Extradição de brasileiro nato

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Nesta semana, o STF deferiu o pedido de extradição formulado pelos EUA relacionado a uma mulher, acusada de ter praticado homicídio contra seu companheiro (STF, EXT 1.462).

Essa decisão tem dado pano pra manga e provocado intenso debate no meio social e, em especial, entre os profissionais do Direito.

Boa parte da discussão, creio eu, foi provocada por uma reportagem publicada no CONJUR, sítio especializado em notícias jurídicas e um dos mais acessados pela comunidade acadêmica. 

A matéria dizia que o STF teria extraditado brasileira nata. Eis aí a polêmica, sobre a qual passo a fazer algumas considerações.

De início, uma observação: o brasileiro nato nunca pode ser extraditado! Essa frase é correta, mas depende de que ponto de vista. Veja:

O cidadão nato nunca será extraditado pelo Brasil, obviamente (extradição passiva). Em outras palavras, o Brasil não enviará o seu cidadão para outro país, para lá ser processado. 

Contudo, pode, perfeitamente, ser extraditado para o Brasil, por outra nação, a pedido de nosso país (extradição ativa). É o caso do famoso banqueiro Salvatore Cacciola, enviado pelo Principado de Mônaco para o Brasil.

Outro ponto relevante: embora o brasileiro nato nunca possa ser extraditado, tanto ele quanto o naturalizado podem deixar de ser brasileiros (perder a nacionalidade).        

Seguindo, o brasileiro naturalizado sofrerá a perda da nacionalidade em caso de cancelamento de sua naturalização, decorrente de decisão judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional.

Nesse caso, a única forma de se readquirir a nacionalidade é por meio da ação rescisória. Não será possível um novo procedimento administrativo de naturalização, mesmo que preenchidos os requisitos constitucionais, acima explicitados.

Destaco que o STF entende ser incabível o cancelamento da naturalização pela via administrativa. Para o Tribunal, não pode o Ministro da Justiça, por meio de ato administrativo, cancelar o deferimento de naturalização embasada em erro de fato – no caso, omissão da existência de condenação em momento anterior à naturalização (STF, RMS 27.840).

A hipótese aí de cima – cancelamento da naturalização – certamente só se aplica ao naturalizado.

Mas, em caso de opção voluntária, a perda atingiria os dois – natos e naturalizados.

Agora vamos entender, de uma vez por todas, o que foi decidido pelo STF nesta semana, ok?!

Vamos aos fatos: uma mulher, nascida no Brasil, considerada nata pelo critério territorial (jus solis – artigo 12, I, a, CF), mudou-se para os EUA em 1.990, tendo adquirido o Green Card. 

No ano de 1.999, ela se naturalizou cidadã norteamericana, jurando fidelidade àquele país e renunciando lealdade a qualquer outra nação.

Já em 2.007, ela teria praticado o homicídio de seu marido, no Estado de Ohio.

Ah, mais um dado relevante: em julho de 2.013, foi editada Portaria do Ministério da Justiça declarando a perda da nacionalidade brasileira.

Pois bem. 

A discussão, no âmbito do STF, vinha se desenrolando desde o ano passado. Num primeiro momento, confirmou-se a validade da decisão do Ministro da Justiça. Em outras palavras, foi mantida a perda da nacionalidade (STF, MS 33.864)! 

Note bem que, com isso, era possível se analisar o pedido de extradição formulado pelos EUA por uma razão singela: não havia mais o impeditivo constitucional, na medida em que não estávamos mais diante de brasileira nata.

“Professor, sempre que alguém optar por outra nacionalidade deixará de ser brasileiro?”

A resposta para essa pergunta passa pela expressão “voluntária. Ela é a chave para resolver as questões que sejam apresentadas. Isso porque, se não houver voluntariedade, inexistirá a perda.

É o que diz a própria Constituição em duas hipóteses, a seguir apresentadas:

se o outro país reconhece a nacionalidade originária. 

Esse dispositivo consagra a hipótese da chamada dupla nacionalidade. Exemplificando, filhos de italianos são considerados italianos não importa em que local do mundo a criança tenha nascido, pois naquele país se adota o critério sanguíneo. Em consequência, há compatibilidade na manutenção das nacionalidades italiana e brasileira.

Lembro que a orientação de que o Brasil não extradita cidadão nato, de acordo com o STF, seria absoluta, não se alterando mesmo no caso de dupla nacionalidade originária. 

Em outras palavras, nós não aplicaríamos a tese da nacionalidade prevalente, segundo a qual mesmo havendo dupla nacionalidade, uma delas se sobreporia à outra para viabilizar a extradição. Os parâmetros utilizados internacionalmente envolveriam local de moradia, local de trabalho e local de residência da família.

Mas vale a ressalva: o fato de não ser extraditado, não significa a impunidade do cidadão, pois seria aplicável o princípio da extraterritorialidade da lei penal brasileira, assegurando-se a responsabilização (STF, HC 83.113). 

se houver imposição unilateral, como condição de permanência, ou para exercer direitos civis, em Estado estrangeiro. 

Por direitos civis se entende o casamento, o trabalho, a participação na herança, entre outras situações. 

Essa situação é vivenciada principalmente por desportistas (jogadores de futebol, de vôlei) e por trabalhadores brasileiros no Oriente Médio, os quais são obrigados a se naturalizar para trabalhar no outro país.

Daí alguém pode falar: “Ah, mas ela optou pela nacionalidade norteamericana para permanecer em solo americano ou para poder trabalhar lá”.

Talvez um detalhe tenha passado despercebido: ela já morava nos EUA há longos anos e tinha adquirido o Green Card. Dito de outro modo, ela não se encaixa nessa exceção constitucional, pois já contava com visto permanente e poderia lá trabalhar.

Chegando ao capítulo final desta novela, o STF deferiu a extradição, em uma decisão proferida pela 1ª Turma do Tribunal. Já respondendo a alguns questionamentos que recebi, a competência para julgamento de extradição passou recentemente do Plenário para as Turmas, o que também se deu em relação a acusados que contem com foro especial. A razão para isso é desafogar a pauta do Plenário, agilizando o julgamento dos feitos mais importantes.

Voltando à decisão, ela não foi unânime. Votou contrariamente ao pedido de extradição o Ministro Marco Aurélio, um dos mais preparados e mais antigos Ministros da Corte Suprema. No entanto, o fato de a decisão não ter sido unânime não retira a sua validade. Ao contrário, essa é a beleza do colegiado…

Ah, na decisão do STF constou a cláusula segundo a qual os EUA não poderiam impor quaisquer das penas proibidas no Brasil (morte, caráter perpétuo etc). Em verdade, apenas se reafirmou a jurisprudência do Tribunal para casos semelhantes (STF, EXT 855).

É isso, meus amigos!

Explicada a situação, tudo permanece como antes no Castelo de Abrantes. Ou seja: brasileiro nato não pode ser extraditado, pelo Brasil, em nenhuma hipótese! Agora, caso ele opte, voluntariamente, por outra Nação, estará sujeito à perda da nacionalidade e, consequentemente, à extradição.


Aragonê Fernandes – Juiz de Direito do TJDF; ex-Promotor de Justiça do MPDF; ex-Assessor de Ministros do STJ; ex-Analista do STF; aprovado em vários concursos públicos. Professor de Direito Constitucional em variados cursos preparatórios para concursos.
 
 
 


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