O tema condições de trabalho e comércio não é novo e já constava da Carta de Havana assinada em 1948. O assunto tem se convertido em um ponto polêmico nos últimos anos. Existe no cenário mundial uma pressão crescente para a introdução de alguns pontos básicos dos direitos dos trabalhadores nos acordos de comércio internacional.
Atualmente, os países já desenvolvidos afirmam ser injusta a competição entre produtos produzidos em países desenvolvidos e aqueles importados de nações que remuneram mal seus trabalhadores e não lhes asseguram garantias laborais mínimas.
Por outro lado, nos países em desenvolvimento é amplamente difundida a ideia de que as motivações por trás da busca de padrões trabalhistas não são nada além de protecionismo disfarçado da parte dos países desenvolvidos. Os países em desenvolvimento encaram os diferentes padrões trabalhistas como fonte legítima de vantagens ou desvantagens comparativas e que, por essa razão, não devem ser combatidos. As divergências entre essas duas posições têm aumentado e, atualmente, o debate sobre os padrões trabalhistas adquiriu especial destaque na agenda internacional.
Nesse embate, a resistência da OMC em estabelecer uma conexão real entre temas comerciais e padrões trabalhistas permanece extremamente forte, tal como ficou claro durante a I Reunião Ministerial da OMC realizada em Cingapura. Na Reunião Ministerial de Cingapura (1996), EUA e Noruega propuseram a criação de um grupo de trabalho para discutir padrões laborais, o que foi amplamente rejeitado pelos países em desenvolvimento.
No fim, prevaleceu a vontade dos Estados em desenvolvimento e os Estados-Membros da OMC concordaram em delegar o assunto à OIT, reiterando a legitimidade desta para lidar com assuntos de natureza social e trabalhista.
Na declaração produzida ao final do encontro, os Estados-membros ali reunidos reiteraram que os assuntos trabalhistas deveriam continuar sendo discutidos, prioritariamente, no âmbito da OIT, tanto que em seu parágrafo 4º ficou estabelecido o seguinte:
Nós renovamos nosso compromisso para o cumprimento de padrões trabalhistas fundamentais internacionalmente reconhecidos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é o órgão competente para estabelecer e lidar com esses padrões, e afirmamos nosso apoio pelo seu trabalho em promovê-los. Acreditamos que o crescimento econômico e o desenvolvimento suportado pelo aumento do comércio e a sua liberalização contribuem para a promoção desses padrões. Rejeitamos o uso de padrões trabalhistas com fins protecionistas e concordamos que a vantagem comparativa dos países, particularmente dos países em desenvolvimento com baixos salários, não deve, de maneira alguma, ser colocada em questão. Nesse sentido, notamos que as Secretarias da OMC e da OIT continuarão a sua colaboração existente. (WTO, §4º, WT/MIN(96)/DEC).
Portanto, para os países em desenvolvimento, padrões trabalhistas são uma forma de protecionismo, já que pretendem erodir a vantagem comparativa dos seus custos de trabalho. Ainda, que a melhor forma de proteger os trabalhadores seria a liberalização do comércio e o desenvolvimento.
Os países em desenvolvimento não duvidam da importância da temática social e trabalhista, mas afirmam que há nelas um grande potencial para o protecionismo abusivo. O desafio reside em como conciliar essas preocupações trabalhistas legítimas com a liberação do comércio.
É nesse sentido que a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, no item 5, sublinha que “as normas do trabalho não deveriam utilizar-se com fins comerciais protecionistas”. Lembra-se, também, que as normas da OMC igualmente vedam o protecionismo.
Os países em desenvolvimento, muito embora resistam em introduzir cláusula social no âmbito multilateral do comércio, não se opõem à adoção de um “patamar social” para a globalização. De fato, os países em desenvolvimento se opõem ao emprego de sanções comerciais como forma de atingir padrões trabalhistas mais elevados, mas não aos padrões em si. Eles tanto julgam importante a melhoria dos padrões laborais, que a maioria deles ratificaram inúmeras convenções da OIT. Todavia, a questão crucial ainda permanece: como atingir esse patamar social mais elevado sem comprometer a situação dos países em desenvolvimento e de seus trabalhadores com a imposição de sanções comerciais?
Não existe mecanismo de sanção, como na OMC, uma vez que se baseia na pressão política internacional contra os membros que desrespeitam as convenções aprovadas.
Os países em desenvolvimento fazem coro para rejeitar a vinculação de padrões trabalhistas à OMC. Eles questionam a razão de países como os EUA, que não ratificaram muitas das convenções da OIT e cujos 131 trabalhadores apresentam baixo grau de sindicalização estão tão interessados em empregar sanções comerciais como arma para garantir padrões trabalhistas.
Apenas para se ter ideia, das oito convenções sobre direitos humanos fundamentais da OIT, apenas duas foram ratificadas pelos EUA, a saber: Convenção n.º 105 (Abolição do trabalho forçado) e Convenção n.º 182 (Abolição do trabalho infantil)
A preocupação dos países em desenvolvimento é a de que, para eles, a vinculação de padrões trabalhistas a acordos comerciais nada mais é do que protecionismo disfarçado de preocupação humanitária.
A grande questão que se coloca diante de toda a discussão de se introduzir, ou não, o tema padrões trabalhistas dentro da OMC poderia ser resumida em dois pontos. Primeiro, seria o de avaliar os custos e benefícios de se sobrecarregar todo o sistema de solução de controvérsias da OMC e transformá-lo em um tribunal de cunho mais político e social do que comercial. Não se pode desprezar o grau de complexidade já introduzido na OMC com a negociação de acordos sobre propriedade intelectual e serviços, além de outros acordos em negociação como investimentos, concorrência e compras governamentais. Segundo, seria analisar as vantagens de se transformar a OMC na “guardiã” de temas não diretamente relacionados ao comércio, como meio ambiente e padrões trabalhistas.
Uma alternativa, que tem sido fortemente considerada, é dar mais força política à própria OIT, que já vem desenvolvendo um longo trabalho nessa área, e que é a única organização internacional tripartite, com a presença de governos, empresários e trabalhadores. A grande questão é como dar “os dentes do GATT” à OIT, isto é, a capacidade de se abrir um processo, onde partes em conflito são ouvidas por um painel de especialistas, e a parte ganhadora pode retaliar comercialmente a parte perdedora, se essa não adequar as suas práticas comerciais às recomendações do painel.
Por fim, importa mencionar a chamada “cláusula social”, que seria uma cláusula inserta em tratados de comércio internacional que objetiva assegurar sanções comerciais aos países que não respeitarem padrões trabalhistas mínimos nos processos de produção de bens destinados à exportação. Não é adotada pela OMC até o presente. A adoção dessa cláusula permitiria à OMC impor restrições comerciais aos países que pratiquem o dumping social. Trata-se, em resumo, de um isolamento antidumping com finalidade punitivo-pedagógica.
Por sua vez, o “selo social” foi uma forma sugerida por Michael Hansenne, diretor geral da OIT de 1989 a 1997, para identificar, por parte dos consumidores, mercadorias produzidas de acordo com padrões mínimos da legislação internacional trabalhista. No caso de o selo não ser aprovado, a mercadoria poderia até mesmo ser recusada pelas alfândegas. Contudo, como a OIT não tem poderes coercitivos sobre seus membros, a medida também não se concretizou.