No âmbito do Direito Civil, considerando a presunção relativa de igualdade entre os contratantes, o legislador rechaça a eventual pretensão de cobrar uma dívida já paga pelo devedor, impondo uma indenização equivalente ao dobro do valor demandado, conforme art. 940 do Código Civil:
“Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.”
Diante dessa previsão, no âmbito trabalhista, é comum verificar pedidos de empregadores ou outros tomadores de serviços no sentido de que o trabalhador deve ser condenado no pagamento em dobro em virtude de demandar parcelas trabalhistas supostamente indevidas. O fundamento desse tipo de requerimento muitas vezes se alicerça no preceito transcrito e no art. 8º, § 1º, da CLT:
“Art. 8º (…)
§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.”
No entanto, essa pretensão não prospera por diversos motivos. Em primeiro lugar, o Código Civil parte de uma premissa de que existe a cobrança de uma dívida já paga, o que não ocorre na maioria das demandas trabalhistas, visto que, nessas ações, normalmente se pretendem parcelas que não foram quitadas.
Além disso, existe clara incompatibilidade entre o Direito do Trabalho, que, como regra, envolve uma assimetria de partes na relação jurídica, afastando a premissa na qual se baseia a norma civilista.
Por fim, o princípio da proteção ao hipossuficiente afasta a aplicação dessa regra do Direito Comum.
Para consolidar o exposto sobre o tema, veja julgados do Tribunal Superior do Trabalho nesse sentido:
“(…) 8. RECOLHIMENTO À DESTEMPO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS EM PREJUÍZO DA APOSENTADORIA DO TRABALHADOR. PAGAMENTO EM DOBRO. ART. 940 DO CC. A jurisprudência desta Corte Superior tem recursado a aplicação do art. 940 do CC no âmbito das relações empregatícias. Ademais, conforme destacado na decisão recorrida o art. 940 do CC refere-se a quem demandar por dívida já paga, não sendo este o caso em tela. (…)” (AIRR-10023-85.2015.5.03.0061, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 18/08/2017).
“(…) COBRANÇA DE DÍVIDA JÁ PAGA. PENALIDADE PREVISTA NO ARTIGO 940 DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE AO PROCESSO DO TRABALHO. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO AO TRABALHADOR. E sta Corte superior firmou o entendimento de que o artigo940 do Código Civil, que prevê a condenação daquele que demanda por dívida já paga ao pagamento de indenização em valor correspondente ao dobro da importância exigida, é inaplicável ao Direito do Trabalho, porque incompatível com o princípio da proteção ao trabalhador hipossuficiente. A norma do artigo940 do Código Civil é destinada a partes litigantes em igualdade de condições, o que nem sempre acontece na esfera trabalhista. A eventual condenação ao pagamento da indenização, em favor do empregador, por cobrança de parcela trabalhista já paga, vulneraria a proteção que o Direito do Trabalho confere ao hipossuficiente, tentando corrigir, no plano jurídico, o desequilíbrio econômico e social entre as partes na relação do contrato de trabalho. Dessa forma, o Regional, ao entender pela inaplicabilidade do artigo 940 do Código Civil ao Processo do Trabalho, decidiu em consonância com a jurisprudência notória, atual e reiterada do Tribunal Superior do Trabalho (precedentes). Agravo de instrumento desprovido. (…)” (AIRR-12276-39.2015.5.15.0117, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 20/10/2017).