A criação de um banco de horas foi uma das alternativas fornecidas aos empregadores pela Medida Provisória nº 927/2020 como forma de enfrentar a pandemia do novo coronavírus:
“Art. 3º Para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre outras, as seguintes medidas:
V – o banco de horas;”
As especificidades desse banco de horas foram delineadas no art. 14 da Medida Provisória:
“Art. 14. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, ficam autorizadas a interrupção das atividades pelo empregador e a constituição de regime especial de compensação de jornada, por meio de banco de horas, em favor do empregador ou do empregado, estabelecido por meio de acordo coletivo ou individual formal, para a compensação no prazo de até dezoito meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública.
§ 1º A compensação de tempo para recuperação do período interrompido poderá ser feita mediante prorrogação de jornada em até duas horas, que não poderá exceder dez horas diárias.
§ 2º A compensação do saldo de horas poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.”
O primeiro ponto que atrai atenção refere-se à instituição de banco de horas em “favor do empregador ou do empregado”, expressão assaz genérica e autorizadora de diversas interpretações conflitantes.
Estaríamos tratando somente de acúmulo de horas extras por aqueles que trabalham em sobrejornada (seja em atividades essenciais, seja em atividades não essenciais que continuaram em funcionamento ainda que parcial)? Ou estaríamos também admitindo a possibilidade de constituição de banco de horas negativo (as horas que o empregado deixou de trabalhar durante a calamidade poderiam ser objeto de compensação com horas extras futuras, depois que a calamidade deixar de existir)? A resposta ainda é vaga depende da interpretação que será consolidada no futuro com processos judiciais que provavelmente chegarão à Justiça do Trabalho.
O segundo ponto refere-se ao tempo de compensação do banco de horas. Perceba que, além de ser um tempo significativo, ele é contado do fim da calamidade e não da realização das horas extras.
Além disso, o prazo de 18 meses é muito superior aos prazos de 1 ano e de 6 meses previstos respectivamente no art. 59, §§ 2º e 5º, da CLT:
“Art. 59 (…)
§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de um ano, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
§ 5º O banco de horas de que trata o § 2o deste artigo poderá ser pactuado por acordo individual escrito, desde que a compensação ocorra no período máximo de seis meses.”
O terceiro ponto relevante refere-se à possibilidade de estabelecimento deste banco de horas mediante acordo individual formal. Aliás, “formal” pressuporia que seja a avença escrita? Acredito que seria complicado entender diferentemente, porquanto formalidades pressupõem a exteriorização concreta, ritualística (ainda que simples) e cabalmente comprovável de uma ocorrência.
O quarto ponto abrange a possibilidade de compensação das horas ser determinada pelo empregador independentemente de norma coletiva ou ajuste individual, conforme parágrafo segundo. A regra pode parecer inicialmente desnecessária, porquanto esta possibilidade é inerente à grande maioria dos bancos de horas: o empregador define o momento da compensação.
No entanto, não se pode rejeitar que critério diverso pode ser estabelecido em norma coletiva, a qual poderia, por exemplo, impor a concordância do obreiro. Partindo dessa premissa, nota-se que a medida visa claramente isentar o empregador de qualquer critério diverso estabelecido em norma coletiva ou mesmo ajuste individual anterior à calamidade.
O último ponto refere-se ao limite de duas horas extras, respeitada a jornada máxima de dez horas diárias, na forma do parágrafo primeiro. Muito embora a informação possa, em princípio, ser uma mera repetição do que o texto celetista fixa para o banco de horas, a fixação clara de limites pode impedir abusos na sobrejornada, obstando exigência patronais que comprometam a saúde do trabalhador.