O direito de moradia encontra-se incluído dentre os diversos direitos sociais elencados no art. 6º da Constituição Federal:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Uma das formas de tutelar esse direito pode ser vista na impenhorabilidade do bem de família, assegurada tanto pela Lei 8.009/90, como pelo Código Civil. Veja o disposto no art. 1º do primeiro diploma mencionado:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”
A impenhorabilidade do bem é assegurada inclusive em processos trabalhistas, conforme se nota no art. 3º, caput, da Lei 8.009/90:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…)”
Nesse contexto, caso haja a penhora do imóvel residencial do executado no processo trabalhista, poderia ele alegar essa matéria de ordem pública. Ocorre que surge uma questão interessante que provoca reflexão: poderiam os demais moradores da residência (que não são executados) alegar essa impenhorabilidade? Poderia um filho do executado ou o cônjuge alegar essa impenhorabilidade?
O Tribunal Superior do Trabalho entende que há legitimidade para tanto:
“1. A legitimidade dos filhos residentes no imóvel, para defesa e proteção do bem de família, funda-se na garantia constitucional à moradia (artigo 6º), no direito de defesa da entidade familiar (artigo 226, § 4º) e também no preceito maior da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III). 2. A proteção, na hipótese, não é da propriedade, mas da moradia e da dignidade dos que nela habitam, razão pela qual todos os membros da entidade familiar são igual e autonomamente co-legitimados para opor Embargos de Terceiro arguindo a impenhorabilidade do bem, não existindo hierarquia entre eles.” (RR-10616-15.2014.5.15.0062, 8ª T., Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 01/12/2017).
O Superior Tribunal de Justiça também possui o mesmo entendimento. Observe esse julgado:
“1. Controvérsia acerca da legitimidade ativa e tempestividade dos embargos de terceiro opostos após o prazo de 5 (cinco) dias da assinatura da carta de adjudicação (cf. art. 1.048 do CPC/1973). (…) 4. Os filhos, integrantes da entidade familiar, são partes legítimas para opor embargos de terceiro, discutindo a condição de bem de família do imóvel onde residem com os pais. (…)” (AgInt no REsp 1668220/PR, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., julgado em 26/08/2019, DJe 30/08/2019)
Claro que essa alegação de terceiro estranho à lide originária normalmente ocorre por meio de embargos de terceiro, por se tratar do seu direito de moradia incompatível com o ato constritivo. Assim, incide no art. 674, caput, do CPC:
“Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro.”
No entanto, isso gera uma outra questão: e se o executado já alegou a impenhorabilidade do bem de família e perdeu, com trânsito em julgado? Poderia o filho apresentar embargos de terceiro alegando a mesma matéria?
Caso a resposta fosse positiva, estar-se-ia afastando a eficácia da decisão anterior, permitindo a rediscussão de matéria já resolvida em relação ao mesmo bem, criando risco para a segurança jurídica, sobretudo porque poderia haver decisões contraditórias sobre o mesmo imóvel.
Quanto ao tema, o Superior Tribunal de Justiça entende que não é possível essa rediscussão, devendo a segurança jurídica ser valorizada. Leia esse trecho da ementa:
“(…) 2. Por um lado, muito embora a jurisprudência do STJ reconheça a legitimidade do filho para suscitar em embargos de terceiro a impenhorabilidade do bem de família em que reside, essa hipótese não pode ser usada para, por via transversa, desconstituir a coisa julgada material, proferida em demanda a envolver os próprios proprietários do bem. Por outro lado, como os próprios proprietários não podem mais opor impenhorabilidade do bem de família, é descabido o reconhecimento, em benefício de outrem que supostamente reside no imóvel (o que nem mesmo foi foi reconhecido pelo Juízo de primeira instância, no que não infirmado pela Corte local), em vista do vínculo de filiação. (AgInt no AREsp 1491095/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe 05/11/2019)
Logo, não se pode admitir essa discussão novamente, ainda que se trate de interessado diverso.