Conheça a história do morador de rua que foi aprovado no concurso do Banco do Brasil

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Ubirajara GomesAté que enfim, o primeiro emprego! Trabalho e sa-lá-rio. Já dá para procurar uma casa. E o que mais, Bira?

“Depois que pagar algumas coisas que estou devendo, pretendo comprar uma casinha, fazer uma faculdade”, adianta o escriturário Ubirajara Gomes.

Quantos planos… Para ele, tudo é possível. Ubirajara mudou de vida. E como! Aos 27 anos, seria ele um fenômeno?

“Eu me sinto um cidadão”, diz Bira. Cidadão. Mas só agora? Por quê? “Quando você está desempregado e não tem casa para morar, não é que você não seja gente, mas você não é tratado como gente. A própria sociedade nos exclui. Agora eles vão ter que me engolir”, responde.

Pois é. Quem podia imaginar um morador de rua aprovado em um concurso nacional disputadíssimo? Bira passou no concurso do Banco do Brasil, entre 240 mil candidatos em todo o país. No dia da posse, ele foi destaque na nova turma de Pernambuco. Quem te viu, quem te vê.

“Para mim, eu nasci agora, com 27 anos de idade. Minha vida é de agora em diante”, diz Bira.

“Tem gente que estuda anos a fio. Tem gente com diploma. O Ubirajara fez uma façanha. Ele foi o primeiro. Vamos ver se não ocorrem outras histórias de superação, de força de vontade”, diz a coordenadora pedagógica para cursos Marcela Alves.

“A prova tinha 150 questões. Eu acertei 116”, conta Bira. Resultado: ele foi classificado e está trabalhando em uma agência no Recife mesmo. Quem diria?

“Eu sempre tive fé. Sempre esperei que alguma coisa acontecesse, mas não tudo o que está acontecendo”, diz Bira.

Foram 12 anos morando na rua. Mas ele ia para a biblioteca pública todos os dias. Ficava das 9h até as 17h30m.

“Eu ia estudar e ficava tomando cafezinho e água para passar a fome”, lembra Bira, que calcula ter ficado cerca de 30 dias sem fazer uma refeição direito. “Passei muita fome. Eu tentava não pensar. Tomava muita água para não desidratar e café. Eu não gostava de pedir porque as pessoas não entendiam, pensavam que eu pedia porque não queria trabalhar. Mas eu não tinha trabalho”.

Bira acredita que a perseverança favoreceu a guinada que deu na vida. “Eu era muito teimoso. Disse que seria funcionário público. Não pensava que passaria tão rápido em um concurso público de banco. Foi meu primeiro concurso”.

Ele lavava roupa na praça e dormia lá também. “Eu gostava porque era um lugar calmo e seguro. O banco era a minha cama e o meu armário. Eu deixava minhas roupas e meus livros embaixo dele”, aponta Bira, que hoje já pode alugar um quarto. Assim, vai juntando dinheiro do salário.

“Eu via a situação dele. Ele era muito magro. Às vezes, quando nos encontrávamos, eu sempre chamava ele para almoçar. Dava comida e um dinheirinho. Sempre que me via, ele ficava feliz porque sabia que comeria alguma coisa”, lembra Carlos Eduardo Monteiro, amigo de Bira.

Quando passou no concurso do banco, ficou um tempo na casa do amigo Carlos Eduardo. Ele também fez concurso para o banco, mas não entrou.

“Estou feliz porque ele vai caminhar com as próprias pernas agora. Não vai mais precisar da ajuda de ninguém, não vai mais passar fome. Os sonhos dele agora vão ser planos, não vão ser mais só sonhos”, diz Carlos Eduardo.

“Ele traz uma grande responsabilidade consigo. A vida que ele levou e esse conhecimento que ele traz na bagagem vão incentivar todo o funcionalismo”, comenta o gerente-geral do Banco do Brasil de Pernambuco, Ubirajara Cavalero.

“Andar de ônibus era luxo e diversão. Você se desliga um pouquinho do tempo, das coisas, dos problemas. A paisagem é o mais divertido. De ônibus, você viaja nos dois sentidos. Minha mudança de vida foi uma viagem tão rápida que eu ainda estou meio zonzo. Muitas vezes eu evitei andar muito porque não me alimentava direito. Então, tentava poupar energia”, conta Bira. Em compensação, gastava todo tempo que podia lendo onde estivesse.

“Ele me chamava a atenção porque, apesar de ser um aluno de escola pública e não ter um lar, era uma pessoa que se dedicava ao estudo. Ele foi à luta sozinho e conseguiu vencer fazendo concurso do Banco do Brasil”, conta o taxista Laelson Coelho.

“A lembrança que eu tenho dele é de um menino bom, que não bebia, não fumava. Eu tinha tanta pena dele. Só se via ele olhando aqueles livros. Não sei o que ele lia tanto ali”, diz a comerciante Maria José da Silva.

“As pessoas criticavam, diziam para eu ir trabalhar, porque eu só sabia estudar e assim ia endoidar”, conta Bira.

Bira visitou a escola onde estudava para uma visita afetiva. Uma visita importante: foi a primeira vez que ele voltou à escola depois de ter passado no concurso do Banco do Brasil.

“É muita emoção”, ressaltou. Põe emoção nisso. Bira estudou sete anos na escola. Ele ia toda noite. Não falava que morava na rua, nem que já tinha completado o ensino médio. Bira abriu o coração: “Estou com saudade da bagunça dos amigos, das professoras”.

Ele voltou a estudar não só por convicção, foi também por necessidade. Ele disse que a escola garantia a única merenda do dia com que podia contar. Mas não deixou de fazer amigos. Por onde ele passa, risos, abraços, elogios.

“Ele sempre demonstrou ser um aluno muito educado e inteligente. Espero que ele continue com esse equilíbrio, essa tranqüilidade. Acho que ele vai longe!”, diz a professora de história Séfora Freitas.

“O exemplo do Ubirajara não é só para os alunos, é para todo profissional. Em outra escola, citei o exemplo dele para alunos que tinham condição totalmente diferente da dele. Eu disse que eles têm tudo e ainda reclamam”, conta a professora Elizama Rosa dos Santos.

“Estudem porque os concursos públicos estão cada vez mais concorridos. Eu fazia 20 questões de português, 20 de física, 10 de matemática. Eu misturava tudinho, fazia uma salada de frutas”, conta Bira.

Lições de Bira: “Eu sempre gostei de ler, desde criança. Eu queria uma coisa melhor. E se eu queria uma coisa melhor, tinha que estudar. Você tem que brincar. Sempre fui sonhador. Então, acreditava nos meus sonhos. Não achava que seria longe demais para mim. Ainda não cheguei onde queria. Quero fazer uma faculdade, ter uma família, montar meu negócio. Quero um diploma de administração, ciências contábeis ou economia. Qualquer coisa nessa área está bom para mim. Gostaria de transmitir que nada está perdido. Lute pelo que você acredita que um dia você chega lá. Demora, mas chega”.

E chegou a hora para Bira: aprovado, aclamado, primeiro emprego.

“O crachá não pesa. Ao contrário, tenho muito orgulho de usá-lo”, comemora Bira.

Fonte: Globo Reporter

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