No Processo do Trabalho, havendo uma condenação em pecúnia do empregador ou do tomador de serviço, eventual recurso interposto por eles depende da realização de depósito recursal, o qual é feito em conta judicial vinculada ao juízo, na forma do art. 899, § 4º, da CLT:
“Art. 899 (…)
§ 4º O depósito recursal será feito em conta vinculada ao juízo e corrigido com os mesmos índices da poupança.”
Esses valores depositados possuem natureza de garantia, ainda que muitas vezes parcial de futura execução, ou seja, seus valores serão convertidos em penhora por ocasião da execução trabalhista. Assim, ultrapassada a fase de embargos do devedor e não havendo qualquer nulidade, o magistrado libera os valores ao exequente, bem como os utiliza para quitar tributos e despesas processuais.
Ocorre que, no curso do processo de conhecimento trabalhista, é comum verificar que empresas entram em recuperação judicial e solicitam que os valores que se encontram à disposição do juízo trabalhista sejam liberados para fins de utilização no plano de recuperação.
Nesse ponto, existe uma corrente que defende que, uma vez que os valores não estão mais na disponibilidade da empresa, não poderia ela exigir seu uso no plano de recuperação, razão pela qual esse pedido deveria ser indeferido.
Por outro lado, existe uma segunda corrente que defende que a impossibilidade de expropriação de bens da empresa recuperanda pelo juízo trabalhista não se limita aos bens encontrados depois do processamento da recuperação. Na verdade, todos os bens ainda de propriedade da empresa poderiam ser utilizados no plano de recuperação. E os valores dos depósitos ainda pertencem à empresa. Logo, caberia ao juízo trabalhista seguir a destinação fixada pelo juízo da recuperação, inclusive remetendo os valores para a Justiça Comum, se fosse o caso.
Vale ressaltar que, diante de uma eventual resistência pelo juízo trabalhista, muitas vezes se constata a provocação de um conflito positivo de competência entre o juízo trabalhista e o juízo da recuperação judicial. Nesses casos, a competência para decidir a questão pertence ao Superior Tribunal de Justiça, por força do art. 105, I, “d”, da Constituição Federal:
“Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
I – processar e julgar, originariamente:
d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos;”
Esta Corte Superior entende que o destino dos valores se insere na alçada no juízo da recuperação judicial. Observe esses recentes julgados:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO TRABALHISTA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO RECUPERACIONAL PARA A PRÁTICA DE ATOS EXECUTÓRIOS OU CONSTRITIVOS. 1. Nos termos da jurisprudência consolidada desta Corte, é competente o juízo universal para a prática de atos de execução que incidam sobre o patrimônio de sociedade em processo falimentar ou de recuperação judicial, incluindo-se a deliberação acerca da destinação dos valores atinentes aos depósitos recursais feitos em reclamações trabalhistas, ainda que efetivados anteriormente à decretação da falência ou ao deferimento da recuperação. (…) (AgInt nos EDcl no CC 174.322/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/06/2021, DJe 14/06/2021)”
“AGRAVO INTERNO NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA. LIMINAR DEFERIDA. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO TRABALHISTA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. JUSTIÇA LABORAL. DEPÓSITO RECURSAL REALIZADO ANTES DO DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO. RETENÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO UNIVERSAL. ART. 76 DA LEI N. 11.101/2005. 1. Os atos de execução dos créditos individuais e fiscais promovidos contra empresas falidas ou em recuperação judicial, tanto sob a égide do Decreto-Lei n. 7.661/45 quanto da Lei n. 11.101/2005, devem ser realizados pelo Juízo universal. Inteligência do art. 76 da Lei n. 11.101/2005. Precedentes. 2. A decretação da falência carreia ao juízo universal da falência a competência para distribuir o patrimônio da massa falida aos credores conforme as regras concursais da lei falimentar, inclusive, decidir acerca do destino dos depósitos recursais feitos no curso da reclamação trabalhista, ainda que anteriores à decretação da falência (CC 101.477/SP, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/12/2009, DJe 12/05/2010). 3. É da competência do juízo da recuperação a execução de créditos líquidos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive a destinação dos depósitos recursais feitos no âmbito do processo do trabalho (CC 162.769/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/06/2020, DJe 30/06/2020). 4. Agravo interno não provido. (AgInt no CC 172.707/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 29/09/2020, DJe 02/10/2020)”
Quanto ao Tribunal Superior do Trabalho, a posição prevalecente (mas não unânime) caminha no mesmo sentido. Muitas vezes, a empresa recuperanda, diante do indeferimento do juiz trabalhista, impetra mandado de segurança no Tribunal Regional. Dessa decisão cabe recurso para a Corte Superior. Leia os seguintes julgados:
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. EMPRESA EXECUTADA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LIBERAÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS AO EXEQUENTE. CABIMENTO. INVIABILIDADE DO LEVANTAMENTO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO. 1. Mandado de segurança impetrado contra ato judicial que ordenou a liberação do valor do depósito recursal ao exequente nos autos originários, a despeito do deferimento do plano de recuperação judicial em prol da executada. (…) 3. Por expressa disposição legal (arts. 6º, § 2º, e 115 da Lei 11.101/2005), e em conformidade com a jurisprudência do STJ e do TST, todos os créditos anteriores à decretação da recuperação judicial ou da falência estão submetidos ao procedimento especial de pagamento, após regular inscrição no quadro geral de credores, observadas as preferências e demais critérios legais, não podendo ser admitida, sob pena de afronta à lei, a liberação de depósitos recursais à parte exequente, ainda que tais depósitos tenham sido efetuados em momento anterior ao deferimento judicial da recuperação. Julgados da SBDI-2 do TST. Recurso ordinário conhecido e provido” (ROT-6613-33.2019.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 26/02/2021).
“RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DECLARADA POSTERIORMENTE. LIBERAÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS AO EXEQUENTE. CABIMENTO DO MANDAMUS . INVIABILIDADE. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FALIMENTAR QUANTO À DESTINAÇÃO DOS DEPÓSITOS. A ação mandamental é medida excepcional com o objetivo de resguardar direito líquido e certo não amparado por outo meio processual (artigo 5º, II, da Lei nº 12.016/2009 e Orientação Jurisprudencial nº 92 da SBDI-2 desta Corte). No caso, cabe a aplicação do recentíssimo posicionamento desta SBDI-2/TST no sentido de mitigar o rigor da Orientação Jurisprudencial nº 92 da SBDI-2 desta Corte, uma vez que verificada a possível ilegalidade no ato coator, bem como a contrariedade à jurisprudência desta Corte. O ato tido por coator consiste na autorização do Juízo de origem, em fase de execução, para que a parte exequente proceda ao levantamento dos valores referentes aos depósitos recursais nesta Justiça Especializada, mesmo que tenha sido deferido o pedido de recuperação judicial . Em se tratando de empresa em recuperação judicial, deve a questão ser analisada à luz do art. 6°, caput, §§ 3° e 4° da Lei 11.101/2005. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que compete ao juízo universal a prática de todos os atos de execução relativos a reclamações trabalhistas contra empresa que tenha sua recuperação judicial decretada. Tal entendimento deve ser estendido à situação do depósito recursal, mesmo que tenha ocorrido em momento anterior à declaração de recuperação judicial. Precedentes específicos desta SBDI-2. Ressalva de entendimento da relatora. Recurso ordinário conhecido e provido” (RO-5659-84.2019.5.15.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 18/12/2020).