Vamos aprender um pouco mais sobre Direito Previdenciário?
Hoje trago para vocês a lembrança de um sistema previdenciário à parte, digamos, especialmente criado pelo Constituinte Derivado para atender ao princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, previsto no art. 194, parágrafo único, inciso I, da Constituição Federal.
O chamado “sistema especial de inclusão previdenciária” é um regime jurídico estabelecido pela própria Constituição Federal desde a EC 41/03. Há quase vinte anos, portanto, temos previsto em nosso texto constitucional um sistema especial de inclusão previdenciária, a fim de prever benefícios de renda mínima aos trabalhadores de baixa renda ou, ainda, para aqueles sem renda própria que se dediquem ao trabalho doméstico em suas residências, desde que pertencentes à famílias de baixa renda.
A grande diferença desse “microssistema” previdenciário é que ele exclui do rol de prestações previdenciárias do INSS a aposentadoria por tempo de contribuição. Além disso, os segurados inclusos nessa sistemática não podem emitir CTC – certidão de tempo de contribuição. A vantagem para o segurado, de outro lado, é que ele contribui com uma alíquota menor sobre o salário de contribuição, garantindo-se uma RMI de um salário mínimo.
Paga-se menos, ganha-se menos. Parece proporcional.
A sua previsão é dada pelo art. 201, §12, da CF/88, que diz assim:
Art. 201.
- 12. Lei instituirá sistema especial de inclusão previdenciária, com alíquotas diferenciadas, para atender aos trabalhadores de baixa renda, inclusive os que se encontram em situação de informalidade, e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019)
O §12, do art. 201, CF, sempre tratou do sistema especial de inclusão previdenciária, desde a redação original da norma instituidora desse instituto, que foi dada, como disse, pela Emenda 41. Essa era a redação dada ao então §12, do art. 201, pela Emenda 41:
- 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para trabalhadores de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo, exceto aposentadoria por tempo de contribuição. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
No início, como se pode perceber, tínhamos apenas como contemplados do sistema os TRABALHADORES DE BAIXA RENDA.
Já na EC 47 houve ampliação do sistema para incluir trabalhadores SEM RENDA PRÓPRIA que se dediquem exclusivamente ao TRABALHO DOMÉSTICO NO ÂMBITO DE SUA RESIDÊNCIA, DESDE QUE PERTENCENTES À FAMÍLIA DE BAIXA RENDA.
Com a EC 103, portanto, tivemos nova ampliação do sistema, incluindo os TRABALHADORES INFORMAIS DE BAIXA RENDA. A Emenda 103 quis ir além da normatividade fria, portanto, alçando seu campo de visão para a realidade relacionada a imensa massa de trabalhadores informais de nosso país, que auferem renda mínima sem qualquer regularização de suas atividades. Os requisitos principais continuam sendo a BAIXA RENDA e/ou AUSÊNCIA DE RENDA PRÓPRIA para os que promovem trabalho doméstico no âmbito de sua residência. A diferença ficou por conta da declaração expressa, dada pelo Constituinte Derivado, de que os trabalhadores informais também entram no sistema especial, nada interferindo a informalidade do trabalho que executam.
Com isso, consolidando-se o sistema especial de inclusão previdenciária temos, desde a EC 103, as seguintes categorias de segurados contemplados:
- trabalhadores em situação formal de baixa renda;
- trabalhadores em situação de informalidade de baixa renda;
- trabalhadores formais ou informais que sem renda própria, que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes à família de baixa renda.
Além disso, a previsão de alíquotas diferenciadas para o chamado SISTEMA ESPECIAL DE INCLUSÃO PREVIDENCIÁRIA já existia desde a EC 47, mas era dada pelo §13, que assim dizia:
- 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)
Note-se que havia também a previsão de que poderia haver exigência de prazos de carência inferiores aos do sistema comum, sendo que isso não foi repetido no novo texto dado pela EC 103, que apenas replica a possibilidade de instituição de alíquotas distintas, sendo que elas não necessariamente serão inferiores.
O sistema é dirigido, na prática, aos contribuintes individuais e segurados facultativos, os quais, em situações normais, ou seja, dentro do plano normal de contribuição ao RGPS, devem pagar com base em alíquota de 20% sobre o salário de contribuição.
No sistema especial as alíquotas são de 5% e 11%.
O sistema especial possui assento constitucional e foi viabilizado no plano infraconstitucional pela Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, que alterou a redação do art. 21, §§2º e 3º, da Lei de Custeio da Previdência Social (Lei n. 8.212/91). Note aí mais um exemplo da morosidade legislativa para concretizar direitos fundamentais previdenciários previstos no texto constitucional, pois a Emenda 41 foi publicada em 31 de dezembro de 2003 e a LC 123 somente veio ao ordenamento jurídico três anos depois. Explicitando melhor o teor da LC 123, a regulamentação infralegal foi dada pelo Decreto n. 6.042/07, que alterou dispositivos do Decreto n. 3.048/99 e acrescentou no regulamento da previdência social as normas relacionadas ao sistema especial de inclusão previdenciária.
Cabe registrar, entretanto, que o art. 201, §12, CF, matriz da previsão do sistema especial, nunca exigiu lei complementar para que ele fosse instituído. Tanto é assim que as demais alterações e inclusões feitas no art. 21, da Lei de Custeio da Previdência Social foram feitas, posteriormente, por meio de lei ordinária mesmo, tal como a Lei n. 12.470/11, fruto da conversão da Medida Provisória n. 529, de 07 de abril de 2011.
A justificativa para a edição de lei complementar é que o tratamento diferenciado a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte – nesse espectro se incluindo a figura do MEI e, bem assim, do contribuinte individual – deve ser feito por meio de lei complementar, com base na determinação dada pelo art. 146, III, “c”, da Constituição Federal. Por conta disso é que se optou na época pela inclusão do §2º, no art. 21, da Lei de Custeio, por uma lei complementar, no caso a LC 123, que tratou do “Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte”, dentre outras disposições (e não especificamente do disposto no art. 201, §12, da CF).
Então, perceba: não existe em nosso ordenamento jurídico uma lei totalmente dedicada ao art. 201, §12, da CF.
Em outros termos, nós não temos uma lei específica para a criação e regulamentação do chamado PSPS – Plano Simplificado de Previdência Social.
Aliás, essa expressão foi dada pela doutrina e não consta de normas escritas.
Na primeira redação do §1º, do art. 21, da Lei n. 8.212/91 (conforme redação dada pela LC 123), a alíquota diferenciada prevista para os segurados contemplados no chamado PSPS era de 11%, tanto para os contribuintes individuais, quanto para os segurados facultativos.
Já na vigência da segunda fase – podemos dizer assim – do PSPS, com nova redação dada pela MP 529/11, ao art. 21, §2º, da Lei de Custeio, as alíquotas continuaram a ser de 11%, em regra, para os contribuintes individuais e segurados facultativos, mas com a criação de uma alíquota ainda menor (de 5%) para os contribuintes individuais constituídos sob a forma de MEI – Microempreendedor Individual e desde que optantes SIMPLES NACIONAL na forma do art. 18-A, da LC 123.
Por fim, na terceira fase de previsão de alíquotas diferenciadas para o PSPS, o que se deu com a conversão da referida MP 529 na Lei n. 12.470/11, com algumas alterações, foram previstas as alíquotas de 11% para o contribuinte individual e de 5% para o MEI OPTANTE DO SIMPLES NACIONAL e, ainda, por fim, para os segurados facultativos.
Só um detalhe! A princípio, partindo-se apenas do texto constitucional, não seria todo e qualquer contribuinte individual que entraria nesse plano simplificado. Também não seriam todos os segurados facultativos que entrariam nesse microssistema previdenciário!
O texto constitucional é claro: somente os trabalhadores de baixa renda ou aqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda.
Então aqui cabe uma observação: a lei foi mais benéfica do que a própria Constituição, pois veja que nossa norma maior exige baixa renda ou ausência de renda em trabalho doméstico no âmbito de sua residência desde que pertencente à família de baixa renda.
E a lei?
Já a lei exige apenas a constatação de que se trata de contribuinte individual que trabalhe por conta própria sem relação de trabalho com empresa ou equiparado, desde que ele OPTE por contribuir menos e não ter direito, assim, a então aposentadoria por tempo de contribuição.
A lei foi além. Deu a opção ao contribuinte individual, mesmo que ele não seja de baixa renda.
O mesmo fez com os segurados facultativos.
A lei vai e diz assim: “olha, você não é de baixa renda, mas pode assim mesmo se filiar ao sistema especial, para poder pagar menor de previdência, ficando ciente, desde já, de que não poderá receber aposentadoria por tempo de contribuição!”.
Vamos sintetizar.
Cabe lembrar, ainda, uma questão muito importante: agora, tudo é aposentadoria “programada”, não havendo mais que se falar, após a EC 103, na dicotomia “aposentadoria por tempo de contribuição” e “aposentadoria por idade”. Isso porque, com a reforma previdenciária de 2019, incluiu-se no texto constitucional o requisito etário para as aposentadorias no regime geral, o que antes existia apenas para os regimes próprios.
Com efeito, as disposições presentes no art. 21, §§2º e 3º, da Lei n. 8.212/91 (Lei de Custeio), devem ser lidas de acordo com a nova sistemática constitucional. Na sistemática anterior, o sistema especial de inclusão previdenciária possibilitava que o pagamento de alíquotas menores – diferenciadas, portanto – implicaria exclusão da aposentadoria por tempo de contribuição, salvo se houvesse complementação dos recolhimentos na forma do §3º, do art. 21, da Lei de Custeio.
Veja:
Art. 21.
- 3o O segurado que tenha contribuído na forma do § 2odeste artigo e pretenda contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante recolhimento, sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário-de-contribuição em vigor na competência a ser complementada, da diferença entre o percentual pago e o de 20% (vinte por cento), acrescido dos juros moratórios de que trata o § 3o do art. 5o da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011) (Produção de efeito)
O segurado, caso não complementasse as alíquotas, poderia gozar da aposentadoria por idade, sempre no valor de um salário mínimo. Caso complementasse, poderia gozar de aposentadoria por tempo de contribuição e, dessa forma, não estaria sujeito ao valor de apenas um salário mínimo.
Na nova sistemática, o sistema especial de inclusão previdenciária implica, da mesma forma, o pagamento de aposentadoria no valor de um salário mínimo. Todavia, não há se falar mais na aplicação do §3º, do art. 21, da Lei de Custeio porque, como dito, não existe mais aposentadoria por tempo de contribuição.
E, se o segurado inicialmente abrangido pelo sistema especial de inclusão previdenciária quiser recolher, posteriormente, de modo a complementar as alíquotas então pagas de modo diferenciado?
Bom, penso que ao complementar ele estará liberado para o cálculo de seu salário de benefício, podendo, em tese, ter renda mensal inicial superior ao mínimo. Então, o §3º, do art. 21, da Lei n. 8.212/91, a partir da EC 103, deverá ser lido de modo a considerar a revogação da espécie “aposentadoria por tempo de contribuição” e considerar, em substituição, a possibilidade de que, em havendo recolhimento complementar, o segurado não ficará mais atrelado ao valor de um salário mínimo para sua aposentadoria e, com isso, ter o direito de cálculo do benefício (cálculo esse que, hoje, lembre-se, é feito na forma do art. 26, caput, da EC 103).
A interpretação das normas que podemos fazer no momento indica que vai ser dessa forma, mas essas questões ainda pendem de regulamentação legal ou infralegal. No momento, não há nada na Portaria 450 que aborde se ficará assim mesmo. No Decreto n. 3.048, entretanto, mesmo com as inovações dadas pelo Decreto 10.410, o regulamento ainda manteve a menção da expressão “aposentadoria por tempo de contribuição” no art. 199-A, §2º, quando fala da possibilidade de complementação dos recolhimentos àqueles que aderiram ao PSPS. Mas, em paralelo a isso, o Decreto n. 10.410 revogou o art. 25, “c”, substituindo a expressão “aposentadoria por tempo de contribuição” por “aposentadoria programada”. Ao que parece, portanto, o art. 199-A, do RPS, faz referência atualmente apenas às espécies de aposentadoria por tempo de contribuição que ainda remanescem em nosso ordenamento jurídico, quais sejam, aquelas previstas nas regras de transição da Emenda 103 e, bem assim, a aposentadoria por tempo de contribuição prevista na Lei Complementar n. 142 (uma das espécies possíveis de aposentadoria do segurado deficiente).
Quanto aos filiados ao PSPS após a EC 103, assim, não há normatização infralegal definida, mas, como disse acima, parece razoável entender que o recolhimento da complementação das alíquotas liberará o segurado da limitação ao salário mínimo e permitirá que a ele seja aplicado o art. 26, da EC 103.
Vamos fazer um fechamento do que vimos:
- existe um sistema especial de previdência social na Constituição Federal de 1988;
- sua previsão é feita pelo art. 201, §12, da CF;
- já existe desde a EC 41;
- foi alterado e ampliado pela EC 47;
- foi, novamente, alterado e ampliado pela EC 103;
- visa dar concretude ao princípio da universalidade da cobertura e do atendimento, princípio esse previsto no art. 194, parágrafo único, inciso I, da CF;
- nossa Constituição Federal relaciona o chamado PSPS – plano simplificado de previdência social apenas aos trabalhadores de baixa renda, ainda que informais, bem como àqueles que não possuem renda própria, desde que se dediquem ao trabalho doméstico no interior de suas residências e pertençam a famílias de baixa renda;
- a lei, contudo, ampliou a possibilidade de adesão ao PSPS, bastando que contribuintes individuais e segurados facultativos OPTEM por tal sistema especial de previdência;
- aos que optarem, contudo, não haverá possibilidade de pagamento de aposentadoria por tempo de contribuição.
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Vamos seguindo em frente! Espero ter ajudado. Estou à disposição (inclusive no meu perfil no instagram @prof.fred_martins).
Um grande abraço,
Frederico Martins.
Juiz Federal do TRF-1
Professor do Gran Cursos