Coletividades não estatais, como próprio nome está a indicar, são as que não dependem de vontade dos Estados para sua existência. Dentre as coletividades não estatais, as mais importantes são: a) os beligerantes; b) os insurgentes; c) os movimentos de libertação nacionais; d) a Soberana Ordem Militar de Malta.
Beligerantes
O adjetivo beligerante vem da raiz latina “bellum” e significa guerra (bélico). Assim, beligerância é a característica ou particularidade do que se encontra em guerra. No direito internacional, a beligerância ocorre quando, dentro do Estado, verifica-se uma sublevação da população, por meio de movimento armado politicamente organizado, para fins de desmembramento ou de mudança de governo ou do regime vigente, constituindo-se em verdadeira guerra civil.[1] Outrossim, é indispensável, para caracterização do movimento beligerante, que o grupo armado revolucionário detenha parte do território do Estado.
São características dos beligerantes: movimento armado e politicamente organizado; detenção de parte do território do Estado; finalidade específica (elemento subjetivo) de desmembramento (criação de um novo ente estatal) ou mudança do regime em vigor (conquista do poder); possuir e exercer, de fato, poderes similares aos exercidos pelo Estado contra o qual se rebelam.
Presentes esses elementos, podem os demais sujeitos de direito internacional, em ato discricionário, conferir ao grupo a qualidade de beligerante, com status equiparado ao do próprio Estado, razão pela qual passam a ter alguns direitos e prerrogativas, tais como o de concluir tratados, por exemplo. Mas, tudo isso em caráter temporário (interino), até que a situação se estabeleça.
Na história, podem ser mencionados como exemplos de beligerantes, os Sandinistas da Nicarágua, que foram reconhecidos pelo Pacto Andino de 1979 e os Confederados da Guerra de Secessão dos EUA (1861-1865).
Insurgentes ou insurretos
Assim como os beligerantes, são grupos que se levantam contra os governos, com a finalidade de modificação do regime vigente e tomada do poder, mas cuja envergadura e amplitude não assume a proporção dos primeiros, embora atinjam certo grau de importância. Não chega a se constituir em uma guerra civil e tampouco há a tomada de parte do território, como se dá com os beligerantes.
Eles podem ou não celebrar tratados, a depender do ato de reconhecimento da insurgência por outros Estados. Nesse sentido, adverte Mazzuoli que “os direitos e deveres dos insurgentes dependem, em último caso, daquilo que lhes atribuem os Estados que assim os reconhecem. Contudo, mesmo o seu reconhecimento não cria automaticamente direitos e deveres em favor dos revoltosos, ficando sempre na dependência de uma manifestação formal do Estado (contrariamente ao que se dá com o movimento de beligerância)”.[2]
Justamente em razão da dependência de uma manifestação formal do Estado é que o reconhecimento da personalidade jurídica dos insurgentes é bastante controvertido na doutrina, sendo que muitos autores negam essa qualidade. Mas, eventual reconhecimento, por parte de terceiros Estados, da situação de insurgência, embora garanta apenas certos direitos aos insurretos, retira seus atos da qualificação de criminosos ou terroristas.[3]
Movimentos de libertação nacional ou Nações em luta pela soberania
São movimentos que buscam a independência e são reconhecidos pela ONU. A diferença dos movimentos de libertação nacional para outros sujeitos do Direito Internacional (beligerantes e insurgentes) reside no fato de que os integrantes dos movimentos de libertação não fazem parte do regime governamental contra o qual estão lutando.[4]
Exemplo de movimentos de libertação nacional ou Nações em luta pela soberania é a Organização para a Libertação da Palestina – OLP. Mesmo sem contar com a soberania estatal, exercem prerrogativas típicas dos Estados, tais como a celebração tratados internacionais e o direito de legação (capacidade de enviar e receber representantes diplomáticos). Inclusive, mantém de escritórios e representações perante a ONU.
Mas, a personalidade jurídica de direito internacional e a capacidade para participar da vida internacional é limitada ao âmbito estritamente funcional e, em razão da matéria, aos temas correspondentes à sua vocação, tais como a libertação do povo que representam.[5]
Soberana Ordem Militar de Malta
É entidade voltada à assistência médica e humanitária, com sede em Roma e é chefiada por um Grão-Mestre. Os tribunais da Cúria Romana, no ano de 1953, estabeleceu a Ordem tem natureza de organização religiosa e, como tal, subordina-se à vontade da Santa Sé. Entendeu também que a Ordem, embora dependente em certos aspectos da Santa Sé, detinha a qualidade de sujeito de direito internacional.
No entanto, a maioria esmagadora da doutrina nega a ela personalidade jurídica de direito internacional, embora mantenha relações diplomáticas com diversos Estados e tendo o seu chefe prerrogativas de imunidade de jurisdição, concedida por ato do Estado italiano e não por norma internacional.
Segundo Rezek “a Ordem de Malta nada tem que se assemelhe a um Estado e a nenhum título ostenta, à análise objetiva, personalidade jurídica de direito das gentes. Sua presença em certas conferências internacionais se dá como entidade observadora e sequer é parte em tratados multilaterais”. Fala-se, inclusive, em pseudorrelações diplomáticas por ela mantidas com diversos Estados soberanos, inclusive com o Brasil, mas por mera cortesia por parte destes.
Em resumo, a doutrina nega a qualidade de sujeito de direito internacional à Soberana Ordem Militar de Malta porque (i) ela funciona em estreita dependência da Santa Sé, não guardando qualquer semelhança com um Estado Soberano; (ii) a imunidade de jurisdição que a Itália reconheceu ao seu Grão-Mestre não deriva de obrigação internacional, mas sim de ato meramente interno do Estado Italiano.
Referências
[1] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Op. cit., 2018. p. 355.
[2] Idem. Ibidem.
[3] Idem. ib idem.
[4] Idem, p. 356.
[5] Idem, p. 456.