Olá pessoal, tudo certo?
Vamos falar no texto de hoje sobre um tema extremamente interessante e que vem sendo cobrado em provas de direito penal e também de criminologia. Ademais, várias reportagens midiáticas, políticas públicas e projetos de leis versam – direta ou indiretamente – sobre esse assunto. Estou me referindo à Teoria das Janelas Quebradas.
Considerando que o incremento dos números de criminalidade vem aumentando em uma parte sensível do país, parece-nos pertinente revisar o teor de uma teoria vinculada ao movimento de Lei e Ordem, com elementos de “pan-penalismo”[1].
A teoria das janelas quebradas (Bronken Windows Theory) tem origem norte americana e que possui diversos reflexos na seara de política criminal internacional, inclusive no direito pátrio. Essa teoria revela-se como um dos braços mais “famosos” da lógica do chamado Direito Penal Máximo, ou seja, da ideia de que a aplicação cada vez mais ampla e rigorosa do direito criminal se apresentaria como a principal e mais eficaz forma de reação aos crescentes índices de violência urbana, abrindo margem para solução dos problemas sociais.
A teoria das janelas quebradas foi desenvolvida pelo cientista político James Wilson e pelo psicólogo criminalista George Kelling – a partir do embasamento do experimento realizado pelo psicólogo Philip Zimbardo, da Universidade de Stanford – externando bases fundamentais na ideologia da chamada Escola de Chicago (Criminologia). Os idealizadores desse pensamento partiram da seguinte análise:
“Se apenas uma janela de um prédio fosse quebrada e não fosse imediatamente consertada, as pessoas que passassem pelo local e vissem que a janela não havia sido consertada concluiriam que ninguém se importava com isso, e que em um curto espaço de tempo todas as demais janelas também estariam quebradas, pois as pessoas começariam a jogar mais pedras para quebrar as demais janelas. Em pouco tempo, aquela comunidade seria levada à decadência. Abandonado, o local seria ocupado por pessoas viciadas, imprudentes e com tendências criminosas. A comunidade seria abandonada e tomada por desordeiros”[2].
A ideia, pois, é fundamentada na lógica exteriorizada a partir da janela indicando que, se ela estiver quebrada e não vier a ser imediatamente consertada, a população passará a pensar que não existe autoridade responsável pela ordem ali. Com isso, em instantes, todas as outras janelas estariam destruídas, levando à decadência daquele espaço urbano, criando terreno propício para a criminalidade.
Assim, concluíram os autores que a desordem teria como consequência inexorável (mais) desordem, delitos e intensificação da criminalidade, por mais simples e “inofensivo” que o comportamento reprovável possa se revelar em um primeiro momento.
A comprovação empírica disso não serviria apenas para a seara criminal, mas também para aspectos banais do nosso cotidiano. Afinal se nosso veículo automotor (moto ou carro), por exemplo, eventualmente apresenta um ruído no motor e não se leva ao mecânico, em pouco tempo outros problemas – mais graves – aparecerão. A mesma “lógica” deveria ser observada no enfrentamento da criminalidade.
Atendendo aos reclamos do que Direito Penal Máximo e se revelando, posteriormente, um dos expoentes da política de tolerância zero e da Lei e Ordem, a teoria das janelas quebradas apontava para que o Estado deveria se preocupar com a prática de todo e qualquer delito, inclusive os de pequena monta e gravidade ínfima.
É que punindo de maneira “exemplar” essas pequenas infrações, o Estado denotaria para a população um estado de ordem, em contraposição à desordem. Caso contrário, não havendo punição, aquela sociedade teria o mesmo fim que a comunidade em que se localizava o prédio cuja janela não fora consertada em tempo hábil.
Onde a criminalidade é maior, o descuido, a sujeira, a desordem e o maltrato são maiores. Se por alguma razão racha o vidro de uma janela de um edifício e ninguém o repara, muito rapidamente estarão quebrados todos os demais. A tolerância com os pequenos delitos teria uma relação direta de causalidade com o recrudescimento das taxas da criminalidade violenta, de acordo com esse pensamento.
No Brasil, essa linha do Direito Penal Máximo, Tolerância Zero, Lei e Ordem e Teoria das Janelas Quebradas apresenta influência significativa nos tratamentos e produção legislativa criminal, pautando a agenda normativa com a “mesmice” de ampliação desenfreada do rigor punitivo, a fim de causar uma (falsa) sensação instantânea de eficiência do aparelho repressor estatal, mantendo parcela da população anestesiada diante do caos administrativo e social.
Dentre outras causas para essa “popularização do pan-penalismo” como solução de todos os males sociais hodiernos, Rogério Greco aponta, em interessante crítica, que o desempenho e atuação de profissionais formadores de opinião e mídia propagadora de um sentimento desenfreado de risco (sociedades de risco) chamando para si a responsabilidade de criticar as leis penais, fazendo a sociedade acreditar que, mediante o recrudescimento das penas, a criação de novos tipos penais incriminadores e o afastamento de determinadas garantias processuais, a sociedade ficaria livre daquela parcela de indivíduos não adaptados contribui sensivelmente para a consolidação desse sentimento[3].
Nesse cenário, vale indicar as importantes palavras do professor Jacinto Coutinho (UFPR), crítico do Direito Penal Máximo, para quem a “saída não é tão obscura quanto parece, ou quanto querem fazer parecer: um Direito Penal mínimo, verdadeiramente subsidiário e que atenda à Constituição (que segue e deve seguir dirigente); educação e saúde para todos: como exigir do mendigo que “seja educado, não atrapalhe e não feda”, se não se dá a ele sequer ensino e saneamento básico? É hipócrita dizer, afinal, que “todo mundo tem o direito de dormir embaixo da ponte”. Abalou-se, na estrutura, a ética, sem a qual em perigo está a própria democracia”[4].
Esse é um tema que pode ser cobrado em provas objetivas e subjetivas, tanto relacionado ao direito penal, como também ao estudo da criminologia! Independentemente de como venha na prova, meu desejo é que todos estejam preparados e dominando o tema.
Espero que tenham gostado!
Vamos em frente!
Pedro Coelho – Defensor Público Federal e Professor de Processo Penal e Legislação Penal Especial.
[1] Adotando, portanto, esta termologia (panpenalismo) para descrever o fenômeno indicado por Luisi, resta encontrar sua relevância histórica como influência na sistemática penal vigente. Nesse sentido, interessante lição de Luigi Ferrajoli situa o marco inicial da observação do fenômeno na sistemática jurídica de origem romano-germânica, bem como pontua sua relação com a noção de periculosidade social que hoje fundamenta outro fenômeno sociológico, o da criminalidade: […] a ideia substancialista de que a desviação deva ser captada, e prevenida, além de suas definições legais, na sua identidade ontológica de malum in se (moral, ou natural), favoreceu – primeiramente na maciça legislação de polícia produzida na Europa depois da segunda metade do século XIX e, posteriormente, nos próprios códigos – uma expansão do direito penal muito além dos rígidos limites garantistas da determinação do fato, da sua ofensividade e materialidade, bem como da culpabilidade de seu autor. Mister se pense, de uma parte, à relevância que se deu, sob o influxo da ‘Escola Positivista’, à figura da ‘periculosidade social’ ou a outras características pessoais do réu (reincidência, capacidade de delinquir e outras) enquanto pressupostos de medidas punitivas de prevenção e de segurança, assim como o enorme desenvolvimento das sanções cautelares, processuais ou de polícia, ante ou extra-delictum. (FERRAJOLI, 2010, p. 214) O panpenalismo, então, seria análogo ao maximalismo penal, tendência de exarcebação do poder estatal através da utilização de normas penais, com objetivo de orientar o comportamento social, evitando assim condutas lesivas ao interesse público, representado pelo Estado. Essa tendência, protegida sob a ótica legalista positivista, autorizaria o Estado a prescindir das garantias fundamentais com a finalidade de combater a “periculosidade social”. A ausência de limites, entretanto, afetaria o modelo penal minimalista, uma vez que tais limites existem exatamente para que o poder público não tenha ingerência sobre a determinação da noção de legalidade, ou periculosidade. Em outras palavras, o modelo mínimo permite que o Estado interfira nas liberdades individuais somente em situações de extrema necessidade, visando a manutenção da ordem pública; o modelo maximalista, torna irrestrita a interferência do Estado, transformando o sistema democrático, consequentemente, em autoritário. Nesse sentido, conceituando o modelo maximalista: […] consiste em sistemas de controle penal próprio do Estado absoluto ou totalitário, entendendose por tais expressões qualquer ordenamento onde os poderes públicos sejam legibus soluti ou ‘totais’, quer dizer, não disciplinados pela lei e, portanto, carentes de limites e condições. (FERRAJOLI, 2010, p. 101) Esse inflacionamento das normas penais, naturalmente possui relação com alguma necessidade social. De fato, essa necessidade se observa na realidade atual, em que a fragilização da inderrogabilidade2 das penas cria no seio social uma ideia de falha do poder público em sua obrigação de viabilizar o exercício dos direitos sociais. Com base nessa errônea compreensão da efetividade das normas penais, posto que o lapso decorre de uma incapacidade de promover a sua aplicação e não de sua eficácia, se cria o campo fértil para a aceitação do inflacionamento penal (extraído de “O FENÔMENO DO PANPENALISMO E SUA INFLUÊNCIA NA REALIDADE LEGISLATIVA DO BRASIL”, Marcelo D’Angelo Lara).
[2] HABIB, Gabriel. Leis Penais Especiais, Tomo I. Jus Podivm. 7ª edição, 2015, página252-253.
[3] GRECO, Rogério. Direito Penal do equilíbrio. 4 ed. Niterói: Impetus, 2009.
[4] https://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/11716-11716-1-PB.htm