Jurisprudência Comentada – A atipicidade do furto de uso: requisitos para a sua caracterização

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atipicidade do furto de usoPor: Projeto Exame de Ordem | Cursos Online
No crime de furto (artigo 155 do CP), ocorre a subtração de bens móveis alheios. Trata-se de delito que afeta o patrimônio e, eventualmente, a posse.
As elementares do crime de furto podem ser divididas em quatro partes:

a) a conduta típica, consistente em um ato de subtração;

b) o objeto material, que deve ser coisa móvel;

c) o elemento normativo encontrado na necessidade que se trate de coisa alheia;

d) o elemento subjetivo do tipo consistente no fim de assenhoreamento definitivo do bem.

Pelo exposto, percebe-se que a finalidade do agente é o assenhoreamento definitivo do bem, pois, quando o tipo penal exige que o agente subtraia o bem para si ou para outrem, está a indicar que este crime pressupõe a intenção de manter a coisa em seu poder ou de repassá-la a terceiro de forma não transitória.
O agente atua com animus rem sibi habendi ou animus furandi.
Por óbvio, não se pune o chamado furto de uso, pois neste o agente não tem a intenção de se apropriar da coisa. Assim, se o agente se apodera da res com o intuito de devolvê-la ao proprietário ou possuidor, ausente estará o elemento anímico do crime de furto. Logo, a conduta é atípica.
É importante destacar que não importa qual é a intenção do agente ao efetuar a subtração – se para salvar ou não um direito, se para um fim nobre ou egoístico, se para evitar um mal ou apenas para lazer. O fato é que, se não existe a vontade de se apropriar do bem, a conduta é atípica, não havendo a necessidade de se perquirir acerca do elemento subjetivo especial que move a vontade do agente.
Nesse sentido, a jurisprudência pátria:
0007506-21.2012.8.19.0028 – APELAÇÃO – 1ª Ementa Des(a). LUIZ ZVEITER – Julgamento: 02/08/2016 – PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL APELAÇÃO CRIMINAL. TJRJ.  SENTENÇA CONDENANDO O RÉU PELA PRÁTICA DO CRIME DE FURTO QUALIFICADO PELO ABUSO DE CONFIANÇA E PELO CONCURSO DE PESSOAS, DELITO PREVISTO NO ARTIGO 155, § 4º, INCISOS II E IV, DO CÓDIGO PENAL, ÀS PENAS DE 02 (DOIS) ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME ABERTO, E 10 (DEZ) DIAS-MULTA, NO VALOR MÍNIMO LEGAL, SUBSTITUÍDA A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELAS RESTRITIVAS DE DIREITOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E DE COMPARECIMENTO BIMESTRAL A JUÍZO PARA COMPROVAR O DESEMPENHO DE ATIVIDADE LABORATIVA. APELO DEFENSIVO BUSCANDO A ABSOLVIÇÃO, POR ATIPICIDADE DA CONDUTA DE FURTO DE USO, OU A REDUÇÃO DA PENA PELA ATENUANTE DA CONFISSÃO, O RECONHECIMENTO DO ARREPENDIMENTO POSTERIOR, E O AFASTAMENTO DA QUALIFICADORA REFERENTE AO ABUSO DE CONFIANÇA. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA QUE MERECE PROSPERAR. COMO CEDIÇO, PARA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE FURTO É NECESSÁRIO QUE O AGENTE SUBTRAIA A COISA ALHEIA MÓVEL, PARA SI OU PARA OUTREM, COM ANIMUS DE ASSENHORAMENTO. ALÉM DA VONTADE DE SUBTRAIR, EXIGE-SE A PRESENÇA DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO ESPECÍFICO, QUE SE TRADUZ NA VONTADE DE APOSSAMENTO DEFINITIVO DO QUE NÃO LHE PERTENCE, O QUE NÃO SE VERIFICA NA HIPÓTESE EM TELA. O RÉU, DESDE A SUA PRISÃO EM FLAGRANTE, DECLAROU QUE APENAS PRETENDIA PEGAR O CARRO EMPRESTADO E DEVOLVER NA MESMA NOITE, O QUE FOI CONFIRMADO PELA PROVA ORAL CARREADA AOS AUTOS, TENDO O VEÍCULO SIDO RESTITUÍDO ÍNTEGRO. DIANTE DESTE PAINEL FÁTICO PROBATÓRIO, AUSENTE O ANIMUS FURANDI, RESTA INEQUÍVOCA A CARACTERIZAÇÃO DO FURTO DE USO, CONDUTA CONSIDERADA ATÍPICA PELA NOSSA LEGISLAÇÃO VIGENTE, RAZÃO PELA QUAL JULGA-SE IMPROCEDENTE A PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. RECURSO PROVIDO, PARA ABSOLVER O RÉU, POR ATIPICIDADE DA CONDUTA, COM FULCRO NO ARTIGO 386, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. Íntegra do Acórdão – Data de Julgamento: 02/08/2016.
Segundo a doutrina atualizada, existem requisitos para que ocorra o furto de uso. Vejamos:

a) subtração de coisa alheia móvel infungível (bem não consumível);

Sobre o tema, explica Cléber Masson:
“Se a coisa for fungível, por exemplo, dinheiro, a sua utilização momentânea seguida de pronta e imediata restituição não afasta o delito de furto. A devolução de produto equivalente é irrelevante penalmente, pois no furto de uso a própria coisa subtraída deve ser restituída”.

b) intenção de utilizar momentaneamente a coisa subtraída (requisito subjetivo);

A intenção do agente, desde o início, deve ser do uso momentâneo da coisa subtraída. Assim, não se caracteriza o furto de uso quando o agente subtrai a coisa com ânimo de assenhoreamento definitivo e, após a consumação, arrepende-se e a restitui à vítima.

c) restituição da coisa depois do uso momentâneo imediatamente ao seu possuidor originário. A devolução deve ocorrer antes que a vítima perceba a subtração (requisito objetivo).

Segundo a doutrina, é indispensável que o ofendido não descubra a subtração antes da devolução da coisa, pois, constada a subtração e levada a registro a ocorrência, o furto estará consumado.
Não haverá o furto de uso quando a coisa subtraída for utilizada pelo agente por relevante período, bem como quando vem a ser abandonada em local distante. Assim, a res deve ser devolvida em local no qual seja possível seu titular exercer de pronto o seu poder de disposição.
Por fim, exige-se, ainda, que seja a coisa restituída integralmente e em seu estado original, sem perda ou destruição do todo ou de parte. Assim, por exemplo, se se subtrai  uma motocicleta para “dar uma voltinha”, e ela é devolvida com o farol quebrado, haverá o crime do artigo 155 do CP, uma vez que houve perda patrimonial à vítima.
 
Bons estudos e sucesso na prova da OAB!


José Carlos – Professor Universitário e Advogado, com especialização em Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Ambiental e Recursos Hídricos. Doutorando em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Professor Titular de Direito Penal e Direito Processual Penal na Universidade Católica de Brasília (UCB). Professor Titular das Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central (FACIPLAC) nas áreas de Direito Penal, Processo Penal e Laboratório de Prática Jurídica. Participante de bancas examinadoras de Concursos Públicos.
 
 


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