Poder Normativo da Justiça do Trabalho e seus limites segundo a jurisprudência do TST

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O Poder Normativo da Justiça do Trabalho tem assento constitucional (art. 114, § 2º, da CR/88). Também tem assento na Lei de Greve (art. 8° da Lei n° 7.783/89) e na Consolidação das Leis Trabalhistas (artigos 766 e 856 a 875 da CLT). As decisões resultantes do Poder Normativo, chamadas de sentenças normativas – são imperativas, impondo-se às partes, sejam empregados, sejam empregadores.

A jurisprudência da SDC do TST abraçou o entendimento de que a redação do § 2º do artigo 114 da CR/88, embora não tenha extirpado o poder normativo definitivamente da Justiça do Trabalho, fixou a necessidade do mútuo consenso das partes, ao menos tácito, como pressuposto intransponível para o ajuizamento do dissídio coletivo de natureza econômica.

Na realidade, a EC n.º 45/04, que introduziu a exigência do comum acordo para os dissídios coletivos, reduziu substancialmente o Poder Normativo da Justiça do Trabalho, transformando-o, na prática, em juízo arbitral estatal, dependente da vontade das partes em conflito, como já afirmado pelo TST.[1]

Porém, havendo greve, torna-se possível a propositura de dissídio coletivo independentemente de comum acordo, por qualquer das partes, empregador ou sindicato patronal e sindicato de trabalhadores, ou pelo Ministério Público do Trabalho (art. 114, § 3º, CR/88), cabendo à Justiça do Trabalho decidir sobre a procedência, total ou parcial, ou improcedência das reivindicações (art. 8º, Lei n.º 7.783/89).

A propósito do tema, vale registrar que o Plenário do STF, ao julgar o ARE 1.018.459/PR, de relatoria do Min. Gilmar Mendes (DJe de 10/03/17), fixou a seguinte tese de Repercussão Geral para o Tema 935: “É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados”.

O exercício dessa função jurisdicional atípica que é poder normativo deve se balizar pelos limites impostos na ordem jurídica trabalhista, um dos quais é o juízo de equidade inerente aos dissídios coletivos (art. 766 da CLT[2]), bem como o critério da manutenção das condições de trabalho preexistentes.

Assim, se a reivindicação da categoria profissional tem respaldo em cláusula preexistente, deve ser deferida e fixada na sentença normativa. Fato é que a decisão do Judiciário Trabalhista, ao dirimir o conflito instaurado, fica restrita aos mínimos preceitos legais e às cláusulas anteriormente negociadas.

É por isso que se afirma que o Poder Normativo da Justiça do Trabalho opera no branco da lei (Coqueijo Costa), instituindo novas e melhores condições de trabalho, desde que não onerem financeiramente as empresas ou interfiram na sua gestão, nem disponha sobre matéria com reserva legal, excetuada a hipótese da manutenção de cláusulas preexistentes, negociadas em acordos e convenções coletivas imediatamente anteriores à sentença normativa (CR/88, art. 114, § 2º).

Os limites do Poder Normativo da Justiça do Trabalho e os parâmetros que balizam seu exercício pelos Tribunais Trabalhistas são, segundo a SDC do TST[3]:

  • no seu piso, as normas legais e convencionais (CR/88, art. 114, § 2º, in fine), consideradas estas últimas aquelas preexistentes, ou seja, constantes do instrumento coletivo autônomo imediatamente anterior à sentença normativa (convenção ou acordo coletivo, bem como acordo homologado em dissídio coletivo);
  • nos seus patamares, as cláusulas econômicas, sociais e sindicais, que garantam justo salário aos trabalhadores e justa retribuição às empresas (CLT, art. 766) e representem avanços e garantias para a classe trabalhadora, sem se limitarem a repetir disposições legais;
  • no seu teto, a capacidade econômica das empresas e sua liberdade gerencial, bem como as matérias com reserva legal, não se podendo impor, via sentença normativa, normas e condições de trabalho, salvo preexistentes, que impliquem ônus financeiro aos empregadores ou interfiram em sua liberdade de gestão dos recursos produtivos, pois a via para a instituição de tais cláusulas econômicas é a negociação coletiva (cfr. precedentes da SDC do TST).

Mas, o que são cláusulas preexistentes? De acordo com a jurisprudência da SDC, cláusulas preexistentes, para fins de delimitação de condição anteriormente convencionada, são aquelas discutidas e fixadas por livre negociação entre as partes em acordo ou convenção coletiva ou sentença normativa homologatória de acordo, imediatamente anteriores à sentença normativa.

E, qual a diferença entre cláusulas preexistentes e cláusulas históricas? Segundo a jurisprudência, a diferença conceitual está em que as históricas são aquelas reiteradamente incluídas em instrumentos normativos da categoria, sejam eles autônomos (acordos e convenções coletivas, bem como acordos homologados em dissídios coletivos) ou heterônomos (sentenças normativas), enquanto as preexistentes são aquelas constantes da norma convencional a ser substituída pela sentença normativa, por ser a imediatamente anterior no tempo.[4]

A jurisprudência prevalecente na SDC do TST, após a edição da Lei n.º 13.467/17 – Reforma Trabalhista, segue no sentido de não admitir cláusulas históricas que não possam se enquadrar no conceito de cláusulas preexistentes, ou seja, aquelas constantes do instrumento normativo imediatamente anterior ao dissídio coletivo e que este instrumento normativo seja de natureza autônoma, consubstanciado em convenção ou acordo coletivo de trabalho (cfr. TST-DCG-1001203-57.2020.5.00.0000, Red. Min. Ives Gandra, julgado em 21/09/20).

Se o caso envolver preexistência de normas convencionais, devem elas serem respeitadas pela Justiça do Trabalho ao solver heteronomamente o conflito coletivo de trabalho, como imperativo constitucional (CR/88, art. 114, § 2º, in fine). (RO-4-72.2019.5.10.0000, SDC, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 22/10/2021).

Outrossim, também prevalece o entendimento de que não se insere nos limites de atuação do poder normativo desta Justiça Especializada a criação de condições de trabalho que importem encargo econômico extraordinário ao empregador se a reivindicação laboral não encontra suporte em norma preexistente (ou seja, se inexiste equivalência em acordo coletivo, convenção coletiva ou sentença normativa homologatória de acordo).

Ocorre que, no âmbito dos limites do poder normativo conferido à Justiça do Trabalho, há, ainda, a discussão sobre a possibilidade de fixação em sentença normativa de cláusulas que reproduzem normas jurídicas já existentes ou que criem disposições complementares a elas, dentro de certo vácuo ou lacuna legislativa (sem criar obrigação nova destinada à reserva legal ou encargo financeiro extraordinário ao empregador).

Com efeito, sobre essa questão em específico, não há um parâmetro definitivo na jurisprudência da SDC do TST e existem diversos julgados com direções opostas: ora no sentido de que é desnecessária a mera reprodução do dispositivo legal na sentença normativa, ou sua complementação; ora de que a fixação de cláusula dessa natureza, quando complementa comandos legais, pode ser útil e se insere no âmbito o poder normativo.[5]

Sobre o tema, sabe-se que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE 197.911/9, ao se manifestar sobre a competência da Justiça do Trabalho, atribuída pelo art. 114, § 2º, da CR/88, afirmou que as cláusulas instituídas em sentença normativa não podem se sobrepor à legislação em vigor ou contrariá-la.

A posição do Ministro Maurício Godinho Delgado, manifestada em votos perante o TST[6], é a de que, de maneira geral, a fixação de cláusula que reproduza ou complemente um comando legal já existente, desde que não invada o espaço do Poder Legislativo (não crie obrigação nova destinada à reserva legal), está dentro dos limites do poder normativo da Justiça do Trabalho.

Nessas situações, afirma o Ministro que além de a cláusula ratificar e intensificar o dever jurídico, ou delimitar o campo de sua atuação no âmbito específico das relações de trabalho abrangidas pela sentença normativa, também sujeita o descumprimento do preceito à sanção especial proveniente da própria norma coletiva. Com isso, afirma o Ministro Maurício Godinho, amplia-se a segurança jurídica sem extrapolar os limites do poder normativo ou inovar legislativamente.

Seguindo essa mesma linha de entendimento, a jurisprudência do TST se consolidou no sentido de que “é aplicável multa prevista em instrumento normativo (sentença normativa, convenção ou acordo coletivo) em caso de descumprimento de obrigação prevista em lei, mesmo que a norma coletiva seja mera repetição de texto legal”, conforme Súmula 384, item II do TST.

 

Referências

[1] ROT-8919-09.2018.5.15.0000, SDC, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 01/10/2021.

[2] Art. 766 da CLT. Nos dissídios sobre estipulação de salários, serão estabelecidas condições que, assegurando justos salários aos trabalhadores, permitam também justa retribuição às empresas interessadas.

[3] ROT-1147-19.2020.5.08.0000, SDC, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 19/10/2021.

[4] ROT-138-69.2021.5.05.0000, SDC, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 19/10/2021.

[5] ROT-373-66.2019.5.10.0000, SDC, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 25/10/2021.

[6] Idem.

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