O professor de Direito Penal do Projeto Exame de Ordem, fez uma análise do ponto de vista jurídico sobre a decisão do Superior Tribunal Federal que autoriza o cumprimento de pena após decisão de 2ª instância. Confira abaixo a notícia publicada no site do STF e a explicação do professor.
Nesta quarta-feira (17), por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) indeferiu pedido de Habeas Corpus (HC 126292) e decidiu pela possibilidade do cumprimento da sentença condenatória após o julgamento de apelação. No caso em análise, a Corte entendeu válido ato do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que, ao negar recurso da defesa, determinou o início da execução da pena imposta a um condenado por roubo qualificado.
O entendimento firmado hoje altera a jurisprudência da Corte sobre a matéria, que condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva.
O voto do relator do HC, ministro Teori Zavascki, foi seguido pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. De acordo com o relator, a manutenção da sentença condenatória pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado. Eventuais recursos cabíveis ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo restringem-se à análise de questões de direito.
A ministra Rosa Weber e os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, presidente da Corte, ficaram vencidos. Eles votaram pela manutenção da jurisprudência do Tribunal que exige o trânsito em julgado e concediam o habeas corpus.
O que isso significa?
É o seguinte.
Lembra da presunção de inocência? Ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da condenação. LOGO NINGUÉM PODE CUMPRIR PENA ANTES DISSO.
Lembra do duplo grau de jurisdição (aquele princípio constitucional implícito que alguns dizem que não é uma garantia individual por não estar expresso na Constituição)? A pessoa tem direito que um Tribunal reveja a decisão de um juizo monocrático.
Até aí tudo bem. O problema começa quando além das Instâncias Ordinárias (assim chamadas porque decidem fato e direito) existem também as Instâncias Extraordinárias (que decidem apenas o direito – são Cortes responsáveis por uniformizar a aplicação da lei dando segurança jurídicas as decisões). No Brasil o STJ (lei) e o STF (normas constitucionais) fazem o papel de Cortes Extraordinárias. Daí surge a questão: quando existe o trânsito em julgado? Com o fim das Instâncias Ordinárias (que atendem ao duplo grau de jurisdição exigido implicitamente pela Constituição) ou com o fim de toda e qualquer decisão cabível no feito (e daí só haveria o trânsito com o fim do julgamento também em sede extraordinária).
O STF, até a tarde de hoje, entendia que deveria se aguardar também as instâncias extraordinária para a execução da pena, pois somente aí haveria o trânsito em julgado total.
No entanto é bom lembrar que já havia uma possibilidade de execução provisória da pena (antes do trânsito em julgado): a hipótese ocorria quando não havia recurso da acusação, ou este havia sido improvido, (logo a situação jurídica do condenado provisoriamente não poderia piorar) e o réu estava preso cautelarmente e, pela situação de fato, já é cabível regime mais favorável que o fechado (lembrando que a prisão cautelar equivale ao regime fechado). Ex.: o juiz concede regime semiaberto na sentença, que transita em julgado para a acusação. Estando o réu em regime fechado, apesar da sua apelação, pode-se executar desde logo a sentença, porque o Tribunal jamais poderá prejudicá-lo em recurso interposto por ele. Sobre o tema a jurisprudência do STF consolidou-se na Súmula 716.
Essa era a única situação em que era cabível a execução da pena antes do fim do julgamento em todas as Instâncias: quando já era cabível regime mais favorável ao réu e quando havia trânsito em julgado para a acusação. É uma interpretação ostensivamente benéfica ao acusado. A decisão de hoje não. O STF simplesmente mudou o parâmetro: agora para efeitos de cumprimento de pena basta o fim das Instâncias ordinárias. A discussão continua nas extraordinárias mas com o condenado cumprindo a pena.
Flávio Daher
________________________________________________________________________