Utensílio para plantação de maconha para consumo pessoal NÃO é crime, diz STJ!

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Olá pessoal, tudo certo?

Vamos falar sobre uma importantíssima decisão exarada pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no último dia 14 de setembro de 2021. À unanimidade, o colegiado deliberou não ser possível que determinada pessoa responda pela prática do crime do art. 34 da Lei n. 11.343/2006 quando a posse dos instrumentos configura ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente.

Sabemos que o art. 34 da Lei de Drogas[1] pune basicamente a posse de utensílios, maquinários e equipamentos destinados à fabricação de entorpecentes. Entretanto, o que fora debatido no caso concreto era se seria possível enquadrar no referido tipo alguém que possuísse tais instrumentos empregando-os na finalidade de cultivar plantas destinadas à produção de pequena quantidade de droga para uso pessoal.

Normalmente, os atos preparatórios não são puníveis no âmbito criminal. Essa regra, porém, comporta exceções. Isso ocorrerá quando o próprio legislador entender por tipificar autonomamente a conduta dos atos preparatórios. É justamente isso que ocorre com o art. 34 da Lei de Drogas. Esse tipo penal tem o objetivo de punir os atos preparatórios para o tráfico de drogas (descrito no artigo 33). Justamente por isso, o crime do artigo 34 é absorvido pelo do 33 quando as ações são praticadas no mesmo contexto. Naturalmente, quando se evidenciar de forma autônoma que os equipamentos se destinavam à produção de drogas para o tráfico, o réu poderá perfeitamente responder pelo crime do art. 34[2].

Feitas tais colocações, não obstante haver a autonomia potencial do mencionado delito, a questão é saber se seria possível que o agente responda pela prática do referido delito quando a posse dos instrumentos se configura como ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente?

No julgamento do RHC 135.617/PR, a 6ª Turma analisou essa problemática. De acordo com a Ministra Relatora, Laurita Vaz, apesar de o delito do artigo 34 da Lei 11.343/2006 possa subsistir de forma autônoma, não é possível que o agente responda por esse crime se a posse dos instrumentos constitui ato preparatório destinado ao consumo pessoal de entorpecente, e não ao tráfico. Segundo a decisão, o artigo 28 prevê tratamento mais brando para quem é usuário (advertência, prestação de serviços ou comparecimento a programa educativo), não se justificando punir com mais rigor as ações que antecedem o consumo pessoal. De acordo com a Ministra, “se a própria legislação reconhece o menor potencial ofensivo da conduta do usuário que adquire drogas diretamente no mercado espúrio de entorpecentes, não há como evadir-se à conclusão de que também se encontra em situação de baixa periculosidade o agente que sequer fomentou o tráfico, haja vista ter cultivado pessoalmente a própria planta destinada à extração do óleo, para seu exclusivo consumo”.

Considerando que, nos termos do §1º do art. 28 da Lei de Drogas[3], nas mesmas penas do caput incorre quem cultiva a planta destinada ao preparo de pequena quantidade de substância ou produto (óleo), seria um contrassenso jurídico que a posse de objetos destinados ao cultivo de planta psicotrópica, para uso pessoal, viesse a caracterizar um crime muito mais grave, equiparado a hediondo e punido com pena privativa de liberdade de três a dez anos de reclusão, além do pagamento de vultosa multa. A toda evidência, aquele que cultiva uma planta naturalmente faz uso de ferramentas típicas de plantio, tais como a maior parte dos itens apreendidos no caso (vasos, substrato de plantas, gotejador, lona, hastes de estufa, fibra de coco), razão pela qual se deve concluir que a posse de tais objetos está abrangida pela conduta típica prevista no aludido §1º do art. 28 da Lei n. 11.343/2006 e, portanto, não é capaz de configurar delito autônomo.

Ou seja, considerando que não há tipo penal específico para sancionar os atos preparatórios destinados à produção de droga para consumo pessoal, diferentemente do que ocorre da destinação para o tráfico (art. 34), e que os atos preparatórios, em regra, não são aptos a ensejar punição, não há falar em crime na hipótese em tela.

Precedente extremamente importante e, com a certeza de que eu estou vivo, ele cairá nas próximas provas! Vale lembrar que a Lei de Drogas é uma das mais relevantes e constantes em provas de concurso público de carreiras jurídicas, tanto da seara estadual, como também da federal.

 

Espero que tenham gostado e, sobretudo, compreendido!

Vamos em frente!

Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.

 

 

 

 

 

[1] Art. 34. Fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e pagamento de 1.200 (mil e duzentos) a 2.000 (dois mil) dias-multa.

 

[2] É possível que o “tráfico de maquinário) se consume de forma autônoma, circunstância na qual [d]eve ficar demonstrada a real lesividade dos objetos tidos como instrumentos destinados à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas, ou seja, relevante analisar se os objetos apreendidos são aptos a vulnerar o tipo penal em tela.” (AgRg no AREsp 303.213/SP, Rel. Ministro Marco Aurelio Bellizze, Quinta Turma, DJe 14/10/2013).

[3] Art. 28, § 1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.

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