Você é o placebo

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Cientistas conhecem sobre o efeito placebo há mais de 400 anos. Em 1572, o filósofo francês Michel de Montaigne fez um dos primeiros registros acerca do fenômeno ao anotar que, “para alguns homens a mera vista da medicina já a faz funcionar”. Mas foi na década de 1950 que veio a público um artigo divisor de águas sobre o assunto, escrito pelo médico americano Henry K. Beecher (1904-1976), formado em Harvard. No texto, o doutor Beecher relata que a certa altura, servindo na Segunda Guerra Mundial, se viu sem anestésicos para aplicar nos soldados feridos, que chegavam aos montes precisando de cirurgia. Diante da situação extrema, ele fez algo pouco ortodoxo: injetou nos enfermos uma solução salina e lhes disse que era morfina. Para sua surpresa, quase metade dos pacientes reportaram que a substância aplicada reduzira ou até eliminara a dor. O médico pôde, então, seguir com os procedimentos para lhes salvar a vida: cortar a carne, fazer o que fosse necessário e suturar as feridas, tudo sem anestesia.

É como diz o ditado: “tempos desesperados exigem medidas desesperadas”. Seja como for, a experiência convenceu Beecher do poder do placebo e mudou a forma como a ciência compreende o tema. Hoje, por conta dessa e de outras experiências, para, por exemplo, um novo medicamento ser aprovado, precisa produzir, num ambiente controlado, resultados melhores do que os gerados por uma substância inócua.

Placebo é isso, uma substância inócua, qualquer solução ou “tratamento” inerte, isto é, incapaz de apresentar interação com o organismo, mas empregado como se fosse produzir alguma atividade no corpo. Água com açúcar, injeções de soro fisiológico e pílulas de farinha são alguns exemplos desses “medicamentos” que não têm poder farmacológico, mas geram no paciente expectativas positivas. A finalidade é iludir a mente.

Os resultados surpreendem. Algumas pesquisas revelam que 1 em cada 3 pacientes tratados com placebo descrevem melhoras nos sintomas, sobretudo se estes envolvem dor[1]. Por muito tempo médicos desprezaram esse dado por acreditarem que se tratava de mero efeito psicológico. Contudo, como não é raro observar melhora física nas pessoas que recebem placebo em vez de medicamento, a ciência passou a atentar mais para o fenômeno.

Como explicar resultados tão impressionantes? O tema ainda é incipiente na neurociência, mas há indícios de que o efeito placebo decorre da nossa capacidade de alterar a realidade por meio do pensamento, de crenças ou de expectativas. Em resumo, o consumo de uma substância qualquer a título de medicamento pode modificar a atividade das ondas cerebrais de modo a fazê-las atuar como se o corpo tivesse recebido o tratamento real.

Expliquemos ou não o mecanismo, o que interessa é que placebos parecem funcionar. Que tal, então, recorrer a eles para tentar melhorar a vida em todos os campos? Como? Sendo nós mesmos nosso próprio placebo. Acreditando que temos o poder de mudar o que acontece a nossa volta a partir da nossa fé, da nossa autoconfiança, da nossa força.

Recentemente, li sobre a história de um norte-americano que durante boa parte do ensino médio fora um péssimo aluno, a ponto de se achar simplesmente burro. Na certeza de que não tinha inteligência, ele não dava a mínima para a escola, encarando-a como perda de tempo para um sujeito como ele. Era, enfim, um caso perdido. Certo dia, ele foi obrigado a fazer uma prova – equivalente ao vestibular brasileiro – e pouco tempo depois recebeu a notícia de que havia tirado uma excelente nota, tão boa que o posicionava entre os 10% de melhores estudantes do país. Aquilo foi uma surpresa, mas lhe serviu de incentivo para se dedicar mais aos estudos. Ele se sentia mais inteligente. Formou-se no ensino médio e ingressou na faculdade, algo que lhe parecia impossível antes. Fez um ótimo curso e, graduado, ingressou no mercado de trabalho, vindo a construir uma carreira de destaque nas finanças. Vinte anos mais tarde, outra surpresa: a nota naquele antigo teste estava equivocada. Ocorrera um raríssimo erro por parte da banca aplicadora do exame em relação a apenas sete candidatos no país inteiro (sete em milhões!), e ele era um deles.

Percebe como o resultado naquela prova funcionou como um placebo para o então estudante sem salvação? Inadvertidamente o fez mudar completamente de comportamento ao ser confrontado com uma realidade alternativa que, embora fosse falsa, lhe abria portas antes impensáveis. É esse o poder do placebo.

Lembre-se: ninguém é refém da própria genética. A maioria dos nossos genes (de 75% a 85%) pode ser ativada ou desligada a depender de como modulamos nossos pensamentos. Há inclusive um termo para isso, cunhado pelos pesquisadores: neuroplasticidade autodirigida.

O pensamento é tão poderoso que pode afetar muito mais que nosso modo de ser; ele induz mudanças também no corpo e na mente. Uma alteração na forma de pensar tem potencial para desencadear, por exemplo, aumento na produção de células-tronco ou de moléculas de proteínas que conferem imunidade. Foi o que concluiu o escritor best-seller Joe Dispenza, 60, a partir de casos documentados ilustrativos do fenômeno. A personalidade, segundo ele, é resultado da soma de pensamentos, sentimentos e ações. Assim, um velho e estagnado modo de viver não passa da fusão de velhos e estagnados pensamentos, sentimentos e ações. Adotar um estilo de vida conservador garante, enfim, mais do mesmo, ou seja, estagnação.

A palavra de ordem é, portanto, renovação. Mas, afinal, o que precisamos fazer para nos tornar nosso próprio placebo e iniciar um processo de cura da nossa vida como um todo? Nada melhor do que um exemplo prático para ilustrar. Digamos que você recentemente tenha reprovado num concurso público porque na hora H deu o famoso “branco”. Imagine como você contaria essa história a quem quer que lhe aparecesse à frente. Provavelmente diria algo como: “não sei fazer prova”, “sou um mau candidato”, “nunca vou passar em concurso”… O medo certamente invadiria sua mente, provocando calafrios à mera pronúncia de palavras como “prova” e “concurso”.

Nesse exemplo, você estará perdido no tempo; afinal, ao remoer o passado e fugir do futuro, sua mente e seu corpo nunca estarão no presente. O raciocínio é simples: se a desesperança impõe a expectativa de que o futuro apenas reproduzirá o passado, você estará continuamente selecionando um porvir conhecido e, pior, pautado por tudo de ruim que já aconteceu. Dito de outra forma, você encontrará mais dificuldade em lograr sucesso em concurso por ter previamente limitado quaisquer futuras escolhas, comportamentos, experiências e emoções. Sem perceber, você terá condicionado seu futuro ao se agarrar fisiologicamente ao que ficou para trás.

Novos pensamentos, por outro lado, conduzem a novas escolhas, que, por sua vez, propiciarão novas experiências, novas emoções, novos sentimentos e, por fim, novas ações. Quer mesmo mudar o seu ânimo? Então comece renovando seus pensamentos, suas escolhas, seus comportamentos, suas atitudes. Não tenha dúvida: é isso que levará você a resultados diferentes dos que tem alcançado desde sempre.

Vamos juntos, renovando continuamente nossas intenções, ressignificando os fatos passados e, assim, direcionando melhor nosso futuro. Ainda que funcionando como placebos de nós mesmos, sigamos à frente de nossas próprias decisões. Nós escolhemos nossa forma de agir, sentir e ser.

“Bem-aventurados os que não viram e creram.” – João 20:29

 

Referências:

DISPENZA, Joe. You are the placebo: making your mind matter. Carlsbad/CA: Hay House, 2015. 416 p.

HARVARD Medical School. The power of the placebo effect. Harvard Health Publishing, Dec. 13, 2021. Disponível em: https://www.health.harvard.edu/mental-health/the-power-of-the-placebo-effect. Acesso em: 5 jun. 2022.

PERRY, Susan. The Power of the Placebo. BrainFacts.org, 31 May 2012. Disponível em: https://www.brainfacts.org/archives/2012/the-power-of-the-placebo. Acesso em: 5 jun. 2022.

AUSTIN, Daryl. Why do placebo work? Scientists identify key brain pathway. Sciece, 27 Oct. 2021. Disponível em: https://www.science.org/content/article/why-do-placebos-work-scientists-identify-key-brain-pathway. Acesso em: 5 jun. 2022.

[1] AUSTIN, Daryl. Why do placebo work? Scientists identify key brain pathway. Sciece, 27 Oct. 2021. Disponível em: https://www.science.org/content/article/why-do-placebos-work-scientists-identify-key-brain-pathway. Acesso em: 5 jun. 2022.

 

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