A Lei n. 12.984/2014, que define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana e doentes de AIDS, e o edital para o cargo de Juiz de Direito do Juízo Militar do Estado de Minas Gerais

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Analisando o edital para o cargo de juiz de Direito do Juízo Militar a cargo do Tribunal de Justiça Militar do Estado de Minas Gerais, tem-se na matéria Direito Penal Militar, do Bloco I, os crimes impropriamente militares e disposições penais de algumas leis (item 8), entre as quais, a Lei n. 12.984/2014, que define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana e doentes de AIDS, exigindo uma estratégia de estudo do candidato.

Inaugure-se que todos os crimes comuns trasladados para o Direito Penal Militar, forte na nova redação do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, trazida pela Lei n. 13.491/2017, previstos no Código Penal ou na legislação penal extravagante, são impropriamente militares, e isso pelas duas principais teorias mais discutidas –  recomenda-se a leitura do artigo precedente publicado neste mesmo veículo –, pois estão fora do Código Penal Militar, portanto podem ser cometidos por não militares (teoria clássica) e estão compreendidos pelo inciso II (teoria adotada pelos autores de Direito Penal comum).

Em sequência, lembremo-nos de que a Lei n. 13.491/2017 permitiu que os crimes previstos na lei penal comum, o que inclui a Lei n. 12.984/2014, passaram a poder ser adjetivados como crimes militares, desde que praticados nas condições – ao menos em uma delas – das alíneas do inciso II do art. 9º do Código Penal Militar, o que denominamos crimes militares extravagantes, embora possam conhecer outras designações.

Pois bem, conhecido o contexto, deve-se verificar o que diz especificamente a Lei em foco, o que se fará, inicialmente, pela transcrição literal:

Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:

I – recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado;

II – negar emprego ou trabalho;

III – exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;

IV – segregar no ambiente de trabalho ou escolar;

V – divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;

VI – recusar ou retardar atendimento de saúde.

Ingressando nos elementos do delito, a objetividade jurídica é a dignidade do portador do vírus e do doente, com viés específico de sua honra, imagem, subsistência pelo trabalho.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive, claro, o militar do Estado, o que atrai o interesse para o concurso para juiz de Direito do Juízo Militar, quando poderá o juiz da Justiça Militar do Estado de Minas Gerais um caso sob sua apreciação envolvendo o crime desta Lei.

O sujeito passivo será o portador do vírus HIV, ainda que sem manifestação da doença correlata, e o doente da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. Em se admitindo o crime militar, de maneira adicional em algumas situações (como recusar atendimento a um militar da ativa soropositivo em hospital militar), o Estado também poderá figurar como sujeito passivo mediato, aviltado diante da agressão da ordem administrativa militar da Instituição.

Ingressando nos elementos objetivos, o portador de HIV deve ser compreendido como aquele que está contaminado com o HIV, sigla que significa human immunodeficiency virus. Trata-se do “vírus que ataca o sistema imunológico e deixa o organismo sem defesa contra outras infecções, provocando a imunodeficiência humana. O principal alvo do vírus HIV é o linfócito T-CD4+, que é um dos tipos de célula de defesa produzida pela glândula timo. Essa célula é responsável por organizar e comandar a resposta do sistema imunológico, pois consegue memorizar os tipos de micro-organismos que já infectaram o corpo e, assim, pode reconhecê-los e destruí-los”[1]. Assim, neste ponto, o tipo se refere àquele que é soropositivo, mas que não desenvolveu a doença.

Doente de Aids, por seu turno, é aquele em que a doença resultante da contaminação pelo HIV está manifestada. Quando “infecta uma pessoa, o vírus HIV se liga a um componente da membrana que reveste o linfócito T-CD4+ e o invade para se multiplicar. Ele altera o DNA do linfócito para que crie cópias do vírus. Depois que se multiplica, rompe e destrói o linfócito se ligando a outros para continuar sua multiplicação. Conforme a infecção pelo HIV avança, o sistema imunológico vai enfraquecendo até não conseguir mais combater outros agentes infecciosos. Na medida em que se multiplica e destrói os linfócitos T-CD4+, o vírus HIV vai incapacitando o sistema imunológico da pessoa, permitindo que ela desenvolva outras doenças, que são chamadas de oportunistas. Quando isso acontece é que a pessoa desenvolve a aids. Ou seja, a diferença entre HIV e aids, é que HIV é o vírus que pode provocar a aids (Acquired Immune Deficiency Syndrome, em português, síndrome da deficiência imunológica adquirida)” [2].

As condutas do autor do crime se dão em razão de sua (do doente ou portador do vírus) condição, ou seja, as condutas incriminadas têm por motivação a discriminação em razão da condição do sujeito passivo.

Ingressando nas condutas tipificadas, o inciso I considera crime o ato de recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, que significa negar, protelar ou separar a inscrição do sujeito passivo, que deve ser aluno em creche ou em estabelecimento de ensino de qualquer grau (fundamental, médio ou superior) ou curso (regular, livre etc.).

O inciso II incrimina a conduta de negar emprego ou trabalho, importando em não aceitar o sujeito passivo em uma ocupação de trabalho permanente ou temporário.

Exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego é conduta subsumida pelo inciso III, que significa dispensar o sujeito passivo da atividade laboral que desempenhava, rescindindo, por exemplo, o contrato de trabalho.

Também é crime, pelo inciso IV, segregar no ambiente de trabalho ou escolar, ou seja, colocar o sujeito passivo em local destacado, distinto, como forma de evitar o contato com outras pessoas; separá-lo dos demais.

O inciso V incrimina a conduta de divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade, ou seja, tornar de conhecimento amplo, circular a notícia de que determinada pessoa é soropositiva ou doente de AIDS, com a finalidade (elemento subjetivo especial do tipo) de conspurcar sua dignidade, notadamente, pela imagem, pela honra etc.

Por fim, também é crime, pelo inciso VI, recusar ou retardar atendimento de saúde, que significa não aceitar o sujeito passivo em ambiente de tratamento ou postergar seu atendimento.

A pena cominada é de reclusão de 1 a 4 anos, e multa, o que nos chama a discussão, se aceito o crime militar extravagante, claro, da aplicação da pena de multa na Justiça Militar, diante da inexistência dessa espécie no art. 55 e seguintes do Código Penal Militar.

Para tornear essa questão, deve-se lembrar que, à luz do princípio da legalidade, o tipo penal – para além da discussão de elementos objetivos, subjetivos e normativos – é composto por preceito primário e secundário. No primeiro, há a descrição típica da conduta incriminada; no segundo, o parâmetro para o apenamento.

Ambos compõem o tipo de um delito, que deve ser observado sob o risco, no caso do preceito secundário, de o juiz não obedecer o primado da legalidade, aplicando ao caso concreto pena inexistente na previsão típica ou deixando de aplicar pena que necessariamente deve ser imposta naquela situação típica, exacerbando em sua atuação vez que inovará o conteúdo normativo, possibilidade que, em regra, é dada apenas ao legislador.

Também a discussão chama o resgate do princípio da culpabilidade como elemento de determinação ou medida de pena, vez que, parafraseando Bintencourt (2002, p. 275), não se pode admitir aplicação de pena além ou aquém da previsão legal, no preceito secundário.

Em outros termos, se o tipo penal trazido para o Direito Castrense (crime militar extravagante) previr pena de multa, como de imposição obrigatória, deverá o Juiz ou o Conselho de Justiça impor essa sanção penal, valendo-se dos critérios existentes na Parte Geral do CP (arts. 49 e seguintes), em exceção à regra de aplicação da Parte Geral do CPM, mesmo porque ele é omisso sobre o tema.

No que concerne ao elemento subjetivo, o crime é praticado apenas a título de dolo, motivado pela discriminação em relação à condição do sujeito passivo. No caso do inciso V, há o direcionamento específico (elemento subjetivo especial do tipo) de ofender a dignidade da pessoa soropositiva ou doente.

O crime se consuma com a prática das condutas enumeradas, que podem ser omissivas (ex.: negar) ou comissivas (ex.: divulgar). A tentativa é possível, exceto nas condutas omissivas.

Finalizando a análise, tomemos um exemplo em que será possível o crime militar. Embora não seja comum, algumas condutas podem ser assimiladas pelo Direito Penal Militar, como o caso de militar da ativa que divulgue a condição de portador do HIV de outro militar da ativa, com o fim de ofender-lhe a dignidade, podendo encontrar subsunção na alínea “a” do inciso II do art. 9º do CPM.

[1] https://www.pfizer.com.br/noticias/ultimas-noticias/qual-diferenca-entre-hiv-e-aids. Acesso em 05. ago. 2022.

[2] https://www.pfizer.com.br/noticias/ultimas-noticias/qual-diferenca-entre-hiv-e-aids. Acesso em 05. ago. 2022.

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