O enquadramento do imóvel residencial em que habita o devedor como bem de família já foi há muito tempo sedimentado no âmbito normativo (Lei 8.009/90) e consolidado em sede jurisprudencial.
Aliás, o art. 1º do referido diploma informa: “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”.
Entretanto, sempre ressurge a discussão sobre a manutenção dessa impenhorabilidade quando se trata de bem imóvel luxuoso ou suntuoso, cuja alienação em execução trabalhista permitiria que o antigo proprietário quitasse suas dívidas exequendas e, ainda assim, com o valor remanescente, não ficasse privado da proteção à família que o legislador busca assegurar.
De fato, para a corrente que não admite a presunção absoluta de impenhorabilidade, desde que preservada a possibilidade de o executado adquirir nova moradia de padrão médio com os valores restantes decorrentes da utilização do produto da alienação judicial de bem suntuoso, nada obstaria a constrição desse imóvel de alto padrão. Nessa direção mencionamos o seguinte julgado do TRT da 1ª Região:
BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL SUNTUOSO. PRESERVAÇÃO DA MORADIA DO EXECUTADO, SEM PREJUÍZO DO CRÉDITO ALIMENTAR TRABALHISTA. CONFLITO APARENTE, POIS A ANÁLISE FÁTICA DEMONSTRA A DESPROPORÇÃO ENTRE O VALOR DO BEM E O CRÉDITO TRABALHISTA. Considera-se que, tratando-se de imóvel suntuoso, o crédito trabalhista, ante sua natureza alimentar, é preferencial, autorizando a penhora, desde que preservada a possibilidade de o devedor adquirir bem de igual natureza. Agravante: Paulo Tharso Silva de Abreu Agravado: Claudemir Xavier de Mattos União Federal Relatora: Giselle Bondim Lopes Ribeiro0205800-49.2000.5.01.0009 – DEJT 28-04-2016
Esse entendimento realmente parece muito atraente para parte da doutrina, porquanto o próprio legislador já havia acenado para a possibilidade de penhora de bens móveis integrantes da residência que ultrapassassem as necessidades médias do ser humano, conforme art. 833 do CPC: “São impenhoráveis: II – os móveis, os pertences e as utilidades domésticas que guarnecem a residência do executado, salvo os de elevado valor ou os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a um médio padrão de vida”.
Aliás, vale lembrar de que o art. 2º, caput, da Lei 8.009/90 explana: “Excluem-se da impenhorabilidade os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos”.
Embora os preceitos também se refiram a bens móveis, a regra evidenciaria a intenção do legislador de afastar bens de valor que exceda as necessidades médias do ser humano, o que poderia, segundo a corrente mencionada, ser aplicado no raciocínio referente à impenhorabilidade de imóveis.
Ademais, os princípios da redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII, CF) e da função social da propriedade (art. 170, III, CF) orientam a ordem econômica, a qual, conforme preceitua o art. 170, caput, está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa e visa assegurar a todos existência digna, de acordo com a justiça social. Nesse contexto, tendo em vista essa premissa e considerando a natureza alimentar do crédito trabalhista, haveria, para essa posição, a possibilidade de penhora a residência que fosse luxuosa ou suntuosa.
Entretanto, não tem sido essa a orientação do Tribunal Superior do Trabalho, o qual tem reconhecido que a Lei 8.009/90 não especificou essa exceção. Transcrevemos os seguintes julgados do TST:
“RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO . IMÓVEL DE ELEVADO VALOR. BEM DE FAMÍLIA. CARACTERIZAÇÃO. IMPENHORABILIDADE. Esta Corte admite o exame da matéria em fase de execução, quando a interpretação ampliativa atribuída a norma infraconstitucional venha a violar o direito à moradia. Nos termos do art. 1º da Lei nº 8.009/1990, “o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei”. Na hipótese, a evidência da natureza de bem de família do imóvel gravado, ainda que suntuoso, impede a sua penhora para a garantia de dívida. Recurso de revista conhecido e provido” (RR-427-27.2011.5.02.0035, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 22/11/2019). (negrito nosso)
(…) II – RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELOS RECLAMADOS. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. PROCESSO EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. BEM DE FAMÍLIA. IMÓVEL DE ALTO VALOR. PENHORA. IMPOSSIBILIDADE . O Tribunal Regional entendeu ser válida a constrição do bem de família, sob o fundamento de que não se pode conferir proteção especial a imóvel suntuoso e de alto valor. Contudo, esta Corte Superior entende que o fato de o imóvel possuir alto valor não retira a proteção atribuída ao bem de família, porque a regra acerca da impenhorabilidade do bem de família admite apenas exceções legalmente previstas (rol taxativo disposto no art. 3º da Lei 8.009/90), dentre as quais não se inclui a hipótese dos autos. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (…) (ARR-524200-63.2002.5.09.0003, 8ª Turma, Relator Ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 14/09/2018). (negrito nosso)
Como se vê, o Tribunal Superior do Trabalho entende que as hipóteses de exceção da impenhorabilidade do bem de família estão taxativamente previstas em lei, não podendo ser o rol ampliado sem previsão legal. Analisando a lei, há previsão de exceções na lei do bem de família, mas não está indicado o bem luxuoso ou suntuoso dentre elas:
“Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
I – (Revogado pela Lei Complementar nº 150, de 2015)
II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato;
III – pelo credor da pensão alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida; (Redação dada pela Lei nº 13.144 de 2015)
IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;
V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar;
VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens.
VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.”
Assim, partindo dessa premissa e considerando o direito à moradia assegurado no art. 6º da Constituição Federal, o TST não tem admitido a penhora de residências que sejam bem de família pelo fato de possuir valor extremamente alto.
Aliás, apenas para visualizar que a posição do Tribunal Superior do Trabalho caminha no mesmo sentido de outros Tribunais, segue o julgado do Superior Tribunal de Justiça, o qual reconhece essa impenhorabilidade:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO DE PENHORA. IMÓVEL DE LUXO. IRRELEVÂNCIA. ACÓRDÃO QUE CONCLUIU NÃO SE TRATAR DE IMÓVEL SUNTUOSO. AUSÊNCIA DE EXCEÇÃO PARA AFASTAR SUA IMPENHORABILIDADE. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULAS N. 7 E 83/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. A respeito da impenhorabilidade de bem imóvel de luxo, o Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que “a Lei nº 8.009/90 não estabelece qualquer restrição à garantia do imóvel como bem de família no que toca a seu valor nem prevê regimes jurídicos diversos em relação à impenhorabilidade, descabendo ao intérprete fazer distinção onde a lei não o fez” (AgRg no REsp 1.397.552/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 20/11/2014, DJe 27/11/2014). (…) (AgInt no AREsp 907.573/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/09/2016, DJe 30/09/2016)