Novidade: readequação (unânime) de repetitivo criminal no superior tribunal de justiça!

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Olá pessoal, tudo certo?

Quem me acompanha nos textos, nas aulas e também nas postagens através das redes sociais já sabe da minha extremada preocupação (quase uma obsessão) em buscar atualizações. O objetivo e a razão para isso é tanto para produzir meus escritos, livros, aulas e trazer a maior atualização possível aos alunos, bem como para incrementar minha atuação criminal prática na Defensoria Pública da União, da qual sou membro há 10 anos.

Nesse caminhar, no último dia 24 de novembro desse ano de 2021, tivemos uma (nova) readequação do TEMA 931 (tese aprovada na sistemática de repetitivo) da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Vamos revisar e entender o ocorrido.

Em 2015, a Corte havia aprovado entendimento no sentido de que o réu que cumpre a pena privativa de liberdade tem a extinção da punibilidade decretada mesmo se ainda não pagou a pena de multa. Entretanto, em razão do deliberado pelo STF no julgamento da ADI 3150, apontando que a multa é dívida de valor, porém NÃO perde o seu caráter de sanção penal (o que fora ratificado pela Lei Anticrime[1]), houve a necessidade de fazer uma (PRIMEIRA) readequação da tese. Vejamos:

Execução penal. Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Pena de multa. Legitimidade prioritária do Ministério Público. Necessidade de interpretação conforme. Procedência parcial do pedido. 1. A Lei nº 9.268/1996, ao considerar a multa penal como dívida de valor, não retirou dela o caráter de sanção criminal, que lhe é inerente por força do art. 5º, XLVI, c, da Constituição Federal. 2. Como consequência, a legitimação prioritária para a execução da multa penal é do Ministério Público perante a Vara de Execuções Penais. 3. Por ser também dívida de valor em face do Poder Público, a multa pode ser subsidiariamente cobrada pela Fazenda Pública, na Vara de Execução Fiscal, se o Ministério Público não houver atuado em prazo razoável (90 dias). 4. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para, conferindo interpretação conforme à Constituição ao art. 51 do Código Penal, explicitar que a expressão “aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição”, não exclui a legitimação prioritária do Ministério Público para a cobrança da multa na Vara de Execução Penal. Fixação das seguintes teses: (i) O Ministério Público é o órgão legitimado para promover a execução da pena de multa, perante a Vara de Execução Criminal, observado o procedimento descrito pelos artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal; (ii) Caso o titular da ação penal, devidamente intimado, não proponha a execução da multa no prazo de 90 (noventa) dias, o Juiz da execução criminal dará ciência do feito ao órgão competente da Fazenda Pública (Federal ou Estadual, conforme o caso) para a respectiva cobrança na própria Vara de Execução Fiscal, com a observância do rito da Lei 6.830/1980 (ADI 3150, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/12/2018).

Assim, em 2019, a 3ª Seção ajustou o TEMA, que passou a prever que “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária OBSTA O RECONHECIMENTO da extinção da punibilidade”.

“Beleza, Pedro! Mas isso só foi revisão. Eu estou interessado é em saber da NOVIDADE!”.

Calma que apressado come cru.

Agora, o mais recente movimento realizado pelo Superior Tribunal de Justiça foi justamente na direção de efetuar um ajuste extremamente oportuno e adequado à realidade social do Brasil. Para a 3ª Seção da Corte, “na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade”.

Situação diversa era angustiante, maléfica e quase desumana. Alguém que cumpriu PPL e não tem dinheiro, ficando sem extinção da punibilidade por conta disso, não consegue (i) reabilitação (art. 93 do CPB), (ii) como não tem o sigilo dos registros (sem reabilitação), não consegue certidão negativa aumentando a dificuldade de obter emprego, (iii) permanece com suspensão dos direitos políticos, (iv) não tem crédito financeiro, (v) não tem acesso a vários programas sociais, entre outras coisas. É, como anotado pelo Ministro Schietti, um “CICLO VICIOSO DE DESESPERO”.

Considerando a importância (também para concursos) de expressões pouco usuais e por se tratar de temática certamente a ser enfrentada em provas vindouras, anote-se que a expressão “ciclo vicioso de desespero” foi originariamente utilizada pela própria Defensoria Pública do Estado de São Paulo no RESP 1.785.861/SP[2]. De acordo com a instituição, “o efeito nefasto e inesperado, que deve ser imediatamente corrigido, foi a sobrepunição da pobreza, visto que o egresso miserável e sem condições de trabalho durante o cumprimento da pena (menos de 20% da população prisional trabalha, conforme dados do INFOPEN), alijado dos direitos do art. 25 da LEP, não tem como conseguir os recursos para o pagamento da multa, e ingressa em círculo vicioso de desespero“.

Nesse sentido, como relevantemente bem pontuado pelo Ministro Ricardo Schietti, “ineludível é concluir, portanto, que o condicionamento da extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988). Demais disso, a barreira ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados pobres, para além do exame de benefícios executórios como a mencionada progressão de regime, frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput da Constituição Federal) segundo a qual desiguais devem ser tratados de forma desigual. Mais ainda, desafia objetivos fundamentais da República, entre os quais o de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” (art. 3º, III)”.

Com a certeza de que estou vivo, isso cairá nas provas! Espero que tenham entendido e gostado!

 

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 


[1] Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição

[2] Julgamento conjunto dos RESP´s 1785861 e 1785383.

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