O inquérito civil configura procedimento facultativo de natureza administrativa destinado a permitir o conhecimento mais aprofundado de circunstâncias de um caso concreto, permitindo uma melhor formação de convicção de membro do Ministério Público acerca de suposta existência de ilícitos que demandem sua atuação.
Revela-se instrumento essencial e previsto constitucionalmente, conforme o art. 129, III, da Constituição Federal:
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”
No âmbito infraconstitucional, existem diversas previsões, tais como o art. 8º, § 1º, da Lei 7.347/85, o art. 25, IV, da Lei 8.625/93 e o art. 84, II, LC 75/93:
Lei 7.347/85
§ 1º O Ministério Público poderá instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar, o qual não poderá ser inferior a 10 (dez) dias úteis.”
Lei 8.625/93
“Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público: IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;”
LC75/93
“Art. 84. Incumbe ao Ministério Público do Trabalho, no âmbito das suas atribuições, exercer as funções institucionais previstas nos Capítulos I, II, III e IV do Título I, especialmente: II – instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos, sempre que cabíveis, para assegurar a observância dos direitos sociais dos trabalhadores;”
No curso do inquérito, revela-se natural a obtenção de inúmeras provas sobre os fatos examinados, derivadas de requisições do Procurador, inspeções, diligências, apresentações voluntárias de documentação por envolvidos ou terceiros, colheita de depoimentos etc. Veja algumas disposições que asseguram essa prerrogativa aos membros do Ministério Público:
LC 75/93
Art. 8º Para o exercício de suas atribuições, o Ministério Público da União poderá, nos procedimentos de sua competência:
I – notificar testemunhas e requisitar sua condução coercitiva, no caso de ausência injustificada;
II – requisitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades da Administração Pública direta ou indireta;
III – requisitar da Administração Pública serviços temporários de seus servidores e meios materiais necessários para a realização de atividades específicas;
IV – requisitar informações e documentos a entidades privadas;
V – realizar inspeções e diligências investigatórias;
VI – ter livre acesso a qualquer local público ou privado, respeitadas as normas constitucionais pertinentes à inviolabilidade do domicílio;
VII – expedir notificações e intimações necessárias aos procedimentos e inquéritos que instaurar;
VIII – ter acesso incondicional a qualquer banco de dados de caráter público ou relativo a serviço de relevância pública;
Lei 8.625/93
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I – instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
a) expedir notificações para colher depoimento ou esclarecimentos e, em caso de não comparecimento injustificado, requisitar condução coercitiva, inclusive pela Polícia Civil ou Militar, ressalvadas as prerrogativas previstas em lei;
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
c) promover inspeções e diligências investigatórias junto às autoridades, órgãos e entidades a que se refere a alínea anterior;
II – requisitar informações e documentos a entidades privadas, para instruir procedimentos ou processo em que oficie;
III – requisitar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível;
(…)
Lei 7.347/85
Art. 8º Para instruir a inicial, o interessado poderá requerer às autoridades competentes as certidões e informações que julgar necessárias, a serem fornecidas no prazo de 15 (quinze) dias.
Nesse contexto, decidindo o Procurador que o caso exige a propositura da ação civil pública, é natural a juntada de provas obtidas no curso do inquérito judicial. Isso faz surgir uma questão: existe uma presunção sobre essa prova no processo judicial?
A resposta é positiva. O Tribunal Superior do Trabalho reconhece, majoritariamente, a presunção relativa de veracidade dos elementos carreados aos autos:
(…) DANO MORAL COLETIVO. ÔNUS DA PROVA. O inquérito civil goza de presunção relativa de veracidade que, assim, deve ser afastada por prova segura em contrário. Na hipótese, todavia, segundo consignou o Regional, a reclamada não logrou produzir contraprova hábil a desconstituir os fatos narrados nos autos de infração. A manutenção do entendimento de existência das irregularidades praticadas pela ora recorrente decorreu da conclusão do Regional no tocante à suficiência do acervo probatório apresentado pelo Ministério Público do Trabalho, não havendo que se falar em violação dos artigos 818 da CLT, 333, I, do CPC, 5º, LIV e LV, da CF. Recurso de revista não conhecido. (…)” (RR-1014-83.2011.5.07.0011, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 08/06/2018).
“(…) 2. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. LAUDO DE INSPEÇÃO DO MINISTÉRIO DO TRABALHO. MEIO DE PROVA. VALIDADE. À luz do disposto no art. 364 do CPC, os documentos públicos gozam de presunção de legitimidade e somente podem ser desconstituídos por meio de contraprova produzida pela parte adversa, não bastando para tanto, a singela impugnação. O laudo de inspeção do Ministério do Trabalho e as peças de inquérito civil público, promovido pelo Ministério Público do Trabalho, desfrutam de valor probante e, sem elementos que contradigam os fatos neles descritos, não podem ser ignorados como meios de prova. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-57600-73.2005.5.03.0105, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 14/08/2009).
Nesse contexto, para fazer sucumbir a presunção, seria necessário o confronto com as provas contrárias eventualmente produzidas nos autos do processo judicial.
Por outro lado, existe julgado que aponta que a prova do inquérito, sem respaldo em outros elementos dos autos, não seria bastante para a procedência da pretensão exposta na ação coletiva:
“(…) VALOR PROBATÓRIO DO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. RELATIVO. VÍNCULO DE EMPREGO. O acórdão regional consignou que ‘Não houve nenhum prova produzida judicialmente (…) as declarações prestadas nos inquéritos não suprem a prova testemunhal produzidas judicialmente. Data venia, ao ilustre magistrado, entendo que seu convencimento foi formulado com presunções de irregularidades que dependem de prova judicial’ (pág. 300). O objeto da ação civil pública versa sobre a forma de contratação dos empregados que laboram nas creches comunitárias do Município. Logo, para se deferir o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício seria necessária a prova de que os jurisdicionados preencheriam os requisitos do artigo 3º da CLT, o que não poderia ser verificado por presunção e muito menos estendido coletivamente, sem se observar cada relação individualizada. Assim, o inquérito civil, por si só, sem a produção de nenhuma outra prova judicial, não é suficiente para o reconhecimento de vínculo empregatício dos empregados com o Município. Precedentes. (…)” (RR-969-36.2012.5.01.0262, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 24/08/2018).