I – Introdução
O presente artigo tem por escopo enfrentar as inovações promovidas pelo “Pacote Anticrime” em relação ao art. 116, CP. A posteriori, enfrentaremos em outros artigos científicos os demais dispositivos reformados no CP. Assim, neste estudo vamos analisar, da Parte Geral do CP, o dispositivo art. 116, CP e depois avançaremos para a Parte Especial do CP analisando as mudanças promovidas nos art.157, art. 171 e art. 316.
Neste passo, preliminarmente, é relevante resgatarmos o tema da prescrição, ainda que como “o voo de um pássaro” … Assim, não podemos olvidar que a prescrição é instituto jurídico, na seara criminal, que é causa de extinção da punibilidade, conforme o art. 107, IV, CP. Ela enseja, portanto, devido ao decurso de tempo, a perda do direito de punir (ius puniendi) do Estado em face dos que levam a termo a perpetração de infrações penais. O Professor Roberto BITENCOURT (2018) leciona que:
Com a ocorrência do fato delituoso nasce para o Estado o ius puniendi. Esse direito, que se denomina pretensão punitiva, não pode eternizar-se como uma espada de Dâmocles pairando sobre a cabeça do indivíduo. Por isso, o Estado estabelece critérios limitadores para o exercício do direito de punir, e, levando em consideração a gravidade da conduta delituosa e da sanção correspondente, fixa lapso temporal dentro do qual o Estado estará legitimado a aplicar a sanção penal adequada. (grifei)
Neste diapasão há o ensinamento do Professor Rogério GRECO (2017) ensina que:
(…) poderíamos conceituar a prescrição como o instituto jurídico mediante o qual o Estado, por não ter tido capacidade de fazer valer o seu direito de punir em determinado espaço de tempo previsto pela lei, faz com que ocorra a extinção da punibilidade. (grifei)
Noutro giro, o art. 116, CP versa sobre as Causas que são Impeditivas da Prescrição. Dessa forma, ele disciplina as hipóteses legais que quando incidentes ensejam a suspensão do prazo prescricional em relação à infração penal perpetrada. Neste sentido, enquanto as hipóteses legais incidir, a prescrição permanece suspensa. Nesta esteira ascende o escólio do Professor GRECO (Idem) que leciona:
Causas suspensivas da prescrição são aquelas que suspendem o curso do prazo prescricional, que começa a correr pelo tempo restante, após cessadas as causas que a determinaram. Dessa forma, o tempo anterior é somado ao tempo posterior à cessação da causa que determinou a suspensão do curso do prazo prescricional. (grifei)
II – As Causas Impeditivas da Prescrição à Luz da Redação dada pela Reforma da Parte Geral do CP de 1984
A redação original do Código Penal de 1940, bem como a redação dada pela grande reforma do CP de 1984, à luz da Lei 7209/1984, trataram nos mesmos termos das causas impeditivas da prescrição. Nestes dois momentos legislativos o art. 116, CP manteve-se incólume. Assim, as duas hipóteses de suspensão da prescrição, que fulmina a pretensão punitiva (antes de passar em julgado a sentença penal), eram as mesmas. Logo, o prazo prescricional não corria (1) enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime sob escrutínio; (2) enquanto o agente do crime de interesse cumpre pena no estrangeiro.
De outro lado, ainda à luz da redação do CP de 1940 e após a reforma de 1984, a prescrição da pretensão executória (depois de passada em julgado a sentença condenatória), não corria durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo. Nesta porção, há de se ressaltar em adiantado, que o Pacote Anticrime não alterou esta abordagem em relação à prescrição da pretensão executória.
Avançando sobre o tema da suspensão do prazo prescricional é importante que se tenha em vista o que prescreve o Código de Processo Penal (CPP) no seu art. 366 sobre esta questão em face de réu que citado por edital que não comparece ao processo, nem constituir advogado. Nestes casos, não só ficará suspenso o processo, mas também o curso do prazo prescricional. E neste contexto processual, tem o órgão julgador a faculdade, a depender das circunstâncias processuais e factuais e da incidência de requisitos legais autorizadores, determinar a produção antecipada de elementos probatórios consideradas urgentes e, em sendo pertinente, decretar prisão preventiva, na forma que ordena o art. 312, CPP.
A redação do art. 116, CP antes da reforma da lei 13964/2019 era a seguinte:
Causas impeditivas da prescrição
Art. 116. Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre:
I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime;
II – enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.
Parágrafo único. Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
III – Entendimentos Jurisprudenciais sobre os Efeitos Genéricos da Condenação
Considerando a redação dada pela reforma de 1984, os Pretórios pátrios têm engendrado entendimentos sobre os Efeitos Genéricos da Condenação, apud GRECO (2017):
Súmula 415 STJ – O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada.
Súmula 415, Terceira Seção, julgado em 09/12/2009, DJe 16/12/2009.
Ante o silêncio da norma acerca de qual seria o prazo para a suspensão, esta Corte Superior consolidou o entendimento no sentido de que o período máximo da suspensão do prazo prescricional, no caso do artigo 366 do Código de Processo Penal, não pode ultrapassar aquele previsto no artigo 109 do Código Penal, considerada a pena máxima abstratamente prevista em lei para o delito analisado.
STJ, AgRg. no HC 105560/SP, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, 6ª T., DJe 27/6/2014.
Incide o parágrafo único do art. 116, do Código Penal, na hipótese em que o sentenciado esteja cumprindo pena imposta em outro processo, em regime aberto (prisão albergue domiciliar).
STJ, HC 209626/SP, Relª Minª Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 26/2/2014.
O prazo máximo de suspensão do curso do processo e do prazo prescricional regular-se-á pela pena máxima em abstrato cominada, observados os prazos de prescrição previstos no art. 109 do Código Penal, nos termos do Enunciado nº 415 da Súmula do STJ. Descabe falar-se em necessária citação pessoal da recorrente quando da retomada do processo, visto que o fato de não ter sido encontrada, quando da instauração da ação penal, deu ensejo à citação por edital e, por conseguinte, à suspensão do curso do processo e do prazo prescricional, de modo que, passados mais de 13 (treze) anos do fato em si, operou-se, sobre essa fase do processo, a preclusão, devendo o feito ter o seu regular prosseguimento.
STJ, RHC 69.270/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 26/08/2016.
O período máximo de suspensão da fluência do prazo prescricional, na hipótese do art. 366 do CPP, corresponde ao que está fixado no art. 109 do CP, observada a pena máxima cominada para a infração penal (Precedentes).
STJ, HC 159429/SP, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJe 2/8/2010.
IV – A nova redação do art. 116, CP à Luz da Redação dada pelo Pacote Anticrime
O Pacote Anticrime reformou a redação do inciso II do art. 116, CP, trazido pela Reforma da Parte Geral do CP de 1984, e introduziu os incisos III e IV. Ou seja, foi levado a efeito uma ampliação das hipóteses legais que são aptas a ensejar a suspensão do prazo prescricional que incide sobre a pretensão punitiva que se dá antes do trânsito em julgado do decisum condenatório criminal.
Assim, a hipótese do inciso I do art. 116, CP, permaneceu incólume e neste sentido o prazo prescricional continua a não correr enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime sob persecução criminal. Outrossim, o inciso II do art. 116, CP, passou a ter uma nova redação, mas sem mudança substancial, havendo tão somente a substituição da expressão “pena no estrangeiro” por “pena no exterior”. E neste sentido, permanece a mens legis de que a prescrição da pretensão punitiva é suspensa enquanto o réu cumpre pena em outro país.
Foi inaugurada a hipótese do inciso III do art. 116, CP, que enseja a suspensão do prazo prescricional na pendência de Embargos de Declaração opostos e de recursos interpostos em face dos Tribunais Superiores, notadamente STJ e STF, quando estes remédios recursais são inadmissíveis. Também foi trazido à baila o novel inciso IV do art. 116, CP que introduziu a hipótese de suspensão da prescrição enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal no contexto de persecução criminal nos termos do novo art. 28-A, CPP, também trazido à lume pelo Pacote Anticrime, que determina que “Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:”
Noutro giro, como já antecipado acima, foi manutenida a redação original do parágrafo único do art. 116, CP, que permanece o mesmo desde a promulgação do CP em 1940. Dessa forma, a prescrição da pretensão executória (após passada em julgado a sentença penal condenatória), continua a não correr durante o tempo em que o condenado está preso devido à condenação pela perpetração de outra infração penal.
V – Quadro Comparativo Relativo ao art. 116, CP Antes e Depois da Reforma do Pacote Anticrime
Abaixo trago um quadro comparativo onde se pode ter uma visão panorâmica do art. 116, CP antes e depois da redação dada pelo Pacto Anticrime:
VI – Questões de Concurso
O tema das causas impeditivas da prescrição tem sido cobrado em provas de concurso da seguinte forma:
01 – 2008 – FCC – TRF/5ª Região – Analista Judiciário (Modificada)
Inclui-se dentre as causas impeditivas da prescrição
A) a continuação do cumprimento pelo agente de pena.
B) a reincidência.
C) o início do cumprimento pelo agente da pena.
D) a sentença condenatória recorrível.
E) o cumprimento pelo agente de pena no exterior.
02 – 2016 – CAIP/IMES – Câmara Municipal de Atibaia/SP – Advogado
Assinale a alternativa correta.
É causa impeditiva da prescrição:
A) o recebimento da denúncia ou da queixa
B) a pronúncia; a decisão confirmatória da pronúncia.
C) depois de passada em julgado a sentença condenatória, o lapso temporal em que o condenado está preso por outro motivo.
D) a publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis.
03 – 2017 – CESPE – TRF /1ª REGIÃO – Técnico Judiciário
Julgue o próximo item, acerca da ação penal e da extinção de punibilidade.
O cumprimento de pena no estrangeiro é causa interruptiva de prescrição, assim como a reincidência.
( ) Certo ( ) Errado
04 – 2018 – FCC – Câmara Legislativa do Distrito Federal – Procurador Legislativo (Modificada)
Julgue o item que segue. A prescrição da pretensão punitiva não corre enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro.
( ) Certo ( ) Errado
05 – 2009 – FUMARC – DPE/MG – Defensor Público
Se a existência de crime depender de solução que o juiz criminal repute séria e fundada, relacionado ao estado civil das pessoas, ficará suspenso o curso do processo até que no juízo civil seja a questão resolvida por sentença transitada em julgado (artigo 92 do CPP). Ocorrendo a situação acima descrita, em relação à prescrição, é CORRETO afirmar:
A) Não corre a contagem do prazo prescricional.
B) Não sofre qualquer interrupção ou suspensão, porque o Ministério Público torna-se legitimado para propor a ação civil.
C) Se não houver recurso da acusação contra a decisão que suspendeu o curso do processo, não haverá suspensão do prazo prescricional.
D) A responsabilidade civil é independente da criminal, por isso não há a interrupção do prazo prescricional.
E) As normas de direito processual penal são independentes e não guardam relação com as normas de prescrição que são de direito material
VII – Gabarito Comentado das Questões
Questão 01 – Letra E – De acordo com o que ordena o art. 116, CP, já à luz da reforma promovida pelo Pacote Anticrime, verbis: Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II – enquanto o agente cumpre pena no exterior; III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e IV – enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. Parágrafo único – Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
Questão 02 – Letra C – Considerando o que prescreve o art. 116, CP, já à luz da reforma promovida pelo Pacote Anticrime, verbis: Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II – enquanto o agente cumpre pena no exterior; III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e IV – enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. Parágrafo único – Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
Questão 03 – ERRADO – Tendo em vista que o cumprimento de pena no estrangeiro é causa impeditiva de prescrição, de acordo com o art. 116. CP e não causa interruptiva de prescrição, que é tratada no art. 117, CP: O curso da prescrição interrompe-se: I – pelo recebimento da denúncia ou da queixa; II – pela pronúncia; III – pela decisão confirmatória da pronúncia; IV – pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; VI – pela reincidência.
Questão 04 – ERRADO – Levando em conta que é a prescrição da pretensão executória que não corre enquanto o agente cumpre pena no estrangeiro, nos termos do parágrafo único do art. 116, CP: Parágrafo único – Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
Questão 05 – Letra A – De acordo com o que ordena o art. 116, CP, já à luz da reforma promovida pelo Pacote Anticrime, verbis: Antes de passar em julgado a sentença final, a prescrição não corre: I – enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do crime; II – enquanto o agente cumpre pena no exterior; III – na pendência de embargos de declaração ou de recursos aos Tribunais Superiores, quando inadmissíveis; e IV – enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo de não persecução penal. Parágrafo único – Depois de passada em julgado a sentença condenatória, a prescrição não corre durante o tempo em que o condenado está preso por outro motivo.
VIII – Referências Bibliográficas
- BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de direito penal: parte geral, 1, São Paulo: Saraiva, 2018.
- GRECO, Rogério. Código Penal Comentado, Niterói: Editora Impetus, 2017.
- NUCCI, Guilherme Souza. Código Penal Comentado, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.