A impenhorabilidade do bem de família consagra o direito fundamental à moradia prevista no art. 6º da Constituição Federal:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
O regramento básico consta na Lei 8.009/90 e nos arts. 1.711 e seguintes do Código Civil. Constata-se que a finalidade das normas envolve uma proteção mínima ao devedor e sua família. Observe o disposto no art. 1º da Lei 8.009/90:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”
No entanto, um ponto relevante surge quando a pessoa que reside no imóvel, muito embora seja um coproprietário, não é o efetivo devedor trabalhista.
Assim, imagine que Fulano e Ciclano sejam coproprietários do imóvel residencial em que mora Ciclano. Se somente Fulano for o devedor trabalhista contra o qual corre a execução trabalhista, poderia haver a penhora do imóvel ou mesmo da fração ideal? Ou seria a constrição vedada?
Apareceram duas teorias diferentes. Uma primeira corrente defende que poderia haver a penhora de todo o imóvel, sendo que seria assegurada a dedução da cota-parte do coproprietário não executado.
Logo, se Ciclano detivesse 50% do bem, então o valor pecuniário equivalente à metade da avaliação seria deduzido do produto da arrematação em um leilão. Claro que o direito de preferência seria preservado na arrematação. Trata-se de aplicação do art. 843, caput e § 1º, do CPC:
“Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.
§ 1º É reservada ao coproprietário ou ao cônjuge não executado a preferência na arrematação do bem em igualdade de condições.”
Nessas condições e tendo em vista o exemplo, se o imóvel foi arrematado, o coproprietário não executado teria direito a receber os valores referentes à sua fração ideal calculados com base na avaliação do bem. Após essa dedução, o valor remanescente (pertencente ao executado) seria utilizado para pagar o credor.
A segunda teoria informa que o direito de moradia daquele coproprietário não devedor deve ser preservado. Portanto, não poderia haver a penhora do referido bem, nem mesmo da fração ideal do coproprietário devedor. A impenhorabilidade do bem de família de terceiro à relação jurídica executiva deve prevalecer.
Foi justamente essa a concepção adotada pelo Tribunal Superior do Trabalho, que não admite a penhora do referido bem:
“PENHORA GRAVADA SOBRE PARTE IDEAL DE BEM DE FAMÍLIA. VIOLAÇÃO DO ART. 1.º DA LEI N.º 8.009/90 CONFIGURADA. (…) É verdade que a autora é proprietária de 50% do referido imóvel, sendo os outros 50% de propriedade do sócio da empresa executada no processo matriz, (…) Todavia, o que se discute no caso é a penhora realizada sobre bem de família. E nesse contexto, o fato é que, em se tratando de bem indivisível, a impenhorabilidade assegurada pela Lei n.º 8.009/90 se estende sobre a totalidade do bem, conforme deflui do parágrafo único do art. 1.º da Lei n.º 8.009/90. Portanto, mesmo com a cláusula de usufruto da parte ideal pertencente ao sócio da empresa executada, o que se constata é que a penhora realizada no processo matriz, ainda que restrita à parte ideal do sócio, viola o art. 1.º da Lei n.º 8.009/90, que assegura a impenhorabilidade integral do imóvel do devedor, ou de sua família. Correto, portanto, o acórdão recorrido.” (RO-5315-47.2014.5.09.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 05/06/2020).