O dano existencial constitui uma espécie de dano imaterial diretamente relacionado ao prejuízo à vida pessoal (metas, desejos, objetivos, projetos de vida, lazer) e o convívio comunitário (interações familiares e sociais).
O aludido dano também decorre da violação do direito fundamental social ao lazer e ao descanso, conforme já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho:
“RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. 1. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTENUANTE. NÃO CONHECIMENTO. I. O entendimento desta Corte Superior é no sentido de que a submissão do empregado a jornada extenuante que ” subtraia do trabalhador o direito de usufruir de seus períodos de descanso, de lazer, bem como das oportunidades destinadas ao relacionamento familiar, ao longo da vigência do pacto contratual ” configura dano existencial. II. Tendo a Corte Regional concluído que “da jornada descrita, denota-se claramente a falta de preservação do convívio familiar, bem como relaxamento, lazer, direitos estes inerentes a qualquer trabalhador”, a decisão regional está de acordo com a iterativa, notória e atual jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, o que inviabiliza o processamento do recurso de revista, conforme os óbices do art. 896, §7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST. III. Recurso de revista de que não se conhece. (…)” (RR-1001084-55.2013.5.02.0463, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 22/11/2019).
Muito se debateu sobre a eventual existência de dano existencial pela ocorrência de jornada excessiva. Questionou-se se haveria esse dano como consequência do limite de jornada diário e/ou semanal ter sido ultrapassado.
Nesse ponto, o Tribunal Superior do Trabalho tem adotado a posição de que esse dano não decorre desse mero excesso de jornada, conforme se constata das seguintes decisões:
“(…)B) RECURSO DE REVISTA. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXCESSIVA. O mero descumprimento de obrigações trabalhistas, como a imposição de jornada excessiva, por si só, não é capaz de ensejar o reconhecimento automático da ofensa moral e, consequentemente, do dever de indenizar, sendo necessária a demonstração da repercussão do fato e a efetiva ofensa aos direitos da personalidade, situação não verificada no caso concreto. Recurso de revista conhecido e provido” (ARR-10147-19.2017.5.15.0076, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 07/01/2020).
“AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXTENUANTE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE CONVÍVIO FAMILIAR E SOCIAL. Esta Corte tem firme jurisprudência no sentido de que a jornada de trabalho extensa, pela prestação de horas extras, por si só, não enseja a indenização por dano existencial. Há necessidade de demonstrar a efetiva impossibilidade de convívio familiar e social. Precedentes. O quadro fático descrito no acórdão regional não consigna que a jornada tenha efetivamente comprometido as relações do reclamante, fato constitutivo do dano existencial, razão pela qual deve ser mantida a decisão agravada. Considerando a improcedência do recurso, aplica-se à parte agravante a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC . Agravo não provido, com aplicação de multa” (Ag-RR-1001097-51.2017.5.02.0063, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 18/10/2019).
(…) 3. DANOS MORAIS. JORNADA DE TRABALHO EXCESSIVA. NÃO CONFIGURAÇÃO. Esta Corte, analisando casos como o dos autos, em que se postula indenização decorrente de jornada laboral excessiva, tem entendido tratar-se do denominado “dano existencial”, que, por seu turno, não é presumível – in re ipsa. De fato, para além da ilicitude resultante da superação do limite legal de prorrogação da jornada, cujos efeitos se resolvem com o pagamento correspondente (CLT, artigo 59) e com a sanção aplicável pelos órgãos de fiscalização administrativa (CLT, artigo 75), o prejuízo causado para o desenvolvimento de outras dimensões existenciais relevantes deve ser demonstrado, não decorrendo, ipso facto, da mera exigência de horas extras excessivas. Na hipótese dos autos, não há registro quanto à existência de elementos que indiquem ter havido a privação de dimensões existenciais relevantes (lazer, cultura, esporte e promoção da saúde, convívio familiar e social etc.), capazes de causar sofrimento ou abalo à incolumidade moral da Reclamante. Nesse contexto, não há falar em danos morais. Recurso de revista não conhecido ” (RR-20670-68.2015.5.04.0302, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 06/04/2018).
No entanto, o Tribunal considera que existem situações em que o excesso de jornada é tão significativo e habitual que seria impossível haver tempo para se dedicar a projetos pessoais, descanso mínimo, lazer ou convívio familiar e social, situação que atrai a incidência do dano mencionado:
“(…) DANO EXISTENCIAL. EXCESSO DE JORNADA . 1 – Recurso de revista interposto após a vigência da Lei nº 13.015/2014, e estão preenchidos os requisitos do art. 896, § 1º-A, da CLT. 2 – Esta Corte Superior vem se posicionado no sentido de que os danos existenciais não ficam configurados apenas pela jornada excessiva de trabalho, mas, sim, quando esteja demonstrado que, em razão da jornada excessiva, ocorra a supressão ou limitação de atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas ou quaisquer outras desenvolvidas pelo empregado fora do ambiente laboral. 3 – A Sexta Turma do TST, na Sessão de 26/04/2017, no ARR-1262-47.2010.5.20.0003, Ministro Augusto César Leite de Carvalho, reconheceu os danos existenciais evidentes na hipótese de jornada contínua superior a 12h, inclusive feriados, sem a observância de descanso obrigatório (naquele caso, o intervalo intrajornada), constando na fundamentação do julgado: ‘Não desconheço a jurisprudência desta Turma que se sedimentou na direção de ser necessária a comprovação do dano moral, sob o entendimento de que o trabalho em jornada excessiva, por si só, não conduz à conclusão de que o empregado tenha sofrido dano existencial. Entretanto, penso que o caso reclama reflexão sob a influência da hermenêutica constitucional – que confere sentido à ordem jurídica e investe os órgãos jurisdicionais de amplos poderes para garantir a efetividade dos direitos fundamentais, inclusive daqueles que concernem à dignidade humana, liberdade, saúde, honra – porquanto o excesso comprovadamente havido ao se exigir um regime de trinta dias de trabalho, com uma jornada superior a 12 horas, sem intervalo intrajornada, com labor aos domingos e feriados, dispensa demonstração dos prejuízos advindos ao descanso, lazer, convívio familiar e recomposição física e mental do reclamante’. 4 – Também no RR-922-11.2015.5.17.0101, na Sessão de 17/05/2017, Ministra Kátia Magalhães Arruda, foram reconhecidos os danos existenciais no seguinte caso: “além da jornada excessiva de 15h30 (5h30 a 21h), o reclamante trabalhava em todos os feriados sem compensação (…), sem a observância do intervalo interjornada (…); (…) o reclamante foi contratado para a função de montador em obra de construção de torres de linhas de transmissão de energia elétrica, tendo sido registrado no acórdão recorrido (tema “horas in itinere”) que trabalhava em locais de difícil acesso, não servido por transporte público regular, em montanhas de elevado aclive, em zonas rurais de acesso extremamente arriscado, nas Cidades Afonso Cláudio, Domingos Martins, Marechal Floriano e Viana, sendo necessárias entre duas e três horas de percurso (cada trecho percorrido)”. 5 – No caso em apreço, o reclamante era submetido a jornada excessiva de 15h30 (6h00 às 21h3h), seis dias por semana, com labor em feriados. Nesse contexto, registrou o TRT de origem que resultou comprovado que o tempo diário necessário ao trabalhador para o descanso, o convívio familiar e os compromissos sociais, próprios da condição humana, não foram respeitados pelo empregador. Em síntese: o contexto registrado no acórdão do Regional demonstra de plano que o reclamante vivia não apenas do trabalho, mas para o trabalho, tendo objetivamente limitadas suas atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas ou quaisquer outras desenvolvidas fora do ambiente laboral. 6 – Pelo exposto, deve ser mantida a conclusão do TRT quanto à configuração dos danos existenciais. 7 – Agravo de instrumento a que se nega provimento. (…)” (ARR-1001273-51.2016.5.02.0714, 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 22/11/2019).
“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. 1. DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXAUSTIVA. 15 (QUINZE) HORAS DIÁRIAS DE TRABALHO. MOTORISTA DE CARRETA. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. O dano existencial é espécie do gênero dano imaterial cujo enfoque está em perquirir as lesões existenciais, ou seja, aquelas voltadas ao projeto de vida (autorrealização – metas pessoais, desejos, objetivos etc) e de relações interpessoais do indivíduo. Na seara juslaboral, o dano existencial, também conhecido como dano à existência do trabalhador, visa examinar se a conduta patronal se faz excessiva ou ilícita a ponto de imputar ao trabalhador prejuízos de monta no que toca o descanso e convívio social e familiar. Nesta esteira, esta Corte tem entendido que a imposição ao empregado de jornada excessiva ocasiona dano existencial, pois compromete o convívio familiar e social, violando, entre outros, o direito social ao lazer, previsto constitucionalmente (art. 6º, caput). Na hipótese dos autos, depreende-se da v. decisão regional, que o reclamante exercia a função de motorista de carreta e fazia uma jornada de trabalho de segunda a sábado, das 7h00 às 22h00, totalizando um total de 15 (quinze) horas diárias de trabalho. Assim, comprovada a jornada exaustiva, decorrente da conduta ilícita praticada pela reclamada, que não observou as regras de limitação da jornada de trabalho, resta patente a existência de dano imaterial in re ipsa, presumível em razão do fato danoso. Recurso de revista não conhecido. (…)” (RR-1351-49.2012.5.15.0097, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 15/03/2019).
Ressalte-se que, ainda que se trate de hipótese de prejuízo à vida pessoal, o valor da indenização deve considerar diversos aspectos da existência daquele trabalhador em específico. Não se pode tratar a jornada como um elemento isolado, desprezando as relações interpessoais, as opções individuais, os estímulos, as oportunidades etc.
Leia esse julgado que, apesar de não ter havido deferimento de indenização, esclarece esse enfoque:
“AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. LEI Nº 13.015/2014. CPC/2015. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL. JORNADA DE TRABALHO EXCESSIVA. PREJUÍZO NÃO CONFIGURADO. Ao pretender se apropriar do conceito de existência, para envolvê-lo no universo do dever de reparação, o jurista não pode desconsiderar os aspectos psicológicos, sociológicos e filosóficos a ele inerentes. A existência tem início a partir do nascimento com vida – para alguns, até antes, desde a concepção -, e, desse momento em diante, tudo lhe afeta: a criação, os estímulos, as oportunidades, as opções, as contingências, as frustrações, as relações interpessoais. Por isso, não pode ser encarada simplesmente como consequência direta e exclusiva das condições de trabalho. Responsabilizar o empregador, apenas em decorrência do excesso de jornada, pela frustração existencial do empregado, demandaria isolar todos os demais elementos que moldaram e continuam moldando sua vida, para considerar que ela decorre exclusivamente do trabalho e do tempo que este lhe toma. Significaria ignorar sua história, para, então, compreender que sua existência depende tão somente do tempo livre que possui. É possível reconhecer o direito à reparação, quando houver prova de que as condições de trabalho efetivamente prejudicaram as relações pessoais do empregado ou seu projeto de vida. E mais: reconhecido esse prejuízo, é preciso sopesar todos os elementos outrora citados, como componentes da existência humana, para então definir em que extensão aquele fato isolado – condições de trabalho – interferiu negativamente na equação. Há precedentes. Na hipótese, o Tribunal Regional consignou que “não há nos autos qualquer elemento de prova que demonstre que as horas em sobrejornada laboradas tenham ocasionado qualquer prejuízo a eventual projeto de vida do autor, tampouco aos seus vínculos sociais e familiares e, até mesmo, a momentos de lazer”. Decisão em consonância com a jurisprudência desta Corte. Incidem, no caso, o disposto no artigo 896, § 7º, da CLT e o teor da Súmula nº 333 do TST. Agravo conhecido e não provido” (Ag-ARR-20083-78.2016.5.04.0571, 7ª Turma, Relator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 13/12/2019).