A impenhorabilidade do bem de família configura uma das formas de concretização do direito fundamental à moradia previsto no art. 6º da Constituição Federal. A delimitação infraconstitucional do conceito de bem de família encontra-se no art. 1º da Lei 8.009/90 e no art. 1.712 do Código Civil:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”
“Art. 1.712. O bem de família consistirá em prédio residencial urbano ou rural, com suas pertenças e acessórios, destinando-se em ambos os casos a domicílio familiar, e poderá abranger valores mobiliários, cuja renda será aplicada na conservação do imóvel e no sustento da família.”
Estabelecidas essas premissas, muito se debateu sobre a eventual preclusão temporal da tese defensiva do executado. Assim, quando a matéria (impenhorabilidade do bem de família) não foi arguida na primeira oportunidade de se falar nos autos após a eventual constrição de bem que se enquadre no aludido conceito, haveria preclusão? Ou a matéria seria de ordem pública?
Na hipótese de ser reconhecida a matéria como de ordem pública, se o executado deixar de alegar a tese em sede de embargos à execução, por exemplo, nada impediria que sustentasse sua defesa em sede de petição interlocutória posterior ou mesmo em eventual impugnação à arrematação do bem.
Nesse particular, o Tribunal Superior do Trabalho reconhece que se trata de matéria de ordem pública, permitindo a alegação de bem de família enquanto não exaurida a execução. Transcrevem-se julgados nesse sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA – DESCABIMENTO. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. COISA JULGADA. A jurisprudência desta Corte está orientada no sentido de que a alegação de bem de família, por se tratar de matéria de ordem pública, pode ser feita a qualquer tempo, enquanto não exaurida a execução, não havendo que se cogitar de ofensa ao art. 5º XXXVI, da CF. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e desprovido” (AIRR-1502-54.2011.5.02.0471, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 06/12/2019).
“(…) II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE DE BEM DE FAMÍLIA SUSCITADA APÓS A ARREMATAÇÃO DECRETADA NULA. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PRECLUSÃO TEMPORAL. INOCORRÊNCIA. NEGATIVA DE EXAME POR PARTE DO TRIBUNAL REGIONAL SOB A ALEGAÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE DA ARGUIÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. CARACTERIZAÇÃO. Extrai-se do acórdão recorrido a circunstância fática de que, embora tenha ocorrido arrematação do bem, em momento anterior, esta foi decretada nula, em razão da ausência de notificação do agravado (exequente). Nesse contexto, não há que se falar em intempestividade da posterior arguição de impenhorabilidade do bem de família , vez que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a matéria é de ordem pública , não estando sujeita à preclusão , podendo ser arguida enquanto não for efetivamente exaurida a fase de execução, o que ainda não ocorreu no caso dos autos, em vista da nulidade da arrematação anteriormente ocorrida. Precedentes do TST e do STJ. Por conseguinte, caracteriza cerceamento de defesa a negativa do Tribunal Regional em examinar a impenhorabilidade do bem de família, sob a alegação de ser intempestiva sua arguição. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-80600-69.1991.5.04.0007, 5ª Turma, Relator Desembargador Convocado João Pedro Silvestrin, DEJT 19/12/2019).
“(…) EXECUÇÃO. COMPROVAÇÃO DE QUE O IMÓVEL PENHORADO CONSTITUI BEM DE FAMÍLIA. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. ARGUIÇÃO NA FASE DE EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE. OFENSA À COISA JULGADA NÃO CONFIGURADA. Trata-se de controvérsia sobre a possibilidade ou não de reconhecimento do bem de família, para fins de impenhorabilidade, após a expedição da carta de adjudicação. O Juízo de origem entendeu que a alegação de impenhorabilidade do bem de família, levantada pelo segundo executado, estava preclusa, pois, ” mesmo podendo a impenhorabilidade do bem de família ser alegada por simples petição, ela deve ser arguida em momento oportuno, e não após concluído todo o processo de adjudicação, com expedição da carta e já com o registro no Cartório de Imóveis “. O Regional, por sua vez, deu parcial provimento ao agravo de petição interposto pela esposa do segundo executado para reformar a sentença e determinar o cancelamento da constrição sobre o imóvel, por considerar que, ‘em face da incontrovérsia de que o imóvel é a residência do sócio executado, sua esposa e filhos, trata-se de bem impenhorável , nos termos do art. 1º da Lei nº. 8.009/90, além de não estarem presentes quaisquer das exceções do seu art. 3º’. Nesse contexto, concluiu a Corte a quo que, ao contrário das assertivas do exequente, não há falar em preclusão nem em ofensa à coisa julgada, porque a impenhorabilidade do bem de família é matéria de ordem pública e o seu desrespeito é causa de nulidade absoluta, arguível a qualquer tempo, até o final da execução, podendo ser conhecida de ofício. De fato, pacificou-se nesta Corte superior o entendimento de que a nulidade da penhora que recai sobre o bem de família pode ser alegada em qualquer momento e até mesmo por simples petição, porquanto se trata de nulidade absoluta, sem que se possa falar em preclusão. Nesse sentido, aliás, já se pronunciou o Superior Tribunal de Justiça (precedentes). Assim, a jurisprudência deste Tribunal Superior também vem firmando o entendimento de que a alegação de existência de bem de família, para fins de impenhorabilidade, por se tratar de questão de ordem pública, não é passível de preclusão, podendo ser arguida enquanto não exaurida a execução (precedentes). (…) ” (RR-105200-69.2005.5.15.0004, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 22/09/2017).