A coisa julgada na ação civil pública e a competência territorial do juízo

STF decide suspender ações que envolvam a questão debatida no tema 1.075

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    O debate sobre a correta interpretação do art. 16 da Lei 7.347/85 e sobre a extensão de sua aplicabilidade existe há bastante tempo. Veja a previsão normativa:

“Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.”

   Uma interpretação literal parece apontar no sentido de que a coisa julgada apenas estaria adstrita aos limites da competência territorial do órgão julgador. No entanto, essa linha de raciocínio, parece, data venia, ser incompatível com a natureza dos direitos coletivos tutelados na ação civil pública e com a extensão dos danos causados.

    De fato, não faz sentido admitir a criação de uma via especial destinada a tutelar direitos metaindividuais e, ao mesmo tempo, restringir a coisa julgada à área geográfica em que o juiz exerce a jurisdição.

    Dessa forma, revela-se comum verificar que os Tribunais vêm afastando essa limitação territorial da coisa julgada. No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, a Subseção I de Dissídios Individuais do TST consolidou entendimento:

“AGRAVO. EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA. EXTENSÃO. A despeito da restrição imposta ao alcance da coisa julgada, em sede de ação civil pública, inexiste razão que aconselhe a restrição aos limites da competência territorial do órgão prolator da decisão. Isso, porque a imutabilidade do julgado, para efeito de seus limites subjetivos, não exerce influência sobre a competência territorial, instituto de larga distinção, até porque, do contrário, estar-se-ia repelindo o propósito da ação coletiva, consubstanciado quer na ampliação do acesso ao Poder Judiciário, quer na redução de demandas individuais, aspectos que enaltecem a própria natureza dos direitos difusos e coletivos (uma “bill of peace”, como já previa o antigo direito inglês). A toda evidência, a eficácia da coisa julgada, em ação civil pública, desborda dos limites territoriais adstritos à autoridade prolatora da decisão, especialmente diante do conceito de unidade da jurisdição, cujo conteúdo legitima a prestação jurisdicional. Nesse cenário, os limites territoriais, em sede de ação coletiva, ultrapassam a restrição disciplinada no art. 16 da Lei nº 7.347/85, para, sob o enfoque do princípio da proteção à coletividade, conquistar o território nacional. Precedentes da SBDI-1 do TST. Óbice do art. 894, § 2º, da CLT. Agravo conhecido e desprovido” (Ag-E-ED-ARR-254400-33.2004.5.02.0042, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 02/03/2018).

    O Superior Tribunal de Justiça, por seu turno, ao decidir sobre o foro competente para a liquidação individual de sentença proferida em ação civil pública, definiu a seguinte tese no Tema Repetitivo 480:

“A liquidação e a execução individual de sentença genérica proferida em ação civil coletiva pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo (arts. 468, 472 e 474, CPC e 93 e 103, CDC).”

      Como se nota, a Corte Especial também reconheceu que os efeitos da sentença não estão limitados aos lindes geográficos.

    No entanto, a matéria ainda não foi completamente pacificada, uma vez que tramita no Supremo Tribunal Federal o Tema de Repercussão Geral 1.075, cujo debate refere-se à “constitucionalidade do art. 16 da Lei 7.347/1985, segundo o qual a sentença na ação civil pública fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator”.

     Ainda não houve julgamento meritório, mas houve determinação, pelo Ministro relator, em abril de 2020, de suspensão de todas as demandas no território nacional que tratem da questão, com base no art. 1035, § 5º, do CPC:

“Art. 1.035 (…)
§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.”

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