Promotor de justiça ou procurador da república pode cometer crime militar? Se sim, qual o foro competente para o processo e julgamento?

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Tema de grande complexidade é a aferição do juízo competente para processar e julgar os crimes militares diante da prática por algumas autoridades, detendo-nos neste raciocínio ao caso do membro do Ministério Público da União ou dos Estados.

O ponto de partida é aferir se o Promotor de Justiça (ou Procurador da República) pode cometer crime militar, o que exige a divisão em Direito Militar no âmbito federal e Estadual.

No âmbito estadual, diante da concepção de cargo civil desses membros do Ministério Público, a Justiça Militar Estadual (ou do Distrito Federal) não poderá julgá-los, de maneira que, adotando-se a visão majoritária, não cometem crimes militares na órbita estadual. Exemplificativamente, se um Promotor de Justiça do Estado praticar fato de violência contra militar de serviço (art. 158 do CPM), a solução será compreender o fato como crime comum, por exemplo, de lesão corporal, se elas restarem da conduta, e não como crime militar. Anote-se, para fomentar o debate, visão destoante segundo a qual o civil comete crime militar na esfera estadual, apenas não podendo ser julgado pela Justiça Militar dos Estados, argumento que pode ser bem assimilado em constrição de Milton Morassi do Prado (https://jusmilitaris.com.br/sistema/arquivos/doutrinas/crimemilitarcivilcontrapm.pdf. Acesso em 27 set. 2020), e que ganha corpo na discussão em curso, já que o critério de não prática está atrelado à competência da Justiça, que não seria, mesmo em crime militar, a Justiça Militar Estadual diante do foro especial por prerrogativa de função.

Já na órbita federal, perfeitamente possível a prática de crime militar por civil, onde se enquadrariam os promotores de justiça e procuradores da República. A construção permissiva partiria do inciso III do art. 9º do CPM, em uma visão monista sobre a qual já escrevemos, bastando que o agente queira agredir a instituição militar, que que haja subsunção em uma das alíneas desse inciso. Aproveitando o mesmo exemplo, o promotor de Justiça Militar que agrida sentinela do Exército Brasileiro, estará, em tese, em prática de crime militar do art. 158 cc a alínea “b” do inciso III do art. 9º, tudo do Código Penal Militar.

Mas qual seria o foro competente?

Certamente, não seria a Justiça Militar da União – que que dá força à teoria sustentada por Morassi no âmbito estadual, ressalte-se.

Comecemos pelo maior cargo do Ministério Público no Brasil, para, finalmente, chegarmos aos promotores de Justiça e Procuradores da República.

Nas infrações penais comuns – que abrange os crimes militares, pois em contraposição aos crimes de responsabilidade – o Procurador-Geral da República será julgado pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, b, da CF), com reflexo na alínea “a”  do inciso II do art. 18 da Lei Complementar n. 75/1993. Nos crimes de responsabilidade, o julgamento caberá ao Senado Federal (art. 52, I e II, CF).

Os membros do Ministério Público da União, incluído aqui, por exemplo, o promotor de Justiça Militar e o procurador da República – assim como os juízes federais de primeira instância, incluindo os juízes federais da Justiça Militar, apenas para comparar – serão processados e julgados nas infrações penais comuns (incluindo os crimes militares), pelo Tribunal Regional Federal da área de jurisdição correspondente (art. 108, I, da CF), ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Frise-se, ademais, prerrogativas processuais, como, no caso de membros do Ministério Público da União, a de ser preso ou detido somente por ordem escrita do tribunal competente ou em razão de flagrante de crime inafiançável, caso em que a autoridade fará imediata comunicação àquele tribunal e ao Procurador-Geral da República, sob pena de responsabilidade (art. 18, II, “d”, da Lei Complementar n. 75/1993, com correspondente no inciso II do art. 33 da Lei Complementar n. 35/1979, a Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

Para os membros do Ministério Público dos Estados (incluindo o Procurador-Geral de Justiça) – e também juízes estaduais, a título de comparação –, a regra está assentada no art. 96 da Constituição Federal, em seu inciso III, dispondo que compete privativamente “aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral”.

Mas seria essa regra válida mesmo em crimes militares na órbita federal?

A responder essa indagação, três possibilidades parecem surgir: a) julgamento pelo Tribunal Regional Federal, em observância ao art. 108, I, a , da CF, já que se trata de crime federal; b) Julgamento pelo Superior Tribunal Militar, buscando-se a mesma ratio aplicada para os prefeitos fruto da Súmula 702 do Supremo Tribunal Federal; c) julgamento pelo Tribunal de Justiça respectivo, em estrita observância do disposto no art. 96, III, da CF).

Embora sedutoras as primeira e segunda possibilidades, o mais correto, ao nosso sentir, é seguir a regra estrita da Constituição Federal do art. 96, III, que, frise-se, não traz em seu bojo, exceções. Aliás, guardadas as proporções, é possível encontrar decisões que evidenciam essa linha nos Tribunais Regionais Federais, decidindo-se, por exemplo, que, mesmo em crimes federais, a competência é do Tribunal de Justiça. Nesse sentido:

CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL – COMPETÊNCIA – CRIME FEDERAL PRATICADO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA – TRIBUNAL DE JUSTIÇA – ART. 96, III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – RECURSO IMPROVIDO.

  1. Nos termos do art. 96, III, da Constituição Federal, compete aos Tribunais de Justiça processar e julgar Juiz de Direito e Promotor de Justiça nos crimes comuns e de responsabilidade, excetuada unicamente a competência da Justiça Eleitoral.
  2. Logo, não tem o Tribunal Regional Federal competência para julgar Promotor de Justiça acusado da prática de crime federal, devendo os autos ser encaminhados ao Tribunal de Justiça.
  3. Recurso improvido (TRF-1, Recurso Criminal n. 44.767/MT, rel. Juiz Osmar Tognolo, j. 17/11/1998).

No Superior Tribunal de Justiça, confirmou-se a tese com a prevalência do art. 96, III, da CF sobre a regra do art. 109, IV, ambos da Constituição Federal, de maneira que cabe ao Tribunal de Justiça processar e julgar o membro do Parquet Estadual ( ou o juiz do Estado):

CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 333 DO CP. CRIME PRATICADO POR PROMOTOR DE JUSTIÇA. INCOMPETÊNCIA. NULIDADE. INOCORRÊNCIA. Compete ao Tribunal de Justiça Estadual julgar Promotor de Justiça que cometer crime comum ou de responsabilidade, exceto os crimes eleitorais, ex vi do art. 96, III, da Carta Magna.(Precedentes desta Corte e do STF) Writ denegado (STJ, T5, HC n. 48.703/MT, rel. Min. Felix Fischer, j. 06/12/2005).

No caso de desembargadores (estaduais ou federais) e dos membros do Ministério Público que atuem perante os Tribunais, a competência será do STJ (art. 105, I, “a”, da CF). Estão neste grupo, por exemplo, os desembargadores militares, cargo dos magistrados de segundo grau da Justiça Militar do Rio Grande do Sul.

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