POLÊMICA DECISÃO DO STJ: O requerimento de simples guarda dos registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão por prazo superior ao legal, feito por autoridade policial, administrativa ou Ministério Público, prescinde de prévia autorização judicial.

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Olá pessoal, tudo certo?

Ao que parece, o ano jurisprudencial de 2022 já começou com tudo. Quem me acompanha nas aulas aqui no Gran sabe que eu venho alertando desde o ano passado que há uma tendência de várias controvérsias no âmbito criminal originadas na Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) aparecerem cada vez mais em provas de concurso público.

Pois bem. Agora, no início de fevereiro de 2022, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deliberou, à unanimidade, um controverso entendimento, ao julgar a ordem de Habeas Corpus 626.983/PR. Segundo o colegiado, requerimento de simples guarda dos registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão por prazo superior ao legal, feito por autoridade policial, administrativa ou Ministério Público, PRESCINDE de prévia autorização judicial.

Vamos compreender melhor esse tema? Vejamos que nos diz a supramencionada lei:

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas. § 1º O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, MEDIANTE ORDEM JUDICIAL, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7º. § 2º O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7º .

Ademais, o Marco Civil da Internet, mais adiante, deixa claro que essa disponibilidade por ordem judicial deve ter a finalidade formar conjunto probatório em processo judicial cível ou criminal, em caráter incidental ou autônomo, a pedido da parte interessada, desde que haja “indícios fundados da ocorrência do ilícito”, “justificativa motivada da utilidade dos registros solicitados para fins de investigação ou instrução probatória” e “PERÍODO AO QUAL SE REFEREM OS REGISTROS[1]“.

A grande questão analisada no caso em tela se refere à possibilidade dos órgãos de investigação da persecução penal requererem aos provedores de internet o congelamento/preservação do conteúdo de comunicações telemáticas, SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL, ignorando o princípio da Jurisdicionalidade.

Impera registrar que a Lei 12.965/2014 prevê que a autoridade policial, administrativa ou o Ministério Público poderão requerer cautelarmente que os registros de conexão sejam guardados por prazo superior a 1 (um) ano (art. 13, § 2º), e os registros de acesso a aplicações de internet por prazo superior a 6 (seis) meses (art. 15, § 2º), devendo, nas duas situações, e no prazo de 60 (sessenta) dias, contados do requerimento administrativo, ingressar com o pedido de autorização judicial de acesso aos (dois) registros (arts. 13, § 3º, e 15, § 2º). A grande questão é justamente saber se esse pedido de natureza cautelar pode ser realizado sem o intermédio do Poder Judiciário.

A jurisprudência do STF tem afirmado que o inciso XII do art. 5º da Constituição
protege somente o sigilo das comunicações em fluxo (troca de dados e mensagens em tempo
real), e que o sigilo das comunicações armazenadas, como depósito registral, é tutelado pela
previsão constitucional do direito à privacidade do inciso X do art. 5º da CF/88[2]. Assim, não visão do STJ, a simples guarda dos registros de acesso a aplicações de internet ou registros de conexão não viola o postulado constitucional do sigilo de informações eletrônicas, assim como também não ofende o princípio da jurisdicionalidade o fato de o provedor de aplicações de internet atender o pedido do Ministério Público, ainda que sem autorização judicial, haja vista que a disponibilização dos registros, esta sim deve ser por meio de autorização judicial, que deverá ser requerida no prazo legal após a guarda dos referidos registros.

Ou seja, o pedido de “congelamento” de dados pelo Ministério Público não precisa necessariamente de prévia decisão judicial para ser atendido pelo provedor, uma vez que ele não equivale a que o requerente tenha acesso aos dados “congelados” sem ordem judicial.

Assim, o que resta-nos concluir – E ESSA É A TESE PRIMÁRIA PARA FINS DE PROVA – é que a disponibilização ao requerente dos registros de que trata a Lei 12.965/2014 (dados intercambiados), em atenção à referida cláusula constitucional, deverá ser precedida de autorização judicial, sendo estabelecido, inclusive, um prazo de 60 dias, contados a partir do requerimento de preservação dos dados, para que o Ministério Público ingresse com esse pedido de autorização judicial de acesso aos registros, sob pena de caducidade.

Trata-se de tema moderno, importantíssimo e que, com a absoluta certeza, será enfrentado em provas vindouras.

Espero que tenham compreendido e gostado.

Vamos em frente!

 

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

[1] IMPORTANTE! Não é necessário especificar a limitação temporal para os acessos requeridos pelo Ministério Público, por se tratar de dados estáticos, constantes nas plataformas de dados. Apesar de o art. 22, III, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) determinar que a requisição judicial de registro deve conter o período ao qual se referem, tal quesito só é necessário para o fluxo de comunicações, sendo inaplicável nos casos de dados já armazenados que devem ser obtidos para fins de investigações criminais (STJ, 6ª Turma, HC 587732-RJ, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 20/10/2020).

[2] HC 91.867 – Rel. Ministro Gilmar Mendes – 2ª Turma, julgado em 24/04/2012.

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