Olá pessoal, tudo certo?
Falaremos hoje sobre um importantíssimo tema para aqueles que estudam e/ou militam na área do processo penal: execução provisória da pena.
Entretanto, é importante anotar que a regra geral não sofreu qualquer modificação (ao menos não por ora) desde novembro de 2019, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal assentou que impossibilidade de prisão decorrente (pura e simplesmente) da condenação exarada por Tribunal.
À época, a Corte afirmou que, diante da ausência de trânsito em julgado, não seria possível apontar imperativamente o início do cumprimento provisório da pena, sem elementos fundamentados de cautelaridade. Ainda que se afirme que os recursos pendentes ostentem efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo), não há cumprimento provisório da pena no Brasil, pois ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado (art. 5º, LVII, da CF/88). Nesse sentido, o próprio art. 283 do CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo compatível com o princípio da presunção de inocência, previsto no art. 5º, LVII, da CF/88[1].
Entretanto, há ainda uma parcela da doutrina – com ressonância da jurisprudência – que advoga a tese que a orientação acima apontada deveria ser excepcionada nos feitos relativos ao procedimento especial do Tribunal do Júri, em razão do postulado da soberania dos veredictos. Nessa linha, em precedente da 1ª Turma do STF, de relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso, “a Constituição Federal prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de crimes dolosos contra a vida (art. 5º, inciso XXXVIII, d). Prevê, ademais, a soberania dos veredictos (art. 5º, inciso XXXVIII, c), a significar que os tribunais não podem substituir a decisão proferida pelo júri popular. Diante disso, não viola o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro recurso. (…) Caso haja fortes indícios de nulidade ou de condenação manifestamente contrária à prova dos autos, hipóteses incomuns, o Tribunal poderá suspender a execução da decisão até o julgamento do recurso”[2].
CUIDADO! Não é correto dizer que essa é a orientação predominante do Supremo Tribunal Federal. Até porque, em sentido oposto, apontando não ser viável a execução provisória da pena ainda que estejamos em condenações proferidas pelo Tribunal do Júri é a consolidada posição da 2ª Turma[3].
Essa celeuma recebeu um novo capítulo com o advento da Lei Anticrime, que modificou a redação do artigo 492 do Código de Processo Penal. A partir de 23 de janeiro de 2020, o mencionado dispositivo passou a assim prever:
Art. 492. Em seguida, o presidente proferirá sentença que: I – no caso de condenação: e) mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos (…) § 4º A apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo. § 5º Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir efeito suspensivo à apelação de que trata o § 4º deste artigo, quando verificado cumulativamente que o recurso: I – não tem propósito meramente protelatório; e II – levanta questão substancial e que pode resultar em absolvição, anulação da sentença, novo julgamento ou redução da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de reclusão. § 6º O pedido de concessão de efeito suspensivo poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019).
Dessa maneira, o Supremo Tribunal Federal reconheceu repercussão geral ao tema relativo à possibilidade de execução provisória no âmbito do Tribunal do Júri, seja em relação a qualquer condenação (independentemente do quantum da reprimenda), seja relativamente ao parâmetro igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, tal qual consta do novo art. 492 do CPP.
Contudo, até o presente momento, não houve qualquer deliberação do Plenário da Corte. Necessário, pois, aguardarmos o julgamento da TESE 1068, em que se deliberará se a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri, prevista na Constituição Federal, autoriza a imediata execução de pena imposta pelo Conselho de Sentença (RE 1.235.340).
Bacana, Pedro! Mas você havia mencionado alguma novidade, não?
Exatamente!
É que, apesar de essa temática ainda pender de análise definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, o STJ tem se manifestado pela ilegalidade da execução provisória no Júri, bem como da própria redação do art. 492 do CPP. Em recente precedente, a Corte ratificou[4] sua orientação no sentido de que “pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda igual ou superior a 15 anos de reclusão”[5].
Acompanhemos de perto, porém cientes da posição já agasalhada pelo Superior Tribunal de Justiça!
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!
Vamos em frente.
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] STF, Plenário, ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgados em 7/11/2019.
[2] HC 118770, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 07/03/2017.
[3] STF, 2ª Turma, HC 163814 ED/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 19/11/2019.
[4] Essa compreensão já vinha sendo adotada, tanto que consta do JURISPRUDÊNCIA EM TESES (edição 185) – TESE 10: pesar da alteração legislativa promovida pela Lei nº 13.964/2019 no art. 492, I, e, do Código de Processo Penal – CPP, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal entende que é ilegal a execução provisória da pena como decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do Júri, salvo quando demonstrados os fundamentos da prisão preventiva.
[5] TJ. 5ª Turma. AgRg no HC 714.884-SP, Rel. Min. Jesuíno Rissato (Desembargador convocado do TJDFT), Rel. Acd. Min. João Otávio de Noronha, julgado em 15/03/2022