A questão da responsabilidade subsidiária da Administração Pública em casos de terceirização lícita passou por diversas alterações em termos jurisprudenciais.
O Tribunal Superior do Trabalho já reconhecia a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços na terceirização, ainda que se tratasse de Administração Pública. No entanto, os entes públicos e as entidades integrantes da Administração Indireta permaneceram defendendo a incidência do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 para afastar qualquer responsabilidade:
“Art. 71. (…)
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.”
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, reconheceu a constitucionalidade do preceito mencionado, na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16:
“RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995”. (ADC 16, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, PUBLIC 09-09-2011)
Como se nota, diferentemente do que pretendiam os entes públicos e as entidades da Administração Indireta, não se reconheceu uma isenção ou imunidade à Administração, mas apenas a impossibilidade de reconhecimento de responsabilidade automática da Administração Pública pelo mero inadimplemento por parte da empresa contratada em relação ao empregado terceirizado.
Nesse contexto, considerando que a condição de tomador de serviços da Administração Pública não era bastante para se admitir a responsabilidade, passou-se a exigir a prova de culpa da Administração Pública, conforme expresso na Súmula 331, IV e V, do TST:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
O STF confirmou a lógica da ausência de responsabilização automática pelo mero inadimplemento contratual ao definir a tese do Tema 246 da Lista de Repercussão Geral:
“O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93.”
Admitida a existência da responsabilidade subsidiária da Administração Pública na terceirização lícita nos casos em que exista culpa da Administração Pública, surgiu o debate sobre a distribuição do ônus da prova. Caberia ao reclamante trabalhador terceirizado fazer a prova da culpa da Administração? Precisaria provar ao menos a ausência de fiscalização administrativa ou deficiência dessa? Ou seria encargo probatório da Administração Pública mostrar que fiscalizou corretamente o cumprimento as obrigações trabalhistas pela empresa contratada?
Como o STF não definiu nenhuma tese expressa sobre o ônus da prova, o Tribunal Superior do Trabalho, na SDI-I, decidiu a questão, considerando que o encargo de demonstrar a adequada fiscalização é da Administração Pública, mormente quando se considera princípio da aptidão para a prova.
Nesse contexto, as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho passaram a adotar o referido entendimento, conforme se pode notar dos seguintes julgados:
“(…) II – RECURSO DE REVISTA – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – TERCEIRIZAÇÃO – SÚMULA Nº 331, ITEM V, DO TST – CULPA DA ADMINISTRAÇÃO – ÔNUS DA PROVA 1. A C. SBDI-1, no julgamento dos TST-E-RR-925-07.2016.5.05.0281, e em atenção ao decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal (tema nº 246 da repercussão geral), firmou a tese de que, ‘com base no Princípio da Aptidão da Prova, é do ente público o encargo de demonstrar que atendeu às exigências legais de acompanhamento do cumprimento das obrigações trabalhistas pela prestadora de serviços’. 2. O E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Tema nº 246 de Repercussão Geral, não fixou tese sobre a distribuição do ônus da prova pertinente à fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas, matéria de natureza infraconstitucional. 3. Na hipótese, a Corte de origem reputou concretamente caracterizada a conduta culposa do ente público, que não logrou demonstrar a efetiva fiscalização do cumprimento das obrigações trabalhistas da prestadora de serviços, encargo que lhe competia, razão por que deve ser mantida a condenação subsidiária imposta ao Recorrente. Entendimento diverso encontra óbice na Súmula nº 126 do TST. Recurso de Revista não conhecido” (RR-204100-83.2009.5.10.0005, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 10/02/2020).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . TERCEIRIZAÇÃO TRABALHISTA. ENTIDADES ESTATAIS. ENTENDIMENTO FIXADO PELO STF NA ADC Nº 16-DF. SÚMULA 331, V, DO TST. ART. 71, § 1º, DA LEI 8.666/93. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. JURISPRUDÊNCIA VINCULANTE DO STF. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE CONDUTA CULPOSA NO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DA LEI 8.666/93, DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA NO TOCANTE À AUSÊNCIA DE FISCALIZAÇÃO. ENCARGO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, SEGUNDO INTERPRETAÇÃO DA SBDI-1/TST À JURISPRUDÊNCIA DO STF, A PARTIR DA DECISÃO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROFERIDA NOS AUTOS DO RE-760.931/DF. Em observância ao entendimento fixado pelo STF na ADC nº 16-DF, passou a prevalecer a tese de que a responsabilidade subsidiária dos entes integrantes da Administração Pública direta e indireta não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada, mas apenas quando explicitada no acórdão regional a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei 8.666, de 21.6.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. E o STF, ao julgar, com repercussão geral reconhecida, o RE – 760.931/DF, confirmou a tese já explicitada na anterior ADC nº 16-DF, no sentido de que a responsabilidade da Administração Pública não pode ser automática, cabendo a sua condenação apenas se houver prova inequívoca de sua conduta omissiva ou comissiva na fiscalização dos contratos. Provocado o STF, em sede de embargos de declaração, sobre o alcance da decisão proferida nos autos do RE-760.931/DF, sobretudo quanto ao ônus de prova da fiscalização do adimplemento das obrigações contratuais trabalhistas no curso do pacto celebrado entre o ente privado e a Administração Pública, o recurso foi desprovido. Em face dessa decisão, em que o Supremo Tribunal Federal não delimitou – como foi questionado nos embargos de declaração – a matéria atinente ao ônus da prova da fiscalização do contrato, compreendeu a SBDI-1 do TST, em julgamento realizado em 12.12.2019, nos autos dos Embargos E-RR-925-07.2016.5.05.0281, de relatoria do Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, que a deliberação acerca da matéria, dado o seu caráter eminentemente infraconstitucional, compete à Justiça do Trabalho. E, manifestando-se expressamente sobre o encargo probatório, fixou a tese de que é do Poder Público, tomador dos serviços, o ônus de demonstrar que fiscalizou de forma adequada o contrato de prestação de serviços, suplantando, assim, o entendimento de que seria do empregado tal encargo processual. Ressalte-se que, ainda que não se considere presumida a culpa (não incide, nesses casos, a culpa presumida, segundo o STF), tem o tomador de serviços estatal o ônus processual de comprovar seus plenos zelo e exação quanto ao adimplemento de seu dever fiscalizatório (art. 818, II e § 1º, CLT; art. 373, II, CPC/2015). Por essas razões, se a entidade pública não demonstra a realização do efetivo controle sobre o contrato, deve ser responsabilizada subsidiariamente pela satisfação das obrigações trabalhistas inadimplidas pela empregadora. É preciso – reitere-se – deixar claro que, se a entidade estatal fizer prova razoável e consistente, nos autos, de que exerceu, adequadamente, o seu dever fiscalizatório, não pode ocorrer a sua responsabilização, pois isso configuraria desrespeito à jurisprudência vinculante do Supremo Tribunal Federal. Consequentemente, no caso concreto , em face de a decisão do TRT estar em consonância com o novo posicionamento desta Corte sobre a matéria, mantém-se o acórdão regional. Agravo de instrumento desprovido” (AIRR-16236-51.2016.5.16.0016, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 07/02/2020).