O poder diretivo patronal abrange o controle e a organização dos meios de produção, do processo produtivo e da atuação funcional dos trabalhadores envolvidos. Desse poder decorrem outros, tais como o poder diretivo, o poder regulamentar e o poder disciplinar.
Esse poder, contudo, encontra limites, não sendo um poder absoluto. Logo, não pode ser exercido de forma abusiva, sob pena de adentrar a seara da ilicitude, fazendo incidir o art. 187 do Código Civil:
“Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
No âmbito das relações interpessoais, a preservação da dignidade da pessoa humana e a liberdade são princípios constitucionais que não podem ser afastados pela vontade do empregador. A vida privada e a intimidade também são direitos constitucionalmente previstos:
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;”
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
Aliás, o art. 21 do Código Civil reforça a inviolabilidade da vida privada:
“Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”
Ressalte-se que a inalienabilidade é uma característica dos direitos fundamentais, não podendo ser afastada por norma regulamentar ou contratual. Aliás, a observância dos direitos fundamentais é consagrada também entre particulares. E diante dessa eficácia horizontal desses direitos, não pode o empregador impedir o relacionamento amoroso entre empregados.
Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho não admite a dispensa por justa causa em virtude de relacionamento
“RECURSO DE REVISTA DO AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. DANO MORAL. NORMA REGULAMENTAR QUE PROÍBE O RELACIONAMENTO AMOROSO ENTRE EMPREGADOS. ABUSO DO PODER DIRETIVO DA RECLAMADA. INOBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DO DIREITO À LIBERDADE. A partir da segunda metade do século XX, consolidou-se a percepção de que também os denominados “poderes privados” podem vulnerar os direitos fundamentais das pessoas com as quais mantêm relações jurídicas, principalmente naquelas de natureza assimétrica, em que um dos polos está em estado de sujeição ou é hipossuficiente do ponto de vista jurídico, econômico ou social. Daí a consagração da denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais ou a sua eficácia na esfera do Direito Privado ou entre particulares, instrumento mediante o qual o Poder Judiciário atua para limitar o exercício arbitrário ou abusivo do poder por particulares que atinja os direitos fundamentais daqueles com os quais estes se relacionam. Também não cabe, hoje, nenhuma dúvida quanto à aplicabilidade direta e imediata dos direitos fundamentais em geral no âmbito das relações trabalhistas. Afinal, a doutrina contemporânea reconhece e proclama que ” os direitos fundamentais não são como os chapéus que se deixam na entrada do local de trabalho, eis que tais direitos, assim como as cabeças, não podem ser separados da pessoa humana em nenhum lugar, sob nenhuma circunstância.” Discute-se, no caso, a configuração do dano moral decorrente da despedida por justa causa em razão de relacionamento amoroso entre os empregados da empresa ré. O Regional manteve a decisão em que se considerou válida a rescisão do contrato de trabalho da autora, por justa causa, por concluir que houve a quebra de confiança e de fidúcia entre as empregadoras e a empregada. A Corte a quo consignou que a reclamante detinha total conhecimento, ao assinar contrato de trabalho, da existência do código de ética na empresa, fixando regras de conduta moral. Assentou que a própria recorrente, em depoimento pessoal, confirma ciência e assinatura do código de ética por ocasião da sua contratação e que passou a residir em companhia do coordenador geral da obra em que ela trabalhava, a partir de novembro de 2011, o que perdura atualmente. Na hipótese dos autos, é preciso enfatizar que não houve nenhuma alegação ou registro de que a reclamante e seu colega de trabalho e companheiro agiram mal, de que entraram em choque ou de que houve algum incidente envolvendo-os, no âmbito interno da própria empresa. Portanto, a dispensa por justa causa da reclamante, incontroversamente decorreu exclusivamente por conta da existência de relacionamento afetivo entre os empregados da empresa ré. Esses fatos configuram, sim, invasão injustificável ao patrimônio moral de cada empregado e da liberdade de cada pessoa que, por ser empregada, não deixa de ser pessoa e não pode ser proibida de se relacionar amorosamente com seus colegas de trabalho. Ao contrário: isso é inerente à natureza humana. Diante desse contexto fático, não cabe a menor dúvida de que preceitos constitucionais fundamentais estão sendo atingidos, como a dignidade da pessoa humana e a liberdade, tendo em vista que a vida pessoal dessa empregada, sem nenhuma justificativa razoável e sem real necessidade, foi desproporcionalmente limitada pela empregadora . Com efeito, em razão da condição hierárquica da relação existente entre empregado – subordinado – e empregador, tem-se que esse último detém o poder diretivo, o qual, no entanto, deve observar os limites estabelecidos na Constituição Federal e nas leis, devendo os atos empresariais, sejam eles tácitos, sejam escritos (regulamentos internos e demais normas internas), ser razoáveis, sendo vedado seu uso abusivo e contrário à função social que deve presidir e, ao mesmo tempo, servir de limite daqueles próprios atos empresariais. Destaca-se, aqui, a necessidade de respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, preconizado no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, o qual se concretiza pelo reconhecimento e pela positivação dos direitos e das garantias fundamentais, sendo o valor unificador de todos os direitos fundamentais, ao da liberdade, que constitui um dos pilares principais de efetivação da dignidade humana. Vale ressaltar, por oportuno, que uma das principais características dos direitos fundamentais é sua inalienabilidade ou indisponibilidade, que resulta da fundamentação do direito no valor da dignidade humana: da mesma forma que o homem não pode deixar de ser homem, ele não pode ser livre para ter ou não dignidade – o Direito não pode permitir que o homem se prive de sua dignidade. Nesse contexto, serão indisponíveis exatamente os direitos fundamentais que visam resguardar diretamente a potencialidade do homem de viver com dignidade e de se autodeterminar, como o direito à proteção da personalidade e da vida privada do trabalhador, que se destina a salvaguardar a liberdade do trabalhador de tomar decisões sem coerções externas, mormente quando envolver questões inerentes à própria natureza humana, como é, sem dúvida, o direito de estabelecer relacionamentos amorosos com pessoas com quem um determinado empregado ou empregada houver convivido no ambiente de trabalho, situação ora em análise. Ademais, a norma regulamentar que proíbe aos empregados da reclamada que mantenham qualquer forma de relacionamento afetivo ou amoroso com alguns de seus colegas de trabalho também fere direta e frontalmente o artigo 5º, II, da Constituição Federal, ao tentar tornar ilícito, no âmbito da empresa, um comportamento que a Constituição e as leis absolutamente não proíbem e até estimulam por meio do artigo 226 da mesma Norma Fundamental, que assegura a especial proteção do Estado à família e à união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar. Por fim, tal conduta empresarial também ignora por completo o disposto no artigo 21 do Código Civil brasileiro, que estabelece incisivamente que ” a vida privada da pessoa natural é inviolável , e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a essa norma ” (destacou-se). Diante disso, é forçoso concluir que está configurado, no caso, o abuso do poder diretivo da empresa, a qual, fundamentando-se exclusivamente em norma interna que proíbe o relacionamento amoroso entre empregados, dispensou a reclamante, violando direta e indiscutivelmente seu patrimônio moral, lesão que deve ser reparada, já que não configurada a justa causa alegada pela reclamada. Recurso de revista conhecido e provido . (…)” (RR-1102-84.2012.5.08.0003, 2ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 03/06/2016).