelo Juízo de Execução (HC 664.284/ES, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 21/09/2021, DJe 27/09/2021).
(…) 2. Em relação à dosimetria da pena, a decisão recorrida está de acordo como entendimento da Suprema Corte e deste Tribunal Superior, segundo o qual tão somente a existência de ações penais sem trânsito em julgado não pode justificar a negativa de minorante, na esteira do entendimento, firmado sob a sistemática da repercussão geral, de que, “ante o princípio constitucional da não culpabilidade, inquéritos e processos criminais em curso são neutros na definição dos antecedentes criminais.” (RE 591.054, Tema 129, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO, PLENO, DJe 26/02/2015) (AgRg no AREsp n. 1.834.919/SE, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, DJe 25/6/2021) (AgRg no HC 673.030/SP, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 10/08/2021).
3º Momento – REPETITIVO.
Recentemente, em agosto de 2022, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu o julgamento do TEMA 1139, consolidando a tese de que é vedada a utilização de inquéritos e/ou ações penais em curso para impedir a aplicação do artigo 33, parágrafo 4º da lei 11.343/2006.
Interessante que no voto condutor da Relatora, Ministra Laurita Vaz, houve a estruturação de importantes ponderações argumentativas. Separei duas delas:
(a) Sabemos que a persecução penal – investigação e processo – pode perdurar por anos sem que haja resultado definitivo. Dessa maneira, a conclusão desses processos poderia ocorrer só após o réu ter cumprido a pena pelo crime de tráfico na qual foi negada a redução – quadro que, potencialmente, traria resultados irreversíveis ao apenado.
(b) Segundo a Ministra, se há a necessidade de invocar inquéritos e ações penais em curso na tentativa de demonstrar a dedicação criminosa – e, assim, afastar o tráfico privilegiado – isso demonstra que os demais elementos de prova são insuficientes, sendo necessário formular a ilação de que o acusado não é tão inocente assim, o que não se admite em nosso ordenamento jurídico.
Tema muito bom para despencar em prova!
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.