Perda de uma chance e extrapetição

STJ diferencia casos

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    Revela-se noção basilar que o juiz deve julgar, como regra, atendendo ao princípio da congruência, ou seja, deve se restringir aos limites da lide. Nessa linha, não pode, em princípio, julgar matérias diversas das demandadas e tampouco exceder os limites dos pedidos formulados pelas partes.

    Essa noção foi consagrada nos arts. 141 e 492 do CPC:

“Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”

    Ocorre que, quando o magistrado interpreta um pedido, pode terminar apreciando uma pretensão sob um enfoque diverso daquele apontado pela parte. É exatamente nesse ponto que surgem as divergências.

    Um dos casos mais interessantes envolve a indenização pela perda de uma chance. Trata-se de reparação pela frustração de uma oportunidade ou vantagem que iria, com grande probabilidade, ocorrer ou surgir, se não fosse obstada por um ato ilícito do ofensor.

    Quando se perde uma chance, esse dano pode ser tanto moral como material. A frustração pode impedir a obtenção de vantagens patrimoniais, mas também causar danos a direitos da personalidade.

    Daí surge a indagação: se houver um pedido de indenização por danos materiais por perda de uma chance, pode o juiz deferir a compensação dos danos morais pelo mesmo fato? Pode o juiz, entendendo que não há dano material, mas somente o dano moral, julgar procedente o pedido de indenização?

    O Superior Tribunal de Justiça entende de forma negativa, reconhecendo ser essa decisão extra petita:

RESPONSABILIDADE CIVIL. (…) PREJUÍZO MATERIAL PLENAMENTE INDIVIDUALIZADO NA INICIAL. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. CONDENAÇÃO EM DANOS MORAIS. JULGAMENTO EXTRA PETITA RECONHECIDO. (…) Assim, a pretensão à indenização por danos materiais individualizados e bem definidos na inicial, possui causa de pedir totalmente diversa daquela admitida no acórdão recorrido, de modo que há julgamento extra petita se o autor deduz pedido certo de indenização por danos materiais absolutamente identificados na inicial e o acórdão, com base na teoria da “perda de uma chance”, condena o réu ao pagamento de indenização por danos morais. (REsp 1190180/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 4ª TURMA, DJe 22/11/2010)

    Logo, não pode juiz transmudar o pedido e a causa de pedir. Convencido de que não existem danos materiais, deve o magistrado indeferir a pretensão, o que não impede que a parte interessada ajuíze uma nova demanda requerendo a compensação dos danos morais.

    Por outro lado, não há qualquer decisão extra petita quando o pedido é de indenização por danos morais formulado de forma genérica (sem especificar) e o juiz reconhece que se trata de indenização por perda de uma chance.

    Leia um julgado do STJ nesse último sentido:

“Cinge-se a controvérsia dos autos (i) a definir se houve julgamento extra petita decorrente da condenação pela perda de uma chance (…) Os pedidos formulados devem ser examinados a partir de uma interpretação lógico-sistemática, não podendo o magistrado se esquivar da análise ampla e detida da relação jurídica posta, mesmo porque a obrigatória adstrição do julgador ao pedido expressamente formulado pelo autor pode ser mitigada em observância aos brocardos da mihi factum dabo tibi ius (dá-me os fatos que te darei o direito) e iura novit curia (o juiz é quem conhece o direito). (…) Inexiste o alegado julgamento extra petita, pois o autor postulou indenização por danos materiais e as instâncias ordinárias condenaram o réu em conformidade com o pedido ao fundamento da perda de uma chance, apenas concedendo a reparação em menor extensão. (REsp 1637375/SP, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, 3ª TURMA, DJe 25/11/2020)

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