Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
Por Fábio Zambitte Ibrahim
1. Introdução
Sabe-se que, dogmaticamente, os modelos previdenciários subdividem-se em dois moldes clássicos. O primeiro, originário do seguro social alemão do Século XIX, é desprovido de universalidade de cobertura, financiado por contribuições sociais do grupo protegido e, ainda, possuidor de sinalagma mínimo entre a contribuição versus benefício. A solidariedade é aplicada em grau moderado, para grupo identificável de pessoas protegidas (historicamente, trabalhadores com vínculo formalizado).
O modelo alternativo é derivado do Plano Beveridge, desenvolvido já no Século XX, visando colmatar lacunas protetivas do seguro social. Era, basicamente, financiamento por impostos cobrados de toda a sociedade, dotado de solidariedade em grau elevado e capaz de assegurar renda mínima de sobrevivência a todos, sem qualquer sinalagma entre os recolhimentos individuais e o valor do benefício.
Ambos os desenhos possuem vantagens e desvantagens. Enquanto os modelos de seguro social são potencialmente mais comprometidos com o equilíbrio financeiro e atuarial, falham na cobertura, pois sistemas contributivos nunca serão universais. Já os modelos universalistas podem, potencialmente, criar déficits maiores e desestimulo a contribuição.
O modelo brasileiro, assim como toda a América Latina e diversos países europeus, adotou o arquétipo do seguro social, ainda que com temperamentos. Pelo que se nota da proposta de reforma apresentada ao Congresso Nacional, as mudanças paramétricas sugeridas não são capazes de resolver as iniqüidades do modelo vigente, focando, unicamente, no aspecto financeiro. Pela proposta a seguir, brevemente esboçada, é possível evoluir no tema, simplificando o regramento da matéria e ainda produzir redução das desigualdades.
2. Ausência de Foco na Redução das Desigualdades
Pelo que se nota do debate atual, há elevado enfoque do Governo Federal no controle do gasto previdenciário – aspecto inegavelmente necessário – e pouca dedicação a correções de injustiças do modelo vigente. De outro lado, a sociedade organizada e a imprensa focam em aspectos de menor importância da reforma, como o tempo de contribuição para alcançar-se o benefício de renda máxima, tema irrelevante para a maior parte dos beneficiários do sistema.
Em modelo protetivo em que 2/3 das aposentadorias voluntárias são por idade (que, para o homem, já exige 65 anos) e o mesmo percentual no valor de salário mínimo, as discussões focadas, unicamente, em criticar a idade mínima e tempo de contribuição para benefícios de valores superiores ao mínimo demonstra a falta de foco na clientela que deve, efetivamente, ser protegida. A imensa maioria dos trabalhadores brasileiros somente se aposenta por idade e com renda mensal de salário mínimo, quando consegue obtê-la.
Acredito que a meta da reforma, além de buscar o necessário equilíbrio do sistema, seja reduzir as desigualdades e, com isso, propiciar benefícios a trabalhadores de baixa-renda que, mesmo com todas as benesses dos sistemas de inclusão previdenciária, não conseguem concretizar seus direitos previdenciários. É neste sentido que encaminho a presente proposta: um modelo capaz de gerar proteção universal, com redução das desigualdades e, ao mesmo tempo, comprometido com o equilíbrio financeiro.
3. Aposentadoria por Idade Independente de Tempo Mínimo de Contribuição – Fusão Parcial com a Assistência Social
Tenho defendido, nos últimos anos, o abandono dos modelos de proteção calcados no sistema de seguro social, os quais, não obstante as suavizações e melhorias quanto à cobertura, ainda pecam por excluir a parte mais necessitada da classe trabalhadora. Não acredito que uma reforma previdenciária atual seja capaz de mudar tão dramaticamente o sistema e, por isso, proponho aqui uma solução intermediária.
Em apertada síntese, acredito que nosso modelo possa admitir, como única forma de retiro voluntário, a aposentadoria por idade aos 65 anos, independente de gênero (com possível equiparação gradual para mulheres), desprovida de tempo de contribuição mínimo. O requisito seria, unicamente, a idade.
A contribuição ao sistema ainda seria mandatória para a maioria da classe trabalhadora, mas não seria requisito necessário para fins de concessão do benefício. O interregno contributivo, dentro de parâmetros a serem fixados com o auxílio de atuários, seria importante para pagamentos superiores ao mínimo, exclusivamente. Como exemplo, poderia o sistema, a partir de vinte anos de contribuição, a cada ano adicional, gerar incremento de 20% na renda mensal.
O modelo proposto, que poderia ser acusado de gerar desestímulo à contribuição, não encontra amparo na realidade brasileira. Por aqui, a metade da classe trabalhadora, que é empregada, não possui qualquer influência nos recolhimentos previdenciários, pois são descontados na fonte. Para a segunda metade, há os profissionais que são empresários ou prestam serviços a empresas, o que também traz o desconto automático na fonte. Para os autônomos que trabalham unicamente para pessoas físicas, quando melhor remunerados, possuem controle da Receita Federal, mediante cruzamento de dados com o imposto de renda.
Em suma, os que seriam “beneficiados” pelo novo modelo seriam justamente aqueles que carecem de melhor proteção do modelo estatal, pois representam a parcela de mão-de-obra não especializada, alijada do setor formal da economia, sem capacidade contributiva de verter o tempo de contribuição hoje previsto pela lei – que é de somente 15 anos – e não conseguem sequer se aposentar com o salário mínimo. Tudo isso sem esquecer que tais pessoas, ainda que indiretamente, contribuem ao sistema protetivo brasileiro, mediante os encargos fiscais incluídos nos produtos e serviços que todos consumimos. Não se beneficiam das salvaguardas legais dos trabalhadores formais (férias, 13 salário, duração de jornada, horas extras etc.) e, mesmo assim, teriam de aguardar mais alguns anos para o recebimento de um benefício assistencial.
O atual modelo, a pretexto de evitar o rent-seeking, acaba por prejudicar a clientela que deveria ser o foco principal do modelo protetivo brasileiro, como instrumento de redução de desigualdades sociais e laborais. Tais pessoas, sem educação formal e sem condições de competir no mercado de trabalho, acabam por se submeter a atividades insalubres e penosas, em jornadas extenuantes e, mesmo assim, não usufruem do modelo pretensamente universalista de proteção desejado pela Constituição de 1988.
Ao invés de buscarmos, exclusivamente, o atendimento de nossas expectativas individualistas, é interessante notarmos a injustiça de nosso modelo protetivo como é hoje. O objetivo da reforma não deve ser exclusivamente financeiro, mas, também, de assegurar a proteção adequada a todos os brasileiros, como forma de produzir a redução das desigualdades e legitimar as mudanças propostas. A Previdência Social deve ser não somente equilibrada, mas, também, justa.
Fonte: www.migalhas.com.br
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