Uma das grandes evoluções no âmbito do direito previdenciário que impactou positivamente a perícia relacionada a doenças equiparadas a acidente de trabalho cuida do nexo técnico epidemiológico previdenciário. Esse cruzamento de dados estatísticos entre a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e a Classificação Internacional de Doenças (CID) permitiu não apenas uma maior uniformidade na investigação de nexo causal no âmbito da autarquia previdenciária, como também afetou diretamente o Processo do Trabalho.
Este nexo foi introduzido no ordenamento no art. 21-A da lei 8.213/91:
“Art. 21-A. A perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa ou do empregado doméstico e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças (CID), em conformidade com o que dispuser o regulamento.”
Além de servir como parâmetro para peritos médicos nomeados pelo juízo, no campo da análise técnica e científica exigida (art. 473, II, do CPC), o art. 21-A da Lei 8.213/91 permitiu o reconhecimento do nexo causal para fins de responsabilidade civil na Justiça do Trabalho.
Nessa direção segue a linha do enunciado 42 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho:
“ACIDENTE DO TRABALHO. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO. Presume-se a ocorrência de acidente do trabalho, mesmo sem a emissão da CAT – Comunicação de Acidente de Trabalho, quando houver nexo técnico epidemiológico conforme art. 21-A da Lei 8.213/1991.”
O Tribunal Superior do Trabalho também chancelou o uso do nexo técnico por diversas vezes, conforme se exemplifica no seguinte julgado que impôs o óbice processual da Súmula 126 e manteve a condenação empresarial proferida no Tribunal Regional:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. DOENÇA OCUPACIONAL. RESPONSABILIDADE DO EMREGADOR. O Regional, com base nas provas, mormente o laudo pericial, asseverou que a doença que acometeu a reclamante tinha nexo de concausa com as suas atividades na empresa, bem como concluiu pela responsabilidade da reclamada porque configurado o nexo técnico epidemiológico previdenciário (NTEP). Diante do quadro fático delineado pelo Tribunal a quo, cujo teor é insuscetível de reexame nesta instância superior, nos termos da Súmula nº 126 do TST, descabe cogitar de ofensa aos dispositivos constitucionais e legais indicados, dados os pressupostos fáticos nos quais se baseou o Tribunal a quo, não mais discutíveis nesta instância de natureza extraordinária. (…) (AIRR-415-55.2017.5.05.0023, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 07/06/2019).”
Veja o trecho de um outro julgado, mas que trata da estabilidade acidentária:
“(…) Os atestados colacionados aos autos permitem concluir que, desde 2016, o impetrante vem sofrendo de patologias relacionadas à coluna vertebral. A dispensa, em 06/05/2019, ocorreu quatro dias após o retorno do gozo de benefício previdenciário concedido em razão de cirurgia para tratar hérnia de disco. A descrição das atividades, per si , já indicam que o labor executado pelo empregado era manual, exigindo a utilização de força. Não obstante, há, ainda, Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário entre a atividade de fabricação de pneumáticos (CNAE 2211-1/00), atividade da empregadora, e doenças do sistema osteomuscular (CID M40-54 e M60-79), enfrentadas pelo impetrante. Tais elementos fáticos, constantes de prova documental pré-constituída, permitem concluir no sentido do preenchimento dos requisitos contidos no art. 300 do CPC/2015. (…)” (RO-21951-53.2019.5.04.0000, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 09/10/2020).
Nesse particular, diante da possibilidade de uso do nexo técnico epidemiológico previdenciário no campo trabalhista, não se poderia, contudo, desconsiderar que a presunção é relativa, podendo ser afastada por prova em contrário. Essa lógica já se encontra expressa no âmbito previdenciário, por força do art. 21-A, § 1º, da Lei 8.213/91:
“Art. 21-A (…)
§ 1º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto neste artigo quando demonstrada a inexistência do nexo de que trata o caput deste artigo.”
Dessa forma, introduziu-se, de forma indireta, uma inversão do ônus probatório. A partir de então, posição significativa da jurisprudência passou a atribuir ao empregador ou tomador de serviços o encargo de afastar o nexo causal. Transcreve-se exemplo:
“(…) RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAL E MORAL. NEXO TÉCNICO EPIDEMIOLÓGICO. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL – DOENÇAS DE CUNHO DEGENERATIVO. O eg. Tribunal Regional, tendo em vista o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário(NTEP), deu provimento ao recurso ordinário da reclamante para deferir indenização por dano moral e material. O NTEP gera apenas presunção relativa de que a doença apresentada possui nexo de causalidade com o trabalho desenvolvido. No presente caso, o nexo epidemiológico foi elidido por prova em sentido contrário, diante da conclusão do laudo médico de que as enfermidades apresentadas pela parte autora não possuem nexo de causa e efeito com o trabalho desempenhado na reclamada, por se tratarem de lesões com causas congênitas e degenerativas. Dessa forma, inviável o reconhecimento de doença ocupacional. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (RR-21386-74.2015.5.04.0406, 6ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos, DEJT 20/09/2019).”
No entanto, diferentemente do que pode parecer, não existe qualquer prevalência da perícia judicial sobre a perícia do INSS. Ressalte-se, por oportuno, que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, na forma do art. 479 do CPC:
“Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371 , indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.”
Assim, embora assuma maior encargo argumentativo, o juiz pode afastar as conclusões do perito judicial em prol da perícia da autarquia. O Tribunal Superior do Trabalho valida o livre convencimento motivado do juiz nesse sentido:
“ESTABILIDADE PROVISÓRIA. REQUISITOS. CONCESSÃO DE AUXÍLIO DOENÇA ACIDENTÁRIO. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. 1 – Cuida a controvérsia, no aspecto, do direito à estabilidade provisória no caso em que o INSS entende que houve nexo de causalidade entre a doença e as atividades laborais, de forma a conceder auxílio doença na modalidade acidentária, e o laudo pericial produzido em juízo conclui no sentido contrário. 2 – Diante de tal contexto, entendeu o Tribunal Regional que prevalece a conclusão do INSS, motivo pelo qual reconheceu o direito do empregado à estabilidade provisória. Para tanto, registrou que “o fato de a perícia judicial ter concluído pela inexistência de nexo de causalidade” (fl. 470) não afasta o direito à estabilidade provisória, haja vista a concessão do auxílio-doença acidentário e o afastamento por mais de quinze dias. 3 – Não há uma prevalência absoluta e a priori da prova pericial produzida em juízo sobre as conclusões do INSS acerca da configuração do nexo técnico-epidemiológico para fins de concessão de auxílio-doença acidentário nos termos do art. 118 da Lei nº 8.213/91. Cumpre ressaltar, inclusive, que o juiz não se vincula às conclusões do perito, mas decide de forma fundamentada conforme seu livre convencimento, adotando ou não as conclusões lançadas no laudo pericial. (…) (ARR-410-20.2016.5.11.0017, 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 09/11/2018).”
A existência desse estudo estatístico previdenciário gerou consequências mais amplas que as pretendidas inicialmente, influenciando diretamente a prova no Processo Trabalho. O nexo técnico mencionado, aliado a outros documentos de extrema relevância tais como PPRA, LTCAT, PCMSO, dentre outros, além do exame médico especializado, tornou mais segura a identificação do trabalho como causa ou mesmo concausa.