Despachante e lei estadual

Poderia uma lei estadual regular a atuação desse profissional perante órgãos ou entidades de trânsito?

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Muitas pessoas necessitam, seja por conveniência, seja por desconhecimento de certas matérias, da ajuda de despachantes para fazer requerimentos perante entidades que atuam no setor de trânsito, como o DETRAN.

A importância deste profissional é tamanha, que existe, inclusive, a Lei 10.602/2002, que trata da profissão do despachante documentalista.

Muito embora este profissional tenha contato direto com servidores públicos, não existe qualquer hierarquia entre eles, o que é assegurado inclusive por esse diploma normativo:

“Art. 5º Não há hierarquia nem subordinação entre os Despachantes Documentalistas, servidores e funcionários públicos.”

    O art. 6º, caput, desta lei federal atribui grande liberdade de atuação, mas registra que, para determinados atos, a lei exige poderes específicos:

“Art. 6º O Despachante Documentalista tem mandato presumido de representação na defesa dos interesses de seus comitentes, salvo para a prática de atos para os quais a lei exija poderes especiais.”

    Claro que não pode o despachante adentrar atribuições que são próprias de outras profissões. Portanto, é bastante razoável a previsão do art. 6º, parágrafo único, da Lei 10.602/2002:

“Art. 6º (…)
Parágrafo único. O Despachante Documentalista, no desempenho de suas atividades profissionais, não praticará, sob pena de nulidade, atos privativos de outras profissões liberais definidas em lei.”

    A lei apresenta pouquíssimos preceitos. Dessa maneira, como a lei não fixa maiores detalhes sobre essa atuação profissional, alguns Estados editam normas sobre o exercício da profissão. O problema é que compete privativamente à União legislar sobre o exercício de profissões, conforme art. 22, XVI, da CF:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: XVI – organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;”

    Nesse contexto, há uma efetiva inconstitucionalidade dessas leis estaduais. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu recentemente a inconstitucionalidade de lei estadual que estabeleceu regras sobre o exercício da profissão de despachante:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 14.475/2014, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. DIPLOMA LEGISLATIVO QUE REGULA A ATIVIDADE DE DESPACHANTE DOCUMENTALISTA DE TRÂNSITO NAQUELA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA DISPOR SOBRE CONDIÇÕES DE EXERCÍCIO DE PROFISSÕES (CF, ART. 22, XVI). PRECEDENTES. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. 1. A Lei gaúcha nº 14.475/2014 disciplina a atuação dos despachantes documentalistas de trânsito, estabelecendo condições, impondo requisitos, fixando impedimentos, delimitando atribuições e cominando penalidades aos integrantes dessa categoria profissional. 2. Compete à União Federal legislar, privativamente, sobre condições para o exercício de profissões (CF, art. 22, XVI), ainda que a atividade envolva a prestação eventual de serviços perante órgãos da administração pública local. 3. Aos Estados-membros e ao Distrito Federal, em tema de regulamentação das profissões, cabe dispor apenas sobre questões específicas relacionadas aos interesses locais e somente quando houver delegação legislativa da União operada por meio de lei complementar (CF, art. 22, parágrafo único), inexistente na espécie. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 5412, Min. Rel. ROSA WEBER, Tribunal Pleno, publicado em 27-05-2021)”

    Ora, se até mesmo uma lei estadual fica eivada de inconstitucionalidade ao tratar do tema, o mesmo ocorre com portarias que apresentam abstração e generalidade suficientes. Foi o que ocorreu, em junho de 2021, na ADI 6754.

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