Quando uma empresa ingressa com um pedido de recuperação judicial, a discussão sobre o momento de existência do crédito é importante para saber ser ele será inserido na recuperação judicial da empresa. Isso ocorre por força do art. 49, caput, da Lei 11.101/05:
“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.”
No entanto, o que seriam créditos existentes? Se o trabalhador fez horas extras antes do pedido de recuperação, mas não recebeu, já seria um crédito existente mesmo que a sentença que condenou o empregador fosse posterior ao requerimento de recuperação judicial?
E se o empregado sofreu danos morais antes, mas a sentença somente condenou a empresa após o pedido de recuperação judicial, a indenização estaria sujeita à recuperação judicial?
O Superior Tribunal de Justiça entende que a data da decisão judicial não é o fato gerador, mas sim a ocorrência do evento (a prestação de serviços ou o dano). Julgou o Tema Repetitivo 1.051. Veja um trecho da ementa:
“RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITO. EXISTÊNCIA. SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. (…) DATA DO FATO GERADOR. (…) 4. A existência do crédito está diretamente ligada à relação jurídica que se estabelece entre o devedor e o credor, o liame entre as partes, pois é com base nela que, ocorrido o fato gerador, surge o direito de exigir a prestação (direito de crédito). 5. Os créditos submetidos aos efeitos da recuperação judicial são aqueles decorrentes da atividade do empresário antes do pedido de soerguimento, isto é, de fatos praticados ou de negócios celebrados pelo devedor em momento anterior ao pedido de recuperação judicial, excetuados aqueles expressamente apontados na lei de regência.” (REsp 1842911/RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção, DJe 17/12/2020)
A corte superior fixou, então, a seguinte tese:
“Para o fim de submissão aos efeitos da recuperação judicial, considera-se que a existência do crédito é determinada pela data em que ocorreu o seu fato gerador.”
A ideia é reforçada pelo fato de que o Juiz do Trabalho pode pedir a reserva do valor na recuperação judicial. Logo, mesmo não tendo havido sentença ou coisa julgada, pode ser feito essa solicitação, o que reforça que o crédito existente não se refere ao julgamento. Leia o art. 6º, § 3º, da Lei 11.101/05:
“Art. 6º (…)
§ 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.”
Aliás, outro ponto extremamente relevante refere-se ao fato de que a sociedade devedora pode incluir o débito mesmo sem condenação judicial, o que foi magistralmente esclarecido no voto do Ministro relator, cujo trecho transcrevo:
“Ademais, a sociedade que requerer sua recuperação judicial deverá indicar na petição inicial da ação a relação integral dos empregados e apontar os valores pendentes de pagamento (artigo 51, IV, da Lei nº 11.101/2005), sem que esses créditos necessariamente tenham sido exigidos em reclamação trabalhista, tudo a indicar que a constituição do crédito independe de declaração judicial.
Acrescente-se, ainda, que caso o administrador judicial, a partir da análise dos documentos fornecidos pela recuperanda, apure a existência de algum crédito não indicado pelo devedor, poderá incluí-lo na relação de credores, não estando essa providência condicionada a precedente ação judicial que o declare.
Diante disso, conclui-se que a submissão do crédito aos efeitos da recuperação judicial não depende de sentença que o declare ou o quantifique, menos ainda de seu trânsito em julgado, bastando a ocorrência do fato gerador, conforme defende a segunda corrente interpretativa mencionada, entendimento adotado pela iterativa jurisprudência desta Corte, (…)”