Uma das histórias mais impactantes de Esopo é “O Pastor Mentiroso e o Lobo”. Nela, um jovem pastor, movido por um impulso irresponsável, engana repetidamente os moradores do vilarejo. Seus gritos desesperados de “Lobo! Lobo!” ecoam pela região, alertando sobre um perigo inexistente. Os camponeses, sempre solícitos, correm em seu auxílio, apenas para descobrirem a farsa. O riso zombeteiro do pastor é a única recompensa por sua preocupação genuína.
Mas o destino, implacável em suas lições, prepara uma reviravolta. Quando o lobo realmente aparece, dilacerando o rebanho com as presas afiadas, os gritos do pastor se perdem no vento. Suas súplicas desesperadas encontram apenas o silêncio da indiferença. Os camponeses, exaustos de tantas mentiras, ignoram seu clamor. O resultado é devastador: o rebanho é dizimado, e o pastor colhe os frutos amargos da desonestidade.
Essa fábula, contada e recontada através dos séculos, serve como um alerta sobre os perigos da mentira e a importância da confiança. Normalmente, focamos na lição óbvia: mentir para os outros destrói relacionamentos e credibilidade. Porém, há uma perspectiva igualmente amarga, embora frequentemente negligenciada: o risco da mentira que contamos a nós mesmos.
Assim como o pastor enganava os aldeões por capricho e mera diversão, você pode estar mentindo para si mesmo em busca de um alívio fugaz da realidade desafiadora. Cada vez que você diz “amanhã começo a sério”, “não dá tempo agora”, ou “eu já fiz o suficiente”, está tecendo uma teia de autoengano. Essas pequenas inverdades, aparentemente inofensivas, vão construindo uma versão distorcida da sua realidade. E, quando o “lobo” realmente chegar – seja na forma de uma prova decisiva, um prazo inadiável, uma realidade difícil ou uma oportunidade única –, você pode se ver tão despreparado quanto o pastor, vítima das próprias desculpas.
O autoengano, assim como as peças que o pastor da fábula costumava pregar, acarreta consequências profundas e muitas vezes irreversíveis. Ao nos permitirmos acreditar em justificativas enganosas, forjamos um padrão de comportamento que pode nos conduzir a um beco sem saída. O verdadeiro perigo reside na natureza traiçoeira dessas ilusões que invadem nossa mente de forma sorrateira: diferentemente das mentiras que contamos aos outros, as que dizemos para nós mesmos se enraízam em nosso subconsciente, tornando-se quase impossíveis de confrontar.
Nesse cenário, somos simultaneamente o enganador e o enganado, tecendo uma armadilha da qual só nós mesmos poderíamos nos libertar – se fôssemos capazes de reconhecê-la. Infelizmente, assim como o pastorzinho que percebeu tarde demais a gravidade de suas ações, muitos de nós só despertamos para a realidade quando o momento crucial já passou, quando a necessidade de disciplina e preparação urge mais do que nunca, mas o tempo para cultivá-las já se esvaiu.
Essas mentiras diante do espelho têm efeito corrosivo até em nossa autoconfiança. Do mesmo modo que os camponeses gradualmente perderam a fé nas palavras do pastor mentiroso, nossa mente, constantemente bombardeada por falsas justificativas, começa a duvidar da nossa capacidade de enfrentar desafios e alcançar objetivos. Cada vez que escolhemos o caminho mais fácil, cada vez que nos permitimos acreditar em desculpas infundadas, a confiança em nosso potencial se desgasta um pouco mais. Chega um ponto em que, mesmo desejando muito alcançar algo, a certeza da vitória perde espaço para a insegurança.
A fábula de Esopo também suscita uma questão importante sobre responsabilidade. O pastor tinha o dever de proteger o rebanho, mas escolheu brincar com a verdade e sofreu as consequências disso. Analogamente, você é responsável por seu futuro, pelos sonhos e metas que estabeleceu para si. Quando você cede para a autoilusão, está, na prática, deixando de cuidar do seu “rebanho” – seu conhecimento, sua preparação, seu empenho em ser aprovado. E é assim que, tal qual o pastor que perdeu as ovelhas, você pode deixar passar grandes oportunidades simplesmente por não ter levado a sério a verdade.
Como driblar essa armadilha? Primeiro, confronte suas próprias mentiras, fazendo um inventário honesto das suas ações. O que você fez hoje para de fato se aproximar do seu objetivo? Quanto tempo perdeu em distrações? Sem essa clareza de dados, você estará apenas girando em círculos, preso a um ciclo de autoengano que o manterá estagnado.
Segundo, busque consistência, não perfeição. Muitas vezes mentimos para nós mesmos como forma de justificar a procrastinação. Sabe aquela história de esperar pelo “momento ideal”? “Momento ideal” para renunciar ao lazer em prol do estudo, “momento ideal” para começar a fazer mais simulados e exercícios, “momento ideal” para sacrificar algumas noites de sono a fim de revisar a matéria… Ora, não existe tal cenário “ideal”. O que existe é o esforço contínuo e resiliente. O progresso vem de pequenos passos diários, não de uma mudança radical da noite para o dia.
Como você pode ver, a jornada do concurseiro é longa e árdua, mas a maior batalha é travada onde menos se espera: dentro da própria mente. Reconhecer e confrontar a tendência ao autoengano é o primeiro passo para quebrar esse ciclo. Não repita o erro do pastor que perdeu tudo por conta de suas falsidades. Encare seus desafios de frente e construa uma base sólida de disciplina e conhecimento. Lembre-se: quando o “lobo” da prova chegar, não serão as desculpas que o salvarão dele, mas sua preparação genuína e constante. O caminho para a aprovação começa com um compromisso com a verdade, sobretudo a verdade consigo mesmo.
Gabriel Granjeiro – CEO e sócio-fundador do Gran. Reitor e professor da Gran Faculdade. Acompanha de perto o universo dos concursos desde muito cedo. Ingressou nele, profissionalmente, aos 14 anos. Desde 2016, escreve artigos semanalmente para o blog do Gran. Formou-se em Administração e Marketing pela New York University Stern School of Business. Em 2021, foi incluído na prestigiada lista da Forbes Under 30. Autor de 4 livros que figuraram entre os best-seller da Amazon Kindle.
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