É difícil ter fé no futuro quando tudo vai errado no presente, não é mesmo? Já escrevi muito sobre isso, mas acho que, às vezes, o exemplo é a melhor forma de ilustrar uma ideia. A teoria tem muito valor, mas é na prática que realmente podemos fazer o teste de fogo. Se é assim, vamos a ela.
Weslei Machado nasceu na cidade satélite do Gama, em Brasília-DF, filho de pai eletricista e mãe dona de casa. Os estudos foram bem até o menino completar 16 anos, quando se envolveu com o mundo do crime. O adolescente passou a cometer furtos e a vender drogas na escola. Não demorou nada, ele logo parou de frequentar as aulas e precisou fugir para longe. Foi morar na casa de um tio pastor, lá no Amazonas, que lhe ofereceu ajuda em uma casa de recuperação de viciados. Aquele foi o lar do rapaz por um ano. A vida, para ele, havia parado e, em várias áreas, retrocedido.
Até ser acolhido por esse tio, os parentes e amigos de Weslei o consideravam um caso perdido, mais um jovem criminoso e envolvido com drogas. Mas eis que alguém acreditou nele e investiu em sua salvação. A fé e, na visão de muitos – inclusive de Weslei –, a providência divina agiram para que a vida do nosso protagonista fosse transformada a ponto de, anos mais tarde, quem diria, ser a sua vez de ajudar a mudar vidas, agora por meio da educação.
Arrependido do passado, mas devidamente recuperado dele, retornou a Brasília e foi trabalhar com o pai. Abrir asfalto a picareta era a nova vida daquele que um dia se tornaria Promotor de Justiça do Estado do Amazonas, para, como ele próprio diz, combater com rigor o crime, o problema da pirataria e do tráfico de drogas, além de ajudar pessoas, interferindo em alguns problemas sociais a fim de melhorar a vida dos locais.
Em resumo, Weslei sairia de um extremo a outro, passando de criminoso a defensor da lei. Nessa jornada, precisou primeiro voltar a Brasília e provar que tinha mudado, largado o crime e se recuperado. Começou a trabalhar como eletricista e concluiu os estudos por meio do EJA, o ensino de jovens e adultos. Em paralelo, o pai, ao se aposentar, montou um pequeno comércio com o dinheiro do FGTS e, notando como o filho estava mudado, se ofereceu para pagar uma faculdade se ele quisesse mesmo continuar estudando. E lá se foi o nosso imparável prestar vestibular para o curso de Direito numa instituição particular da cidade. Na Academia, Weslei conheceu o mundo dos concursos, que começaria a desvendar. O passo seguinte seria perseguir uma vaga no serviço público.
“Dias de luta, dias de glória”, diz a canção. Weslei frequentava a faculdade de manhã, trabalhava na loja do pai de tarde e estudava para as provas da graduação e dos concursos de noite. Isso todos os dias, das 22h às 3h30, com disciplina imparável. Tamanha sobrecarga cobrava seu preço, e nosso herói acabava dormindo em quase todas as aulas da faculdade. Alguns professores e professoras reclamavam. Certa vez, uma delas, juíza militar, ao flagrá-lo cochilando, esbravejou: “Quem você pensa que é para estar dormindo na minha aula? Eu sou uma juíza! Você está desrespeitando a minha função de juíza, a minha função de professora e a minha idade!” Expulso da sala, não pôde nem ao menos explicar a situação. Ficou mais uma lição, inclusive prevista na Bíblia: “Os ouvidos que escutam a repreensão da vida, no meio dos sábios farão a sua morada” (Pv. 15:31).
Naquela época, não existiam cursos online para concursos. O jeito era se virar com os próprios métodos, estudando por meio de livros e apostilas, tudo sem muita organização, nenhuma orientação e com técnica não tão eficaz. Essa soma de fatores rendeu, ao longo de quase três anos e meio, 23 – sim, VINTE e TRÊS – reprovações. Na última delas, Weslei foi reprovado apesar de ter acertado nada menos que 91% da prova. Como pode? É que nosso imparável optara por concorrer pelas vagas do Banco Central com lotação no Pará, acreditando que lá a concorrência seria menor. Errou feio. Se houvesse disputado as vagas para a Capital Federal, estaria dentro das vagas.
Desesperado por causa da reprovação apesar do excelente desempenho, nosso protagonista cogitou desistir de vez. Mas sabe aquele antigo ditado, segundo o qual a vida fecha uma porta e abre outra melhor, inesperada? Pois então. Ao chegar em casa, onde a esposa e a filhinha o aguardavam, confidenciou: “Vou desistir, vou parar, isso não é para mim. Estou estudando já há mais três anos e não consigo passar. Está tudo errado. Eu vou parar.” A mulher insistiu que ele continuasse, pedindo que tivesse fé. Talvez fosse o caso de mudar a forma de estudar?
Com o coração um pouco mais aliviado, mas ainda preocupado com o futuro da família, Weslei foi à igreja conversar com o Criador. “Deus, por que você está fazendo isso comigo? Eu não aguento mais. Não vou a festas, não viajo com minha família, não tiro férias, estudo todos os dias… Já estou merecendo a aprovação!”, desabafou. Apesar da revolta, o jovem pai sabia que quem decide a hora de recebermos bênçãos também é Deus e que o tempo dEle não é igual ao nosso. Concluiu então que, embora houvesse o merecimento, a preparação não devia estar adequada.
Com o apoio da família, dos amigos e da comunidade, além de muita fé no futuro, seguiu firme na rotina de estudo. Veio o concurso para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Weslei se inscreveu para o cargo de Analista Judiciário, mas, no dia D, quase perdeu a oportunidade. Acordara tarde, às 8 horas da manhã, e os portões do local de prova fechariam às 8h45. Não daria tempo de chegar… Mas eis que a mulher, ela de novo, falou com autoridade: “Vai! Levanta correndo e vai!” Weslei se arrumou de qualquer jeito, pegou o carro, parou longe e saiu em disparada. O relógio marcava 8h43. Viu adiante o pessoal do então Cespe começando a cerrar os portões. Pouco à frente do nosso protagonista, corriam duas loiras muito bonitas. Portões fechados. Imagine a cena: duas meninas lindas implorando para dois marmanjos abrirem o portão. Abriram. As meninas e o nosso protagonista entraram.
Passada a adrenalina, era hora de se concentrar e correr sozinho na maratona de provas. Finalmente deu certo, e Weslei foi aprovado dentro do número de vagas. Contudo, um novo obstáculo surgiu para testar sua fé. O cargo para o qual fora aprovado e classificado exigia a apresentação do diploma de nível superior no ato da posse, mas nosso esforçado candidato ainda estava no sétimo semestre de uma graduação de 5 anos. E agora? Weslei teria de concluir as matérias de três períodos, num total de 19 disciplinas, mais a monografia, num único semestre. Seria algo complicado para qualquer um, mas não para o nosso imparável.
Com a intervenção divina, a faculdade o autorizou a cursar as 19 disciplinas que faltavam. Weslei assistia às aulas presenciais do oitavo semestre e estudava as matérias do nono e do décimo em casa. Fazia todas as provas como se houvesse participado das aulas. No fim, ainda precisou passar por uma banca examinadora integrada pelos professores das disciplinas que ele cursara à distância. Se fosse aprovado, teria concluído o curso; se não, estaria tudo acabado.
Não bastasse, havia outro problema: as nomeações para o TSE seriam em abril, mas, apesar de todo o esforço para fechar as disciplinas a tempo, Weslei só conseguiria receber o diploma em julho. Foi aquele desespero, foi aquele sofrimento… E tome orações dirigidas ao alto… Preces ouvidas, Deus ajudou de novo: uma candidata, inconformada com a nota da redação, entrou com mandado de segurança, e surpresa! A despeito da jurisprudência desfavorável – em regra, o Poder Judiciário entende que não deve interferir em provas de concurso, especialmente quando se trata da redação, cuja correção compete exclusivamente à banca examinadora –, um desembargador determinou que o certame fosse suspenso. O tempo decorrido entre a suspensão e a retomada foi o necessário para Weslei concluir o curso de Direito. Nosso felizardo colou grau em 20 de julho, foi nomeado no dia 28 e tomou posse em agosto. A porta que se fechara para o Bacen se abriu para o TSE. Deus fora misericordioso.
A função pública abriu – mais que isso, escancarou! – inúmeras outras portas. Weslei foi contratado professor da faculdade em que se formara e começou a dar aula também em cursos preparatórios. Hoje é um dos mais queridos e respeitados mestres do Gran.
Antes de ingressar na Justiça Eleitoral, Weslei ganhava R$ 1.800,00 por mês, não tinha plano de saúde nem conseguia pagar o tratamento médico da filha mais velha, que desenvolvera intolerância à lactose e à sacarose. Durante o período de preparação, não raro precisou contar com as cestas básicas enviadas pela igreja que frequentava. No TSE, a remuneração inicial era de R$ 7 mil, mas logo Weslei assumiu funções de confiança e cargos em comissão, que, somados a outras vantagens, passaram a lhe render R$ 25 mil mensais. A vida mudou drasticamente. Foi possível oferecer um tratamento de qualidade à filha, viajar com a família e alcançar condições financeiras jamais imaginadas. Glória a Deus, à dedicação e à persistência.
Depois de 9 anos no TSE, o servidor veio a participar de um júri e se encantou com a atuação do Ministério Público, com o ofício de procurador de justiça. Foi a deixa para cravar: “Hoje recomeço os estudos para as carreiras jurídicas. Quero reacender e realizar o sonho de integrar a Magistratura ou o Ministério Público.” Em cerca de seis meses, nosso mestre reuniu novas aprovações. Hoje é Promotor de Justiça no Ministério Público do Estado do Amazonas, aquele mesmo que o acolhera na pior fase da sua vida.
Como se vê, o sofrimento durante a jornada de Weslei foi grande, mas valeu a pena. Nosso imparável chegou aonde chegou à custa de muito estudo, dedicação e fé. O enorme talento e a persistência foram essenciais, é claro, assim como a ajuda e o apoio de muita gente. De fato, não existe sucesso solitário, ainda que se tenha muito talento e se dedique grande esforço à empreitada.
Por isso, amigo leitor, inspire-se na história de Weslei e também não desista, mesmo que tudo esteja dando errado hoje. Não se apegue ao presente. Olhe para o futuro, goste do que vê ali e corra naquela direção!
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