A Lei n. 13.260, de 16 de março de 2016, trouxe ao universo jurídico brasileiro a regulamentação do disposto no inciso XLIII do art. 5º da Constituição Federal, disciplinando o terrorismo, tratando de disposições investigatórias e processuais e reformulando o conceito de organização terrorista.
Evidentemente, com o surgimento posterior da Lei n. 13.491, de 16 de outubro de 2017, o crime de terrorismo, especialmente aquele previsto no art. 2º da lei específica, passou a poder ser adjetivado como crime militar, um crime militar extravagante que possuirá complementação típica (tipicidade indireta) na alínea “e” do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, quando praticado, por exemplo, por um militar federal da ativa.
Mas seria a Justiça Militar competente para processar e julgar esse delito diante da literalidade do art. 11 da “Lei de Terrorismo”?
O mencionado artigo dispõe:
Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo a Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.
Pela expressa disposição legal, a órbita da tutela penal é federal, não podendo haver persecução no âmbito das justiças estaduais. Frise-se, ainda, que a lei grifa ser enquadrada a afronta inerente à prática de terrorismo em ato praticado contra o interesse da União, restringindo a persecução penal à Polícia Federal e à Justiça Federal, sem mencionar a Justiça Militar.
Sobre a previsão, Victor Rios dispõe:
De acordo com o art. 11 da Lei, considera-se que os crimes nela previstos são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal. A ação penal é pública incondicionada, devendo ser promovida pelo Ministério Público Federal[1].
Também sem muita complicação, Delmanto deflagra:
Competência: Por expressa disposição deste artigo, que considera serem os crimes de terrorismo contra o interesse da União, a competência para seu processamento e julgamento é da Justiça Federal.
Atribuição: Pelas mesmas razões, o inquérito policial é de atribuição da Polícia Federal[2].
Mas o dispositivo, malgrado sua clareza, não é bem aceito por parte da doutrina, aqui representada por Renato Brasileiro de Lima. Para o autor, a previsão padece de inconstitucionalidade, por algumas razões, entre elas, e em primeira linha, pelo fato de o bem jurídico tutelado pelo crime de terrorismo não ser de interesse exclusivo da União, mas pertencer a todos os entes federativos e também à sociedade[3].
Discorda-se, com o devido respeito, da visão de Renato Brasileiro.
É fato que o repúdio ao terrorismo e a proteção dos bens jurídicos que a norma penal indica interessam a todos os entes da Federação e a todas as pessoas, mas, em tendo a República Federativa do Brasil se comprometido com tal repúdio nos seus princípios na ordem internacional e também pelo fato de o terrorismo ser uma questão de Estado nacional, que implica, inclusive, a colaboração internacional em algumas questões, não parece ser inconstitucional o delineamento do art. 11 da Lei n. 13.260/2016.
Assim, tem-se por premissa que o crime de terrorismo avilta interesse da União, ganhando a órbita processual federal, da Justiça Federal, para ser mais exato, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal, o que devolve a pergunta acerca do crime militar extravagante de terrorismo. Poderia a Justiça Militar da União processá-lo e julgá-lo?
A resposta à pergunta parece estar no próprio inciso IV do art. 109 da Constituição Federal, onde há expressa exceção para a Justiça Militar e para a Justiça Eleitoral, senão veja-se:
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
[…];
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
[…].
A exceção aos casos de competência da Justiça Militar, ao nosso sentir, permite que o crime de terrorismo praticado com as tintas do crime militar (crime militar extravagante) seja processado e julgado pela Justiça Castrense, o que não ferirá a composição dada pela Constituição. Mas, anote-se, refere-se à Justiça Militar da União, para manter a órbita fixada na própria lei, com o aviltamento de interesses da União.
Em um exemplo, para facilitar a compreensão, imagine-se um militar federal, controlador de voo, que, na função, sabote ou se apodere do sistema de controle, para, por xenofobia, causar o medo generalizado na população brasileira. Naturalmente, como o mister constitucional de defesa da pátria, dos poderes constitucionais e da lei e da ordem atribuído às Forças Armadas, o militar estará a agredir a ordem administrativa militar, fazendo com que a tipicidade do inciso IV do parágrafo único do art. 2º da Lei n. 13.260/2016 seja complementado pela alínea “e” do inciso II do art. 9º do CPM, caracterizando-se o crime militar extravagantes.
Mas o que fazer com a literalidade do art. 11 da Lei n. 13260/2016 que limita a competência à Justiça Federal e sequer menciona a Justiça Militar?
É preciso que se lembre que o legislador de 2016 não raciocinava com a possibilidade de crime militar de terrorismo, o que somente passou a ser possível pela Lei n. 13.491/2017. Assim, a melhor compreensão a atender a construção que aqui se manifesta é a de que houve derrogação do art. 11 da Lei de terrorismo, permitindo-se apreciação do fato pela Justiça Militar, desde que na órbita federal, em alinho, também, ao art. 124 da Constituição Federal.
[1] GONÇALVES, Victor Eduardo R. Esquematizado – Legislação Penal Especial. Disponível em: Minha Biblioteca, 7th edição. Editora Saraiva, 2021, p. 85.
[2] DELMANTO, Fábio Machado de, A. et al. Leis penais especiais comentadas. Disponível em: Minha Biblioteca, 3rd edição. Editora Saraiva, 2018, p. 1.208.
[3] LIMA, Renato B. de. Legislação criminal especial comentada. Salvador: Jus Podivm, 2020, p. 975.