Olá pessoal, tudo certo?
Hoje vamos fazer uma abordagem um pouco diferente dos textos anteriores. Sem descuidar de tratar de uma temática assídua em provas de concurso público dentro do processo penal, o faremos a partir de uma questão interessante cobrada na prova da magistratura federal (TRF 5ª Região), no ano de 2015.
Se você se deparasse com a assertiva a seguir, você marcaria C ou E? Vejamos:
“Se, no curso de uma ação penal contra servidor público federal por suposta prática de peculato, na modalidade de apropriação ou desvio de recursos públicos, a defesa apresentar resposta à acusação, alegando regularidade das contas declaradas pelo TCU e idêntico posicionamento encontrado na ação de improbidade administrativa em curso, admitir-se-á a objeção apresentada pela defesa como questão prejudicial heterogênea, o que autoriza a suspensão da ação principal”.
EXPLICAÇÃO: O tema que se debate na assertiva supraindicada é o das chamadas QUESTÕES PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS (também chamadas pela doutrina de impróprias ou imperfeitas).
Pedro, por que elas são assim denominadas? Isso ocorre porque, diferentemente das questões prejudiciais HOMOGÊNEAS, elas se atrelam a outros ramos do direito, razão pela qual, como regra, devem ser decididas por outro juízo (cível, por exemplo).
Aprofundando um pouco mais, a questão prejudicial impõe uma decisão prévia como condição necessária ao exame do mérito da causa principal (questão prejudicada). Pode ser uma infração penal ou controvérsia de natureza civil a respeito da qual depende a existência da infração penal (tipicidade):
(a) Questão prejudicial homogênea: penal + penal (ex.: verificação da existência de infração penal antecedente para que se configure o delito de lavagem de dinheiro);
(b) Questão prejudicial heterogênea: penal + cível (delito de abandono material imputado ao genitor, que necessita comprovação de filiação e idade do menor de dezoito anos; crime de bigamia, que requer, para sua configuração, a validade do primeiro casamento).
Essas questões prejudiciais heterogêneas estão previstas e regulamentadas nos artigos 92 e 93 do CPP, podendo-se identificar as (i) prejudiciais devolutivas absolutas e as (ii) prejudiciais devolutivas relativas.
Em relação às primeiras, o artigo 92 do Código de Processo Penal limita aos casos em que houver dependência de solução de controvérsia séria e fundada sobre o estado civil das pessoas, quando a ação penal ficará necessariamente suspensa até a solução do imbróglio pelo juízo cível.
Todavia, em relação às questões prejudiciais heterogêneas relativas (E SÃO ESSAS QUE NOS INTERESSAM PARA A QUESTÃO), o artigo 93 aponta que se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal PODERÁ, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente.
Esquematizando as principais características e informações sobre elas, vejamos:
Interesse na jurisdição |
Homogênea, comuns ou imperfeitas: podem ser resolvidas na mesma jurisdição/ramo do Direito.
Ex.: a exceção da verdade no crime de calúnia (CP, art. 138, § 3°); o processo-crime por calúnia dependerá da resolução da exceção da verdade, que é prejudicial homogênea em relação àquele. |
Heterogênea, jurisdicionais ou perfeitas: a relação jurídica civil que condiciona a existência da infração penal que o juiz está julgando.
Ex.: a repercussão no espólio (jurisdição cível) daquele que, em virtude de sentença penal condenatória (jurisdição penal), tem o dever de indenizar a vítima; É heterogênea, por exemplo, a prejudicial disposta no art. 93 do CPP: “se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão” afeta ao juízo cível, que não se refira ao estado civil das pessoas, “e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo depois da oitiva “das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente”. |
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Faculdade ou dever de suspender o processo prejudicado |
Obrigatória, necessária ou de prejudicial em sentido estrito: se o juiz necessariamente tiver que suspender o processo principal.
Ex.: questão atinente ao estado civil das pessoas (art. 92, CPP), situação em que ficará suspenso juntamente o prazo prescricional (art. 116, I, CP), até o trânsito em julgado da decisão no cível, sem prejuízo, na esfera crime, da realização de providências urgentes. |
Facultativa, discricionária ou de prejudicial em sentido amplo: o reconhecimento do crime depende de solução de questão diversa do estado civil das pessoas. A suspensão não é obrigatória, cabendo ao juiz decidir se suspende ou não o processo (vide art. 93, CPP).
Ex.: discussão sobre a titularidade do bem no delito de furto, quando o réu afirma que a coisa lhe pertence, em tese defensiva que almeja o reconhecimento da atipicidade do fato (art. 93, CPP). |
Realizadas tais considerações e revisões, resta fácil anotar que, no caso proposto na assertiva ora analisada, a defesa suscitou exatamente uma questão prejudicial de natureza cível (HETEROGÊNEA) RELATIVA, que autoriza (mas não OBRIGA) a suspensão da ação penal principal.
Assim, a resposta é que a assertiva está CORRETA!
Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido.
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
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