O CPC de 1973 tinha um dispositivo análogo ao atual artigo 139. Era o artigo 125 da lei revogada, que continha apenas quatro incisos (correspondentes ao que são atualmente os incisos I, II, III e V do artigo 139). Destes não tratarei aqui por não haver grandes novidades acerca dos temas ali tratados, sendo as modificações muito mais textuais do que normativas. Além disso, o que consta do inciso VIII do art. 139 estava, anteriormente, no artigo 342 do CPC/1973. E o que está no inciso X já constava do artigo 7º da Lei de Ação Civil Pública.
Os demais incisos do artigo 139, porém (IV, VI, VII e IX), são novidades que merecem ser apreciadas.
Por força do inciso IV do artigo 139 incumbe ao juiz “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”. Esse dispositivo corresponde, em alguma medida, ao que constava do § 5º do artigo 461 do CPC/1973, que já previa o poder do juízo de valer-se de meios atípicos para assegurar o cumprimento das decisões judiciais que impusessem deveres jurídicos de fazer, não fazer ou entregar coisa, e que se repete no que atualmente são o artigo 536, caput e § 1º do novo CPC. Há aí, porém, uma grande novidade: a expressa previsão da possibilidade de utilização de meios atípicos para assegurar o cumprimento de decisões que impõem obrigações pecuniárias.[2] Por força desse dispositivo torna-se possível o emprego de meios outros, além da multa de 10% (a que se refere o artigo 523, § 1º, do novo CPC), para compelir o devedor a cumprir obrigações pecuniárias reconhecidas em decisão judicial. Alguns exemplos podem ser aqui imaginados: pense-se em uma pessoa jurídica que, não tendo cumprido decisão judicial que reconheceu uma obrigação pecuniária, seja proibida de participar de licitações até que a dívida esteja quitada. Ou no caso de alguém que, tendo sido condenado a pagar uma indenização por danos resultantes de um acidente de trânsito, seja proibido de conduzir veículos automotores até que pague sua dívida.
De todas as medidas atípicas que poderão ser usadas, porém, sem dúvida a mais empregada será, na prática, a fixação de astreinte, isto é, de multa diária pelo atraso no cumprimento da decisão. Pense-se, por exemplo, no caso de uma instituição financeira que, condenada a pagar quantia a título de reparação de dano moral, não o faz em quinze dias. Neste caso, como sabido, incide a já conhecida multa de 10%. Nada impede, porém, que se estabeleça que se prolongando o atraso no cumprimento voluntário da decisão (por exemplo, alcançando-se trinta dias de atraso), passe a incidir multa diária. Figure-se, então, o exemplo: condenada a instituição a pagar o valor de cinco mil reais, e não cumprindo a decisão em quinze dias, o valor passará a ser de cinco mil e quinhentos reais. Ultrapassado o outro período fixado pelo juízo (no exemplo que suscitei seriam trinta dias), passaria a incidir uma multa de dez mil reais por dia. Deixar de cumprir a decisão judicial tempestivamente passaria, assim, a ser um péssimo negócio.
O inciso VI do artigo 139 prevê que o juiz tem o poder de “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. Há, aí, duas grandes novidades.
A primeira é o reconhecimento do poder do juiz de, gerenciando o processo, dilatar prazos processuais quando os fixados em lei não se revelem adequados às características do caso concreto. Imagine-se, por exemplo, um caso (e a hipótese é extraída de minha experiência profissional na advocacia, que exerci antes de ingressar na magistratura) em que o advogado tenha de elaborar uma contestação em uma causa na qual, observado o procedimento comum, a petição inicial (com os documentos que a acompanham) ocupe treze volumes de autos. Seriam aproximadamente 2,6 mil folhas para ler atentamente antes de se elaborar a contestação. É absolutamente adequado que, em casos assim, o juiz amplie o prazo para a contestação.
Além disso, poderá o juiz inverter a ordem dos atos probatórios. Eis aí uma novidade extremamente relevante. Basta pensar em um processo no qual se pretenda a condenação do réu a reparar um dano em caso no qual de responsabilidade civil subjetiva, em que a prova do dano seja pericial e a prova da culpa e do nexo de causalidade seja testemunhal. Como em regra a perícia é produzida antes da audiência de instrução e julgamento e a prova testemunhal só é colhida nessa audiência, muitas vezes se gastará tempo e dinheiro com uma perícia que, afinal, de nada servirá (bastando que na audiência de instrução e julgamento se produza a prova de que não houve culpa ou de que se excluiu o nexo de causalidade). Muito mais eficiente será colher primeiro a prova oral — mais simples, rápida e barata — e, caso demonstrados a culpa e o nexo de causalidade, prossiga-se em direção à produção da prova pericial.
O que se tem, aí, é o reconhecimento de um poder do juiz de flexibilizar o procedimento (dentro dos limites estabelecidos pelo artigo 139, VI, do CPC), o que permite a observância de princípios constitucionais como o da isonomia (tratando-se situação desiguais de forma desigual através da modificação de prazos previstos em sede legislativa) e da eficiência (com a inversão da ordem dos atos de produção de prova).
O novo CPC atribui ao juiz o exercício de poder de polícia, requisitando, quando necessário, força policial ou a segurança interna dos fóruns e tribunais. Poder de polícia, conforme tradicional entendimento, é “a prerrogativa reconhecida à Administração Pública para restringir e condicionar, com fundamento na lei, o exercício de direitos, com o objetivo de atender o interesse público”.[3] O que faz a lei processual é atribuir ao juiz a função de restringir e condicionar, no exercício de atividade administrativa, direitos e atividades privadas como forma de assegurar interesses gerais da coletividade e promover direitos fundamentais. Pense-se, por exemplo, no caso de ser preciso manter o decoro em uma audiência de instrução e julgamento, ou exigir que uma testemunha trate com urbanidade alguém que é parte de um processo. Vale registrar que o artigo 360 do novo CPC regulamenta o exercício do poder de polícia na audiência de instrução e julgamento, mas não é só nessa audiência que pode haver necessidade de exercício desse poder administrativo, razão pela qual é de grande relevância a previsão genericamente estabelecida no artigo 139, VII.
O inciso IX do artigo 139 prevê o poder do juiz de “determinar o suprimento de pressupostos processuais e o saneamento de outros vícios processuais”. Trata-se aí de previsão destinada a viabilizar a concretização do princípio da primazia da resolução do mérito, que resulta do artigo 4º do novo CPC.[4] Tem-se, aí, a previsão de um poder capaz de viabilizar o cumprimento do dever que tem o juiz de cooperar com as partes para a sanação de vícios processuais que pudessem ser obstáculos à resolução do mérito ou à consecução da atividade satisfativa do direito. Assim, só será possível a extinção anômala do processo em casos nos quais se encontre algum vício realmente insuperável (como seria a propositura de demanda por pessoa desprovida de legitimidade ad causam) ou quando, havendo vício superável, aquele que tenha condições de corrigi-lo não o faça (como quando o autor não promova as necessárias emendas à petição inicial).
Vê-se, assim, que o novo Código de Processo Civil ampliou sobremaneira os poderes do juiz. E isto só confirma que não se está diante de um “código dos advogados”. Não se pense, porém, que por força do que consta deste artigo 139 — ou de qualquer outra passagem do novo CPC — se estaria diante de um “código dos juízes”. O que se tem com o novo Código é uma legislação equilibrada, que não dá primazia nem aos juízes nem aos advogados ou a qualquer outro participante do processo.[5] Na verdade, o novo CPC é o “código do jurisdicionado”. E não poderia mesmo ser de outro modo. Afinal, um sistema processual não pode ser construído nem para juízes nem para advogados (ou promotores, ou serventuários, ou quaisquer outros profissionais que atuam no processo). No Estado Democrático de Direito, um sistema processual não pode senão ser pensado em favor dos jurisdicionados. Um CPC dos juízes ou dos advogados seria merecedor da crítica que Cipriani dirigiu ao Código italiano: “é come se gli ospedali, anziché essere costruiti per gli ammalati, fossero costruiti per i medici”.[6]
O Estado Democrático brasileiro exige um processo civil democrático. Um processo civil que seja construído para os jurisdicionados, que somos todos nós. Através de um processo cooperativo (artigo 6º), que se desenvolve com observância de um contraditório prévio (artigo 9º) e efetivo (artigo 10), com todos os sujeitos nele atuando de boa-fé (artigo 5º), sendo tratados de forma isonômica (artigo 7º), no qual se observe a primazia do mérito (artigo 4º) e se produzam decisões verdadeiramente fundamentadas (artigo 11), ter-se-á respeitado o que consta do artigo 1º do novo CPC, e que nada mais é do que a reafirmação do que está à base do modelo constitucional de processo civil brasileiro: o devido processo constitucional.
Fonte: Conjur
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