A Sentença Criminal e os Institutos da Emendatio e Mutatio Libelli

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PadraoA origem da palavra sentença vem do sentimento que o magistrado tem pela causa, após analisar todas as provas constantes dos autos.
Segundo Siva[1], a sentença trata-se de ato processual que encerra o processo com ou sem o exame do mérito, e passa a ter validade no processo a partir do momento de sua publicação.
A sentença deverá conter as seguintes partes: Relatório, motivação e o dispositivo (conclusão). Dica do professor: veja o artigo 381 do CPP.
O relatório será a primeira parte, nela o magistrado deverá mencionar o nome das partes, um resumo do processo desde seu início, apontando os fundamentos do pedido, da defesa e dos incidentes levantados durante o transcorrer do processo. Trata-se de uma forma de demonstrar que o juiz teve contato e o conhecimento da causa.
Já nos fundamentos, o juiz analisará as questões de fato e de direito, sendo dever do magistrado fundamentar ás suas decisões, uma vez que se trata de exigência legal da Constituição Federal de 1988, que assim prevê:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

(…)

IX – todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentados todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.

Conforme mencionado supra, na motivação, o juiz deverá apontar os dispositivos legais em que alicerçou o seu convencimento bem como as razões de fato e de direito.
No dispositivo ou conclusão, o juiz deverá resolver as questões que as partes lhe submeteram, assim, será o momento em que o juiz se pronuncia no sentido de acolher ou rejeitar o pedido formulado pelo autor.
A parte dispositiva da sentença deve ter correspondência com as partes anteriores, pois não a decisão não poder é ser extra petita, citra petita ou ultra petita. Em suma, o juiz deverá julgar com fulcro no que a parte apresentou, nunca a mais ou a menos, sob pena da decisão ser considerada extra petita, citra petita ou ultra petita.
Cuidado: é na parte dispositiva que recai a autoridade da coisa.
Ainda é importante destacar que o juiz deverá julgar observando o princípio da correlação, ou seja, deve existir uma lógica entre a imputação realizada na denúncia e a sentença proferida. Assim, os fatos narrados na inicial devem manter relação lógica com a sentença.
Vale relembrar que o juiz neste momento deve julgar somente o que a parte trouxe, nunca a mais ou a menos, sob pena desta decisão ser considerada extra petita, citra petita ou ultra petita.
Com a base no princípio da correlação, são atribuídos ao juiz dois instrumentos: a emendatio e a mutatio.
Nesse viés, ensina Avena[2] que:

O estudo desses institutos está intimamente relacionado a dois princípios básicos em matéria de sentença penal: primeiro, o princípio da consubstanciação, segundo o qual o réu defende-se dos fatos descritos na denúncia ou na queixa-crime e não da capitulação; e, segundo, o princípio da correlação da sentença.

Passaremos á analise dos referidos institutos.
EMENDATIO LIBELLI (EMENDA NA ACUSAÇÃO)
O art. 383 do Código de Processo Penal dispõe que o juiz poderá́, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave ao fato.
Destarte, ao se advogado do réu deve, em tese, se ater aos fatos articulados na peça acusatória, buscando, destarte, demonstrar a inocência do acusado ou a real participação no crime, na medida de sua culpabilidade conforme o artigo 29 do CP.
Vejamos o dispositivo em comento[3]:

Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuir-lhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave. (grifei).

§ 1o Se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.

§ 2o Tratando-se de infração da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos.

Em síntese, o instituto significa dar ao fato definição jurídica diversa (mudar o artigo de lei – tipificação), sem modificar a descrição de fato contida na denúncia ou queixa. A correção da capitulação legal pode ser feita mesmo que implicar aplicação da pena mais grave. (grifei).
Cuidado: na “emendatio” os fatos provados na instrução são exatamente os fatos narrados na inicial – o juiz não modifica os fatos, mas tão somente a classificação jurídica.
Outra questão relevante é que o referido instituto poderá ser aplicada em segunda instância (não existe limitação para a aplicação dessa regra em segunda instância), todavia, se a emendatio libelli importar em aplicação de uma pena mais grave, o tribunal não poderá dar a nova definição jurídica que implique prejuízo ao réu, no caso do recurso exclusivo da defesa, sob pena de violar o princípio da proibição da reformatio in pejus.
O art. 383, §1º do CPP estabelece que, caso haja possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, em decorrência de definição jurídica diversa, caberá ao magistrado observar o disposto no art. 89 da Lei nº 9.099/95. Também, se, em virtude da nova capitulação, restar configurado delito da competência de outro juízo, a este serão encaminhados os autos, conforme prevê o artigo 383, § 2º do CPP[4].
MUTATIO LIBELLI (MUDANÇA NA ACUSAÇÃO)
O processo penal brasileiro se orienta pelo principio da correlação entre o pedido e a sentença. O art. 384 do Código de Processo Penal determina que o Ministério Público, após o encerramento da instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de provas existentes nos autos de elementos ou circunstâncias da infração penal não contidos na acusação, adite a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias, se, em virtude desta, houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente.
Alerta Avena[5] que neste caso o juiz, condenando ou pronunciando o réu, atribui ao fato nova definição jurídica, mediante o acréscimo de circunstâncias não mencionadas na peça acusatória, contatando-se, destarte, um evidente prejuízo ao acusado, não poderá́ ser o indivíduo condenado ou pronunciado pelo novo crime sem que sejam adotadas, antes, as providências estampadas no art. 384 do CPP.
A mutatio libelli não refere apenas a mera capitulação da conduta delituosa. Neste instituto, dá-se o surgimento de um fato novo não examinado durante o curso da instrução processual e que pode dar outro rumo ao resultado da ação penal[6].
Vejamos o dispositivo em apreço:

Art. 384. Encerrada a instrução probatória, se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias, se em virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se a termo o aditamento, quando feito oralmente. (grifei).

§ 1o Não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento, aplica-se o art. 28 deste Código.

§ 2o Ouvido o defensor do acusado no prazo de 5 (cinco) dias e admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas, novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.

§ 3o Aplicam-se as disposições dos §§ 1o e 2o do art. 383 ao caput deste artigo.

§ 4o Havendo aditamento, cada parte poderá arrolar até 3 (três) testemunhas, no prazo de 5 (cinco) dias, ficando o juiz, na sentença, adstrito aos termos do aditamento.

§ 5o Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.

Em síntese, nesse instituto dá-se uma nova definição jurídica do fato, diante de prova da infração penal não contida na acusação (elemento ou circunstância da infração penal não contida na peça acusatória). Atenção: nesse instrumento os fatos provados na instrução são distintos dos fatos narrados na inicial. Há, necessariamente, uma modificação da descrição fática constante da inaugural. Assim, não ocorre uma simples emenda à acusação (correção de tipificação legal), pelo contrário, haverá uma verdadeira mudança, com alteração da narrativa acusatória.
A título de esclarecimento, traz-se á baila o exemplo de Avena[7]:

Denunciado o acusado por receptação dolosa, surge no curso da instrução a prova de que se trata, em verdade, de receptação culposa. Considerando que tal desclassificação importa no reconhecimento de imprudência ou negligencia, circunstâncias estas não descritas na denúncia, não poderá o magistrado proferir sentença condenatória pelo crime culposo sem que tenham sido adotadas as providências do art. 384 do CPP, desimportando o fato de que a receptação culposa seja crime a que cominada pena inferior à do delito imputado.

Assim, no instituto da mutatio o Ministério Público terá que aditar a acusação (pelo princípio da correlação) e possibilitar o contraditório ao réu.
Em suma, ocorrerá quando o magistrado concluir que o fato narrado na inicial não corresponde aos fatos provados na instrução processual, neste caso, deverá remeter o processo ao Ministério Público que deverá aditar a peça inaugural (dominus littis da ação penal – artigo 129, I da CF)
O Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de cinco dias.
Com fulcro no contraditório, em seguida, será ouvido o defensor do acusado no prazo de cinco dias e, admitido o aditamento, o juiz, a requerimento de qualquer das partes, designará dia e hora para continuação da audiência, com inquirição de testemunhas (até três), novo interrogatório do acusado, realização de debates e julgamento.
Sem aditamento, o juiz atua de acordo com o artigo 28 do Código de Processo Penal. Não recebido o aditamento, o processo prosseguirá.
Cuidado: não pode ser aplicada a mutatio em segunda instância, conforme estabelece a Súmula 453 do Supremo Tribunal Federal – motivos: evitar supressão de instância.
Por fim, se em decorrência da mutatio, surgir proposta de suspensão condicional do processo, o juiz deve aplicar a referida suspensão. Também, se da mudança à acusação houver implicação da competência de outro juízo, deve remeter ao juízo competente.

˜

[1]SILVA, Cláudio L., SILVA, Franklyn Alves. Manual de Processo e Prática Penal, 6ª edição. Forense, 12/2012. VitalBook file.
[2] AVENA, Norberto. Processo Penal – Versão Universitária, 2ª edição. Método, 02/2013. VitalBook file.
[3] BRASIL. Código penal; Código de processo penal; Constituição federal; Lei de Execução penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[4]SILVA, Cláudio L., SILVA, Franklyn Alves. Manual de Processo e Prática Penal, 6ª edição. Forense, 12/2012. VitalBook file.
[5] AVENA, Norberto. Processo Penal – Versão Universitária, 2ª edição. Método, 02/2013. VitalBook file.
[6]SILVA, Cláudio L., SILVA, Franklyn Alves, Op cit.
[7] AVENA, Norberto. Processo Penal – Versão Universitária, 2ª edição. Método, 02/2013. VitalBook file.

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José-CarlosJosé Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.

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