A OJ n.º 92 da SBDI-2 do TST estatui que “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido“. Contudo, a própria SBDI-2 vem mitigando a aplicação da referida e admitindo a impetração de MS para atacar decisão interlocutória nos casos em que há criação de embaraços não previstos em lei capazes de inviabilizar o livre exercício do direito constitucional de ação, como na hipótese em que, a despeito de o impetrante ter formulado, na petição inicial da reclamação trabalhista, pedidos certos e determinados, indicando, inclusive, valores que se entendiam devidos, o magistrado determinou a emenda da inicial, exigindo uma liquidação pormenorizada das verbas referentes a cada pedido.
O mandado de segurança é ação autônoma de impugnação – sucedâneo recursal externo – prevista no art. 5º, LXIX, da CR/88, com as disposições da Lei nº 12.016/2009, que objetiva proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. A concessão da segurança está condicionada à demonstração de ato ilegal ou abusivo da autoridade coatora e do direito líquido e certo do impetrante.
Mas, o que se entende por direito líquido e certo? Direito líquido é aquele sobre cujo conteúdo não há dúvida e cuja existência é clara; e direito certo, é aquele que não está condicionado a nenhuma circunstância, podendo ser plenamente exercido no momento da impetração do mandado. Nesse sentido, leciona Helly Lopes Meirelles:
Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercido no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há se vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais.
A melhor análise do tema demanda o conhecimento das hipóteses de cabimento do mandado de segurança, notadamente à luz da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho. A matéria é recorrente na SBDI-2 do TST. De acordo com o artigo 5º, inciso II, da Lei nº 12.016/09 – Lei do Mandado de Segurança –, não se concederá mandado de segurança contra decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo.
A interpretação literal do dispositivo leva a crer que será cabível mandado de segurança contra as decisões irrecorríveis e contra as decisões passíveis de recurso sem efeito suspensivo. No entanto, lembra Daniel Amorim Assumpção Neves que é pacífico o entendimento de que mesmo decisões passíveis de recurso sem efeito suspensivo não podem ser impugnadas por meio do mandado de segurança. Isso porque nem todo recurso tem efeito suspensivo previsto em lei (ope legis), mas, em todos eles, é possível a sua obtenção no caso concreto (efeito suspensivo ope iudicis ou impróprio) .
Portanto, prevalece o entendimento de que, regra geral, não cabe mandado de segurança se a decisão for recorrível, independentemente dos efeitos do recurso. Nessa lógica, só cabe mandado de segurança contra decisões irrecorríveis.
Como dito, o TST entende que “não cabe mandado de segurança contra decisão judicial passível de reforma mediante recurso próprio, ainda que com efeito diferido” (OJ-SDI2-92). Contudo, é preciso registrar que o próprio TST já flexibilizou o teor da sobredita orientação jurisprudencial, para admitir o mandado de segurança em casos excepcionais, como em decisões teratológicas nas quais, embora cabível o recurso, se verificar o risco de lesão irreparável à parte ou que a via processual disponível não é suficiente para evitar o dano.
Portanto, atualmente, a situação do cabimento de mandado de segurança contra ato judicial pode ser assim sintetizada e esquematizada, já levando em conta o posicionamento do TST:
- Decisão impugnável mediante recurso com efeito suspensivo: não cabe MS, pela literalidade do art. 5º, inciso II, da Lei nº 12.016/09;
- Decisão impugnável mediante recurso sem efeito suspensivo: pela literalidade da Lei é cabível, no entanto, doutrina e jurisprudência majoritária (OJ-SDI2-92) não admitem o cabimento do MS;
- Decisão transitada em julgado: não cabe MS, nos termos do art. 5º, inciso III, da Lei nº 12.016/09;
- Decisões irrecorríveis: cabível o MS;
- Decisões que, embora sejam recorríveis, causem risco de lesão irreparável à parte ou que a via processual disponível não é suficiente para evitar o dano (TST-ReeNec-26800-89.2009.5.23.0000, Rel. Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 14/04/2015, SbDI-2, Data de Publicação: DEJT 17/04/2015).
- Decisões teratológicas ou absurdas: cabível o MS.
Em recente caso concreto, o reclamante formulou na petição inicial da reclamação trabalhista, pedidos certos e determinados, indicando, inclusive, valores que se entendiam devidos. Contudo, o magistrado determinou a emenda da inicial, exigindo uma liquidação pormenorizada das verbas referentes a cada pedido. O TST entendeu que tal exigência é medida que, além de extrapolar o comando previsto no artigo 840, § 1º, da CLT, impõe restrição indevida de acesso ao Judiciário, visto que, por vezes, seria necessária a contratação de profissional contabilista pelo reclamante – em muitos casos, beneficiário da justiça gratuita – para apresentação de cálculos de maior complexidade. Ademais, não há previsão legal que exija prova contábil pré-constituída para o ajuizamento de reclamação trabalhista.
Sob esses fundamentos, a SBDI-II, por unanimidade, conheceu do Recurso Ordinário e, no mérito, por maioria, vencido o Ministro Evandro Pereira Valadão Lopes, deu-lhe provimento para conceder a segurança e, assim, cassar a decisão proferida na reclamação trabalhista por meio da qual se exigiu a liquidação de “cada uma das verbas apontadas nos pedidos, de forma pormenorizada, incluindo os reflexos de cada rubrica”. (ROT-101623-94.2019.5.01.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 12/11/2021).