Autor: Carlos Mendonça, professor do Gran Cursos Online
Com a redemocratização do país, o exercício do poder estatal deixou de ser uma atividade desprovida de balizamentos jurídicos. Ao assumir o compromisso com o Estado democrático de direito, princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência assumiram o status de dogma constitucional. Nesse ínterim, o modelo ditatorial anterior foi fulminado, o poder estatal foi limitado e os direitos fundamentais modificaram profundamente a relação Estado-cidadão.
Em consequência do novo modelo jurídico-estatal, a nova ordem social propiciou o surgimento de demandas em face do Estado. Ademais, a profusão de leis tornou a atividade estatal extremamente sensível ao teste da legalidade e constitucionalidade. O anseio pela efetividade das normas constitucionais acelerou o ritmo da implementação das políticas públicas e a intervenção judicial em atos até então imunes ao controle judicial[1] fustigou a Administração Pública a ter uma conduta mais proativa na implementação dos direitos essenciais.
Nesse cenário descortinado, as ações desenvolvidas pela Administração Pública passaram a reclamar um tecnicismo jurídico até então desconhecido, pois a mudança de paradigma constitucional colocou o Estado submisso à ordem jurídica. O novo modelo reclamou a instituição da Advocacia Pública, órgão responsável pela representação e consultoria jurídica dos entes da federação. Vale ressaltar que, além de uma imposição constitucional, a criação de um órgão jurídico representa uma necessidade de adequação à profissionalização das ações estatais.
Conforme se extrai da Constituição, a Advocacia Pública, ao lado do Ministério Público e da Defensoria Pública, passou a ser uma função essencial à justiça. Impende esclarecer que a Advocacia Pública atua em três áreas: orientação, defesa[2] e controle jurídico da atividade administrativa.
Nesse contexto, a Advocacia Pública é exercida pela Advocacia-Geral da União (AGU) em âmbito Federal; pela Procuradoria do Estado[3], em âmbito estadual e distrital; e pelas Procuradorias dos Municípios, em relação aos municípios.
A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou por meio de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.
O chefe da AGU é nomeado pelo presidente da República, dentre cidadãos maiores de 35 anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada, sem necessidade de pertencer à carreira. Inclusive, a exoneração do AGU dispensa qualquer requisito, podendo ocorrer ad nutum.
A AGU é formada pelos seguintes órgãos:
- Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional: defende a União em matérias de natureza tributária.
- Procuradoria-Geral Federal: defende os interesses das autarquias púbicas da União.
- Procuradoria-Geral da União: defende a União nas demais causas não reservadas às procuradorias supramencionadas.
No caso da Advocacia Pública, o ingresso se dá mediante concurso público de provas e títulos. Curiosamente, a Constituição só impõe a participação da OAB nos concursos para Procurador do Estado[4], dispensando essa participação para a AGU e Defensoria Pública.
No que tange ao regime jurídico, os membros da AGU se submetem à Lei n. 8.112/1990 e, de acordo com parágrafo único do art. 132 do texto constitucional, adquirem estabilidade após 3 (três) anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
A remuneração dos advogados públicos, e também dos defensores públicos, deve ser feita por subsídio[5], fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o teto do funcionalismo público previsto no inciso XI do art. 37:
XI – a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, dos detentores de mandato eletivo e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória, percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, aplicando-se como limite, nos Municípios, o subsídio do Prefeito, e nos Estados e no Distrito Federal, o subsídio mensal do Governador no âmbito do Poder Executivo, o subsídio dos Deputados Estaduais e Distritais no âmbito do Poder Legislativo e o subsídio dos Desembargadores do Tribunal de Justiça, limitado a noventa inteiros e vinte e cinco centésimos por cento do subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, no âmbito do Poder Judiciário, aplicável este limite aos membros do Ministério Público, aos Procuradores e aos Defensores Públicos.
A atuação na AGU permite ao advogado público atuar em várias áreas do conhecimento jurídico ao longo da carreira, seja na Administração Direta ou Indireta, o que, além de enriquecer a experiência profissional, afasta qualquer tipo de acomodação acadêmica.
Para aqueles que almejam integrar alguma carreira jurídica, a Advocacia Pública afigura-se uma interessante oportunidade, pois, além da frequência de concursos para as procuradorias, o profissional vai atuar diretamente na área em que obteve o diploma.
[1] RE 417408 AgR/RJ – Defesa do meio ambiente. Implementação de políticas públicas. Possibilidade. Violação do princípio da separação dos poderes. Não ocorrência. Precedentes. 1. Esta Corte já firmou a orientação de que é dever do Poder Público e da sociedade a defesa de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para a presente e as futuras gerações, sendo esse um direito transindividual garantido pela Constituição Federal, a qual comete ao Ministério Público a sua proteção. 2. O Poder Judiciário, em situações excepcionais, pode determinar que a Administração pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais sem que isso configure violação do princípio da separação de poderes. 3. Agravo regimental não provido.
[2] Não confundir defesa do Estado com defesa do governo. A última não é atribuição da Advocacia Pública.
[3] Art. 69. Será permitido aos Estados manter consultorias jurídicas separadas de suas Procuradorias-Gerais ou Advocacias-Gerais, desde que, na data da promulgação da Constituição, tenham órgãos distintos para as respectivas funções.
[4] Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)
[5] Art. 135. Os servidores integrantes das carreiras disciplinadas nas Seções II e III deste Capítulo serão remunerados na forma do art. 39, §4º. (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 19, de 1998)
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