O poder de autotutela revela-se clássico no Direito Administrativo. A Administração Pública pode invalidar os atos ilegais, conforme se constata na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal:
“A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
Ademais, o art. 53 da Lei 9.784/99 também milita na mesma direção:
“Art. 53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos.”
É notório que o art. 54, caput, da Lei 9.784/99 fixou o prazo decadencial de 5 anos, como regra, para a invalidação de atos administrativos no âmbito federal:
“Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.”
Esse mesmo prazo é seguido por diversos Estados e Municípios, em suas leis próprias, ou mesmo no caso de omissão de seus diplomas normativos. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu a questão, tendo editado a Súmula 633:
“A Lei 9.784/1999, especialmente no que diz respeito ao prazo decadencial para a revisão de atos administrativos no âmbito da Administração Pública federal, pode ser aplicada, de forma subsidiária, aos estados e municípios, se inexistente norma local e específica que regule a matéria.”
Ocorre que surgiu uma dúvida: poderia o Estado, ao tratar de seus atos administrativos, fixar um prazo decadencial superior na sua lei estadual? Isso ocorreu, por exemplo, em São Paulo, o qual, por meio da Lei Estadual 10.177/98, fixou o prazo de 10 anos.
A matéria foi decidida pelo STF na ADI 6019 em abril de 2021. A corte entendeu que os Estados possuem competência para legislar sobre autotutela.
De fato, ao zelar pela guarda das normas estaduais e conservar o patrimônio, deve-se admitir o poder intrínseco de invalidar atos ilegais. Logo, é possível legislar sobre atuações administrativas, o que inclui o prazo de invalidação dos atos administrativos. Aliás, vale observar o art. 23, I, da Constituição Federal:
“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público;”
Quanto ao prazo mencionado na lei estadual paulista, não haveria violação do princípio da segurança jurídica e tampouco ofensa à razoabilidade e à proporcionalidade. Ora, o ente estatal fixou um prazo para a invalidação do ato, consolidando situações jurídicas que não foram objeto de anulação nesse período.
Contudo, existe um problema: a igualdade. Há uma consolidação generalizada no ordenamento jurídico e na jurisprudência no sentido de que esse prazo seria de cinco anos, tanto no âmbito federal, como nos campos estadual e municipal.
Uma distinção tão significativa de prazo somente se justificaria se houvesse uma razão plausível de diferenciação, o que não existiu na espécie, sobretudo quando se considera que se trata de um dos Estados mais eficientes da Federação. Nesse contexto, para se preservar a isonomia, o STF entendeu que a norma estadual é inconstitucional.