Regressiva OAB 100 dias – (Dica 2) Direito Civil: Professora Raquel Bueno

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99 DIAS 1ª DICA – o parentesco pode ser natural ou civil, conforme derive da consangüinidade ou de outra origem (adoção, socioafetividade ou afinidade). Ao tratar de ascendentes e descendentes, fala-se em parentesco em reta, que não tem limitação de graus e se refere ao vínculo por meio do qual uns descendem dos outros. Já na linha denominada colateral ou transversal, busca-se um tronco comum e o parentesco inicia-se no segundo grau (irmãos). Os irmãos podem ser bilaterais, também chamados de germanos, ou unilaterais. Quando unilaterais, podem ser somente por parte de pai (consangüíneos), ou somente por parte de mãe (uterinos).
Noutro giro, os parentes colaterais podem ainda ser de terceiro grau (tios/sobrinhos), ou de quarto grau (primos). Já o parentesco por afinidade se refere à relação havida entre o cônjuge/companheiro, com os parentes do outro cônjuge ou companheiro, limitando-se aos ascendentes, descendentes e irmãos do outro. Segundo o Código Civil vigente, na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou união estável (artigo 1595, §2º), justificando o ditado popular que diz que sogro e sogra são para a vida toda!
2ª DICA – Estabelece a lei do bem de família legal (Lei 8.009/90), em seu artigo 5º, parágrafo único, que havendo a existência de dois bens imóveis, utilizados como residência, a impenhorabilidade do bem de família legal recairá sobre aquele de menor valor, uma vez que a referida legislação visa a proteção do direito de moradia, e não a proteção da família, em si mesma considerada. Neste sentido, pode invocar tal benefício a pessoa solteira, separada/divorciada, viúva, nos termos da Súmula 364 do STJ.
Ademais, em recente decisão, o Colendo STJ, no julgamento do Recurso Especial n.: 1608415/SP, deu a melhor interpretação à norma supramencionada (interpretação sistemática e teleológica), conforme se depreende da ementa abaixo reproduzida: “RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. PROPRIETÁRIA   DE   OUTROS   BENS. LEI Nº 8.009/1990. IMÓVEL DE RESIDÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO. 1. Na origem, os embargos à execução foram julgados improcedentes e o Tribunal estadual manteve a penhora sobre o bem de família da recorrente,   reconhecendo   a   existência de outro bem de sua propriedade de menor valor. 2. A jurisprudência deste Tribunal é firme no sentido de que a Lei nº 8.009/1990 não retira o benefício do bem de família daqueles que possuem mais de um imóvel. 3. O parágrafo único do artigo 5º da Lei nº 8.009/1990 dispõe expressamente que a impenhorabilidade recairá sobre o bem de menor valor na hipótese em que a parte possuir vários imóveis utilizados como residência, o que não ficou demonstrado nos autos. 4. Recurso especial provido. (REsp 1608415/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/08/2016, DJe 09/08/2016)”
3ª DICA – No estudo do regime de bens, deve-se destacar o polêmico regime da separação obrigatória de bens. As hipóteses que obrigam a incidência deste regime constam do artigo 1.641 do CC/02. Quem se casa neste regime também se submete à necessidade de outorga/vênia conjugal, nos termos do artigo 1.647 do CC/02, sendo tal outorga somente dispensada no caso do regime de separação absoluta (convencional) de bens, e no regime de participação final nos aquestos, quando houver tal liberação expressa na escritura pública de pacto antenupcial.
Pois bem, no regime da separação obrigatória de bens não haverá a necessidade de pacto antenupcial. Além disso, tal regime pode ser afastado, mediante autorização judicial, antes ou depois de celebrado o casamento, com exceção do inciso II, que trata de pessoas maiores de setenta anos, havendo intensa polêmica nesta temática. Neste contexto, parte da doutrina (Maria Berenice Dias e Paulo Lôbo, por exemplo) entende que a obrigatoriedade do regime de separação de bens para pessoas maiores de setenta anos é inconstitucional, sendo imposição violadora da dignidade humana, além da autonomia da vontade (autonomia privada), sem falar do Princípio da Intervenção Mínima nas relações familiares.
Acerca desta temática, oportuna a contribuição do ex-Ministro do Excelso STF Antônio Cezar Peluso, quando ainda Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no voto proferido acerca do tema, na Apelação Cível nº 007. 512-4/2-00 – 2ª CDPriv – de 18 de agosto de 1998: “ (…) Lei que, com o propósito racional de guardar o patrimônio dalgumas pessoas contra as fraquezas da submissão amorosa, priva-as a todas de exercitarem a liberdade jurídica de dispor sobre seus bens e de pautarem suas ações por razões íntimas, ressente-se de nexo de proporção entre o objetivo legítimo, que está na tutela dos casos particulares de debilidade senil, e o resultado prático exorbitante, que é, no fundo, a incapacitação da ampla classe das pessoas válidas na mesma faixa etária. Ou seja, inabilita e deprecia quase todos, por salvar uns poucos, que, aliás, têm outros meios jurídicos para se redimir dos enganos das paixões crepusculares. […] O alcance irracional e injusto da mesma norma vulnera ainda princípios constitucionais, até com gravidade maior, sob outro ponto de vista, que é o da mutilação da “dignidade” da pessoa humana em situação jurídica de casamento, porque, desconsiderando-lhe, de modo absoluto e sem nenhum apoio na observação da realidade humana, o poder de autodeterminação, sacrifica, em nome de interesses sociais limitados e subalternos o direito fundamental do cônjuge de decidir quanto à sorte de seu patrimônio disponível, que, não ofendendo direito subjetivo alheio nem a função social da propriedade, é tema pertinente ao reduto inviolável de sua consciência. É muito curta a razão normativa para a invasão tamanha. A lei, aqui, é modo exemplar de intrusão estatal lesiva do direito à intimidade (right of privacy, ou , como se usa dizer, direito à privacidade), enquanto dimensão substancial da pessoa humana e objeto de tutela constitucional explícita (art. 5º, X, da Constituição Federal) e implícita (art. 5º, LIV).”
Por fim, destaque-se que em eventual separação/divórcio, na definição da partilha, aplica-se a Súmula 377 do STF, segundo a qual: “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.” Recomenda-se também a leitura dos Enunciados 125, 261 e 262 das Jornadas de Direito Civil, acerca deste assunto.
4ª DICA – É possível a responsabilidade civil decorrente de condutas lícitas?
Por incrível que pareça sim, mas nas hipóteses expressamente previstas em lei. Ouso falar do nosso artigo 188 e do artigo 930 do CC/02, que estabelece ser possível a responsabilidade civil decorrente de condutas lícitas, mais precisamente nas hipóteses de legítima defesa real e estado de necessidade agressivo. Quando o dano atinge o próprio causador da situação extrema de legítima defesa/estado de necessidade, restará afastado o dever de indenizar. Mas quando o exercício da legítima defesa/estado de necessidade atinge terceiros, há responsabilidade civil e o dever de indenizar, mesmo a conduta sendo lícita, resguardado o direito de regresso contra o verdadeiro causador da situação. Aqui não há espaço para a legítima defesa e estado de necessidade putativos, uma vez que, nesses casos, não resta afastado o dever de indenizar, posto que a conduta continua sendo ilícita, tratando-se de uma falsa percepção da realidade por parte do ofensor.
5ª DICA – Dentro das formas de aquisição originária da propriedade imóvel, destaca-se a acessão natural. Entre suas espécies, destaque para a aluvião (artigo 1.250 do CC/02) e avulsão (artigo 1.251 do CC/02). Tratando-se de propriedades ribeirinhas, cortadas por rios não navegáveis, a aluvião é o acréscimo paulatino de terras a uma determinada propriedade ribeirinha (aluvião própria), ou ainda o ressecamento parcial do álveo (leito do rio), aumentando uma propriedade ribeirinha (aluvião imprópria). Já a avulsão é o desprendimento notório de porção considerável de terra, de uma propriedade ribeirinha, em direção a outra, em virtude de eventos naturais. Neste caso, o dono da propriedade defasada pode requerer a restituição de sua porção de terra, ou a indenização equivalente, tratando-se de um caso de responsabilidade civil objetiva. De qualquer forma, o prazo decadencial para o exercício de uma das condutas acima (remoção/indenização) é de um ano.
6ª DICA – A guarda no Brasil divide-se essencialmente em duas possibilidades: guarda unilateral (guarda exclusiva do pai/mãe, resguardado ao não guardião o direito de visitas) e guarda compartilhada, sendo esta preferencial, uma vez que atende ao maior e melhor interesse da criança/adolescente, estabelecendo um período maior de convivência da prole com o núcleo familiar materno e paterno. Neste contexto, a guarda compartilhada pode ser requerida por ambos os pais, em ação própria, ou de forma incidental em ação de separação/divórcio ou reconhecimento de união estável.
Pode também a guarda compartilhada ser concedida de ofício pelo juiz, mesmo quando conflituosa a relação dos genitores. Todavia, importante destacar o último posicionamento do Colendo STJ, acerca desta matéria, conforme julgado ora reproduzido: “CIVIL   E   PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. GUARDA COMPARTILHADA. DISSENSO ENTRE OS PAIS. POSSIBILIDADE. 1. A guarda compartilhada deve ser buscada no exercício do poder familiar   entre   pais   separados,   mesmo   que   demande   deles reestruturações, concessões e adequações diversas para que os filhos possam usufruir, durante a formação, do ideal psicológico de duplo referencial (precedente). 2. Em atenção ao melhor interesse do menor, mesmo na ausência de consenso dos pais, a guarda compartilhada deve ser aplicada, cabendo ao Judiciário a imposição das atribuições de cada um. Contudo, essa regra cede quando os desentendimentos dos pais ultrapassarem o mero dissenso, podendo resvalar, em razão da imaturidade de ambos e da atenção aos próprios interesses antes dos do menor, em prejuízo de sua formação e saudável desenvolvimento (art. 1.586 do CC/2002). 3.   Tratando   o direito de família de aspectos que envolvem sentimentos profundos e muitas vezes desarmoniosos, deve-se cuidar da aplicação das teses ao caso concreto, pois não pode haver solução estanque já que as questões demandam flexibilidade e adequação à hipótese concreta apresentada para solução judicial. 4. Recurso especial conhecido e desprovido. (REsp 1417868/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/05/2016, DJe 10/06/2016)”
 
7ª DICA – o que fazer quando um imóvel está encravado, sem acesso à via pública? Para responder esta questão, entra em cena o direito de vizinhança oneroso denominado passagem forçada. Por meio dela o sujeito encravado (situação de encravamento natural e absoluto), pode compelir qualquer de seus vizinhos a lhe ceder passagem, mediante indenização, tratando-se de verdadeira desapropriação parcial de interesse particular. Tal instituto é contemplado no Código Civil, no artigo 1.285. (ver também Enunciado 88 da I Jornada de Direito Civil).
Mas atenção! Não confundir o direito de passagem forçada com o direito real de servidão de passagem, posto que este é direito real sobre coisa alheia, incidente apenas sobre bens imóveis de titulares diferentes, denominados de imóvel serviente e dominante, sendo que o titular do primeiro sofre restrições em benefício do segundo, de forma voluntária, a título gratuito ou oneroso. Sobre a polêmica da distinção, segue julgado do Colendo STJ: “RECURSO ESPECIAL. AÇÃO POSSESSÓRIA. INTERDITO PROIBITÓRIO. PASSAGEM FORÇADA. SERVIDÃO DE PASSAGEM. DISTINÇÕES E SEMELHANÇAS. NÃO CARACTERIZAÇÃO NO CASO. SERVIDÃO NÃO SE PRESUME E DEVE SER INTERPRETADA RESTRITIVAMENTE. 1. Apesar de apresentarem naturezas jurídicas distintas, tanto a passagem forçada, regulada pelos direitos de vizinhança, quanto a servidão de passagem, direito real, originam-se em razão da necessidade/utilidade de trânsito, de acesso. 2. Não identificada, no caso dos autos, hipótese de passagem forçada ou servidão de passagem, inviável a proteção possessória pleiteada com base no alegado direito. 3. A servidão, por constituir forma de limitação do direito de propriedade, não se presume, devendo ser interpretada restritivamente. 4. Recurso especial provido. (REsp 316.045/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/10/2012, DJe 29/10/2012)”.
8ª DICA – O usufruto é um direito real sobre coisa alheia de uso e fruição, que cria a coexistência de, no mínimo, dois sujeitos: o nu proprietário (titular de uma propriedade transitoriamente limitada, e possuidor indireto da coisa) e o usufrutuário (no qual se concentra as prerrogativas de domínio de uso e fruição da coisa, além da posse direta). Regra geral, o usufruto recai sobre bens infungíveis, mas pode também recair sobre bens fungíveis, quando é chamado de usufruto impróprio ou quase usufruto. Tal direito pode decorrer da lei ou da vontade das partes, podendo também ser instituído a título gratuito ou oneroso. Outro ponto relevante é que o direito real de usufruto não pode ser cedido/transferido, nem a título gratuito, nem oneroso, nem por ato inter vivos/causa mortis, devido ao seu caráter personalíssimo. Mas seu exercício pode ser cedido (artigo 1.393 do CC/02).
Além disso, o Brasil não admite o usufruto sucessivo, mas admite o usufruto simultâneo (que contempla duas ou mais pessoas as mesmo tempo). No caso de usufruto simultâneo, caso uma das pessoas venha a falecer, sua quota parte retorna ao nu proprietário, só podendo se falar em direito de acrescer do usufrutuário remanescente caso haja previsão expressa neste sentido (artigo 1.411 do CC/02).
 
9ª DICA – Dentre as excludentes da responsabilidade civil, destacam-se o caso fortuito e a força maior, contempladas no Código Civil, em seu artigo 393 (ver também Enunciado 443 da V Jornada de Direito Civil). Conceitua-se o caso fortuito e a força maior dentro de uma perspectiva de situação inevitável e/ou imprevisível. Todavia, no estudo do caso fortuito, a doutrina diferencia o fortuito interno do fortuito externo, sendo que, somente este último tem o condão de quebrar o nexo causal, excluindo a responsabilidade civil (ver Súmula 479 do Colendo STJ).

            Sobre o tema, oportuna a contribuição de Nelson Rosenvald, Cristiano Chaves de Farias e Felipe Peixoto Braga Netto, ao afirmarem: “(…) Essa distinção entre fortuito interno e externo foi introduzida no direito brasileiro por Agostinho Alvim, sendo o fortuito interno aquele que se relaciona com a pessoa do devedor ou da empresa e com a organização que eles imprimam ao negócio. Em contrapartida, o fortuito externo, também conhecido como força maior, é um fato que não guarda conexão com estas pessoas, tratando-se de um acontecimento externo a elas.” (in Curso de Direito Civil: Responsabilidade Civil, volume 03, 2ª edição, São Paulo: Atlas, 2015, p. 383).

10ª DICA – O Brasil admite testamento na modalidade oral? Excepcionalmente sim! Fala-se em modalidade de testamento especial militar NUNCUPATIVO (artigo 1.896 do CC/02), que se refere aos sujeitos do artigo 1.893 do CC/02, empenhados em combate ou feridos, que poderão, em virtude da excepcionalidade desta situação, manifestar sua última vontade perante duas testemunhas. Não confundir com o casamento nuncupativo, que exige a presença de seis testemunhas (artigo 1.540 e 1.541 do CC/02).

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Raquel Bueno – Formada em Direito pela Universidade Católica de Brasília, Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Cândido Mendes-RJ, Mestranda em Direito na Universidade Católica de Brasília, professora de Direito Civil da graduação da Universidade Católica de Brasília e IESB, da pós graduação em Direito Civil da UniEvangélica de Anápolis-GO e professora de Direito Civil e Processo Civil do Gran Cursos Online. Advogada.
 
 

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