Aplicação do art. 20 do Código Penal Militar

Majorante de um terço para os crimes militares em tempo de guerra

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O art. 20 do CPM traz uma majorante, uma causa genérica de aumento de pena – com inserção na terceira fase de aplicação do critério trifásico – dispondo que aos “crimes praticados em tempo de guerra, salvo disposição especial, aplicam-se as penas cominadas para o tempo de paz, com o aumento de um terço”.

Mas, diante da previsão por exemplo, dos crimes em tempo de guerra, no Livro II da Parte Especial, com preceito secundário definido, será que esta majorante teria aplicação ampla, alcançando também estes tipos penais?

A resposta está na expressão “salvo disposição especial”, trazida pelo próprio art. 20 do CPM.

Mas, no caminho da construção que se pretende, deve-se, primeiro, tornear os crimes militares em tempo de guerra.

Todos conhecem o art. 10 do CPM, que traz na Lei Penal Militar a possibilidade de subsunção mediata para os crimes militares em tempo de guerra. Impõe-se, entretanto, que para se desenvolver o raciocínio, seja ele transcrito:

Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:

I – os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;

II – os crimes militares previstos para o tempo de paz;

III – os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente:

a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;

b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;

IV – os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.

É fácil notar que o artigo em relevo possui quatro possibilidades para o delito militar em tempo de guerra, e em cada uma delas deve-se investigar a aplicação ou não do art. 20 do CPM.

Inicialmente, aqueles especificamente idealizados para esses tempos – estejam apenas em tempo de guerra, ou em tempo de guerra e de paz –, trazidos pelo já citado Livro II, compreendendo os arts. 355 a 408 do CPM. São delitos que possuem rigidez maior, por comprometer a segurança externa do País, ou atentar contra o azeitado funcionamento das instituições envolvidas na guerra, em um período tão crítico. As penas, por exemplo, são exacerbadas, conhecendo-se até mesmo a pena capital, da qual voltaremos a falar adiante. Não há, aqui, a incidência do art. 20 do CPM, com a causa especial de aumento de pena, pois já há a pena cominada em “disposição especial”, ou seja, no preceito secundário do tipo penal em espécie para o tempo de guerra.

Também serão considerados crimes militares em tempo de guerra aqueles previstos no inciso I do art. 9º do CPM, ou seja, os delitos militares em tempo de paz que possuam capitulação somente no Código Castrense, ou que neste estejam descritos de forma diversa da legislação penal comum. Note-se que a letra do inciso II do art. 10 não fala expressamente em crimes do inciso I do art. 9º, mas é possível se chegar a essa interpretação ao analisar o inciso III do art. 10, que prestigia apenas os crimes que estejam com igual definição na lei penal militar e comum.

Obviamente, se o delito estiver capitulado no Livro II (que trata dos crimes militares em tempo de guerra), como o é a deserção, capitulada nos arts. 187 e 391 do CPM, prevalecerá a previsão específica para o tempo de guerra, ou seja, o art. 391 do CPM e não o art. 187 combinado ao inciso II do art 10, também do CPM. Portanto, a previsão em comento se restringe aos crimes que estejam no Livro I, como o furto de uso, previsto no art. 241 do mesmo Códex. A consequência para o crime em tempo de paz transmudado para crime em tempo de guerra é o acréscimo de um terço na pena, conforme art. 20 do CPM.

Na sequência, também serão crimes militares em tempo de guerra aqueles previstos no CPM, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial (redação idêntica àquela do inciso II do art. 9º do CPM, antes da Lei n. 13.491/2017), desde que praticados em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado, ou em qualquer lugar, se comprometerem ou puderem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentarem contra a segurança externa do País ou puderem expô-la a perigo.

Também aqui há que fazer a ressalva de que, se o crime estiver no Livro II, prevalecerá esta tipificação e não aquela (ex.: homicídio simples, previsto no art. 205 e no art. 400, prevalecendo este e não aquele), enquadrando-se no art. 10, inciso I, do CPM, e não no inciso III, ora comentado. Como exemplo poderíamos citar o crime de peculato (art. 303 do CPM). Note-se que primeiro o intérprete deverá encontrar a perfeita tipicidade para só então aplicar o inciso III do art. 10; em outras palavras, deve primeiro subsumir o fato analisado à descrição típica da Parte Especial (Livro I) e da Parte Geral (alíneas do inciso II do art. 9º), para só depois considerar o delito como em tempo de guerra. A consequência dessa transmudação será também a majoração de pena do art. 20 do CPM (“Aos crimes praticados em tempo de guerra, salvo disposição especial, aplicam-se as penas cominadas para o tempo de paz, com o aumento de um terço”).

O inciso IV do artigo em apreço traz uma abrangência significativa na transformação de qualquer delito em delito militar em tempo de guerra, abrangência que, no crime militar em tempo de paz, apenas foi conhecida por força da Lei n. 13.491/2017. Todo e qualquer delito não previsto no Código Castrense, seja ele previsto no Código Penal comum, seja em legislação extravagante, pode ser transnaturado para um delito militar em tempo de guerra, desde que seja perpetrado “em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado”. Como exemplos dessa possibilidade, Romeiro aponta os crimes de moeda falsa (arts. 289 a 392 do CP) (1994, p. 87). Aqui também se terá por consequência, além do julgamento pela Justiça Militar (o crime era comum, mas passou a ser militar), a majoração trazida pelo art. 20 do CPM.

Em resposta à indagação feita no início, o art. 20 do CPM apenas não será aplicado nos crimes do Livro II da Parte Especial do mesmo Código, que possuam preceito secundário específico, com a reprovação especialmente delineada para o tempo de guerra.

Pode-se exemplificar o que se dispôs acima no seguinte quadro:

 

POSSIBILIDADES DE SUBSUNÇÃO DE CONDUTAS EM TEMPO DE GUERRA

Só previstos em tempo de guerra

(art. 10, I, CPM)

 

Previstos em tempo de guerra e também em tempo de paz

(art. 10, I, CPM)

Previstos apenas em tempo de paz (art. 10, II, CPM)

 

Previstos no CPM, Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial (art. 10, III, CPM) Não previstos no Livro II da Parte Especial

(art. 10, IV, CPM)

Traição

Art. 355. Tomar o nacional armas contra o Brasil ou Estado aliado, ou prestar serviço nas forças armadas de nação em guerra contra o Brasil:

Pena – morte, grau máximo; reclusão, de vinte anos, grau mínimo.

 

Obs.: Não se aplica o art. 20; a pena será a do preceito secundário do crime militar em tempo de guerra.

Furto

Art. 404. Praticar crime de furto definido nos arts. 240 e 241 e seus parágrafos, em zona de operações militares ou em território militarmente ocupado:

Pena – reclusão, no dobro da pena cominada para o tempo de paz.

 

Obs.: Não se aplica o art. 20; a pena será a do preceito secundário do crime militar em tempo de guerra.

Violência contra militar de serviço

Art. 158. Praticar violência contra oficial de dia, de serviço, ou de quarto, ou contra sentinela, vigia ou plantão:

Pena – reclusão, de três a oito anos.

 

 

Obs.: Aplica-se o art. 20 do CPM:

Crimes praticados em tempo de guerra

Art. 20. Aos crimes praticados em tempo de guerra, salvo disposição especial, aplicam-se as penas cominadas para o tempo de paz, com o aumento de um terço.

Resistência mediante ameaça ou violência

Art. 177. Opor-se à execução de ato legal, mediante ameaça ou violência ao executor, ou a quem esteja prestando auxílio:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos.

Forma qualificada

§ 1º Se o ato não se executa em razão da resistência:

Pena – reclusão de dois a quatro anos.

Cumulação de penas

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência, ou ao fato que constitua crime mais grave.

 

Obs.: Aplica-se o art. 20 do CPM:

Crimes praticados em tempo de guerra

Art. 20. Aos crimes praticados em tempo de guerra, salvo disposição especial, aplicam-se as penas cominadas para o tempo de paz, com o aumento de um terço.

Importunação sexual

Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.

 

Obs.: Aplica-se o art. 20 do CPM:

Crimes praticados em tempo de guerra

Art. 20. Aos crimes praticados em tempo de guerra, salvo disposição especial, aplicam-se as penas cominadas para o tempo de paz, com o aumento de um terço.

Referências:

ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de direito penal militar. São Paulo: Saraiva, 1994.

 

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