Qual é o recurso idôneo para atacar a negativa de homologação de acordo de colaboração premiada? Cuidado com a decisão do STJ!

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Olá pessoal, tudo certo?

No final de 2020, fomos brindados com um julgado do Superior Tribunal de Justiça cujo tema é daqueles que VAI CAIR EM PROVA!

O pano de fundo envolve o princípio recursal da fungibilidade, especificamente relacionado à Lei de Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013).

A Lei de ORCRIM indica que após a realização do acordo de colaboração premiada, o juiz deverá verificar sua regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade, os termos do ajuste, as declarações do colaborador e cópia da investigação (art. 4º, § 7º da Lei 12.850/13). Vejamos:

Art. 4º, § 7º – Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação: I – regularidade e legalidade; II – adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo; III – adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo; IV – voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

 

PEDRO, O JUIZ TEM OBRIGAÇÃO DE HOMOLOGAR?

Não! O dispositivo acima indicado aponta para uma etapa necessária à validação do acordo, que pode ou não prosperar. Caso o magistrado entenda que não é acertado a homologação e opte pela sua recusa, deverá fundamentar sua decisão, por exemplo, indicando que a proposta não atende aos requisitos legais, é possível impugnar tal decisão. Entretanto, a lei não é clara quanto ao recurso idôneo para tanto!

Diante da lacuna normativa, devemos buscar interpretar qual a espécie recursal que melhor se encaixa. Durante minhas aulas e escritos, sempre apontei que a doutrina se dividia em duas posições principais. A primeira, sugerindo cabimento de RESE, era capitaneada pelo prof. Pacelli. Sempre entendi essa posição como equivocada, porque se pautava no art. 581, I do CPP. A segunda era defendida por Marcos Paulo Dutra, defendendo a apelação. Para mim, é a posição mais coerente.

E, de acordo com o STJ (REsp 1834215/RS, 6ª T., julgado em 27/10/2020[1]), tem-se que a APELAÇÃO criminal é apropriada para confrontar a decisão que recusar a homologação da proposta de acordo de colaboração premiada. É que essa decisão (i) não ocasiona uma situação de inversão tumultuária do processo, a atrair o uso da correição parcial e (ii) tem força definitiva, uma vez que impede o negócio jurídico processual, com prejuízo às partes interessadas.

Ademais, o cabimento do recurso em sentido estrito está taxativamente previsto no art. 581 do CPP e seus incisos não tratam de hipótese concreta que se assemelha àquela prevista no art. 4°, § 8°, da Lei n.12.850/2013.

Apesar disso, reconheceu-se haver dúvida objetiva e, portanto, se trata de caso de observância potencial da fungibilidade. Ou seja, utilizar outra espécie recursal (RESE

 

[1] RECURSO ESPECIAL. DECISÃO QUE RECUSA A HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA. RECURSO CABÍVEL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGISLATIVA EXPRESSA. DÚVIDA OBJETIVA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA FUNGIBIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.

1. A teor das disposições contidas na Lei n. 12.850/2013, realizado o acordo de colaboração premiada, serão remetidos ao juiz, para verificação de sua regularidade, legalidade, adequação e voluntariedade, os termos do ajuste, as declarações do colaborador e cópia da investigação. Tem-se, nessa fase, a fiscalização dos aspectos previstos no art. 4º, § 7º, do mesmo regramento legal, com redação incluída pela Lei n. 13.964/2019.

2. O magistrado poderá recusar a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais e esse ato judicial tem conteúdo decisório, pois impede o meio de obtenção da prova. Entretanto, não existe previsão normativa sobre o recurso cabível para a sua impugnação.

3. Nesse contexto, ante a lacuna na lei, o operador do direito tem de identificar, entre os instrumentos recursais existentes no direito processual penal, aquele mais adequado para a revisão da decisão proferida em primeira instância.

4. Analisadas as espécies de recursos elencados no Código de Processo Penal, tem-se que a apelação criminal é apropriada para confrontar a decisão que recusar a homologação da proposta de acordo de colaboração premiada.

5. O ato judicial: a) não ocasiona uma situação de inversão tumultuária do processo, a atrair o uso da correição parcial e b) tem força definitiva, uma vez que impede o negócio jurídico processual, com prejuízo às partes interessadas. Ademais, o cabimento do recurso em sentido estrito está taxativamente previsto no art. 581 do CPP e seus incisos não tratam de hipótese concreta que se assemelha àquela prevista no art. 4°, § 8°, da Lei n. 12.850/2013.

6. De toda forma, ante a existência de dúvida objetiva quanto ao instrumento adequado para combater o provimento jurisdicional, não constitui erro grosseiro o manejo de correição parcial, principalmente quando esse instrumento foi aceito em situações outras pelo Tribunal. Interposta a insurgência no interstício de cinco dias, sem que se possa falar em sua intempestividade, era perfeitamente aplicável o princípio da fungibilidade recursal. Foi violado o art. 579 do CPP, uma vez que: “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro” (REsp 1834215/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020).

 

ou CORREIÇÃO) não constitui erro grosseiro. Respeitado o prazo da apelação criminal, revela-se aplicável o princípio da fungibilidade recursal. Foi violado o art. 579 do CPP[2], uma vez que: “salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro”.

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido! Anota mais essa porque vai cair em prova!

 

Vamos em frente.

 

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

[2] Art. 579.  Salvo a hipótese de má-fé, a parte não será prejudicada pela interposição de um recurso por outro. Parágrafo único.  Se o juiz, desde logo, reconhecer a impropriedade do recurso interposto pela parte, mandará processá-lo de acordo com o rito do recurso cabível.

 

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