Discriminar é tratar iguais de maneira desigual com base em motivos desqualificantes, de modo que somente a existência de algum motivo razoável para o tratamento desigual pode descaracterizar a discriminação. Doutrinariamente se diz que o ato discriminatório traz consigo uma distinção ilegítima que promove diferenças entre duas pessoas ou entre dois grupos, o que contraria o princípio da isonomia, de envergadura constitucional (art. 5º, I, CR/88) e internacional (art. 1, da DUDH).
A discriminação pode ser dar de várias formas, inclusive de maneira indireta, entendida esta como a situação na qual uma conduta, aparentemente neutra, provoca uma discriminação a uma pessoa ou grupo, ou seja, a mera conduta leva à discriminação.
A discriminação indireta, a propósito, encontra previsão normativa na Convenção nº 111 da OIT, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão (ratificada pelo Decreto nº 62.150/68), e uma das Convenções Fundamentais da OIT – “core obligation”. Segundo a norma internacional referida o termo discriminação compreende toda distinção, exclusão ou preferência fundada motivo desqualificante, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão.
A menção específica a “propósito” e a “efeito” no conceito geral de discriminação significa que, mediante tais termos, a discriminação abrange não só práticas intencionais e conscientes (discriminação direta), mas também realidades permanentes e medidas aparentemente neutras mas efetivamente discriminatórias (discriminação indireta).
A teoria do impacto desproporcional visa combater essa discriminação indireta e consiste na ideia de que toda e qualquer prática empresarial ou política governamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação do princípio constitucional da igualdade material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas, como a propósito mencionado pelo C. STF na ADI 4424.
A discriminação indireta é difícil de ser detectada, pois feita de forma implícita e sem a necessidade do elemento volitivo. Por isso, Otávio Brito defende que sua verificação se faça a partir da disparidade estatística. Assim, havendo um distanciamento entre determinados grupos, seja no tocante a salário, seja no tocante a oportunidade, no tocante a admissão, no tocante a ascensão funcional, haverá, no mínimo, uma presunção de que aquele grupo está sendo discriminado. Possui previsão na Convenção nº 111 da OIT, quando seu texto aborda o “efeito” discriminatório, de forma genérica, incluindo também efeitos de medidas indiretas.
A teoria do impacto desproporcional (disparate impact doctrine) ou impacto adverso defende que, por violação do princípio constitucional da igualdade material, é inválida toda e qualquer prática empresarial, política governamental ou semigovernamental, de cunho legislativo ou administrativo, cuja aplicação resulte efeitos nocivos de incidência especialmente desproporcional sobre certas categorias de pessoas, ainda que não tenha tal finalidade quando da sua concepção.
Como exemplo na seara juslaboral, pode-se mencionar o famoso precedente norte americano oriundo do caso “Griggs vs. Duke Power Co.”. Neste, várias pessoas negras questionavam uma prática adotada pela empresa Duke Power Co., que condicionada a promoção dos seus funcionários a “testes de inteligência”.
Os autores alegavam que aquela medida não era necessária para o bom desempenho das funções dos empregados, possuindo um impacto negativo desproporcional sobre os trabalhadores negros, já que estes, em sua imensa maioria, haviam estudado em escolas segregadas, em que o nível de ensino era muito inferior, o que os impedia de concorrer em igualdade de condições naqueles testes com empregados brancos.
Assim, uma exigência aparentemente neutra funcionava, na prática, como mecanismo de perpetuação do status quo, levando a que os trabalhadores afro americanos continuassem exercendo na empresa apenas funções subalternas. A Suprema Corte norte-americana fixou entendimento de que “as práticas, procedimentos ou testes, facialmente neutros, não podem ser mantidos se eles operam no sentido de ‘congelar’ o status quo de práticas empregatícias discriminatórias do passado” (Davi Santana Souza com base em Daniel Sarmento e Joaquim Barbosa Gomes).
No Brasil, mais célebre caso de aplicação da Teoria do Impacto Desproporcional correspondeu à apreciação da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 1946-DF. Neste caso considerou-se que a extensão do teto dos benefícios previdenciários ao salário-maternidade transferiria ao empregador a responsabilidade pelo pagamento da diferença, durante o período da sobredita licença, entre o salário efetivamente recebido pela gestante e o teto em questão.
Entendeu-se, pela aplicação da Teoria do Impacto Desproporcional, que o limite dos benefícios não poderia ser aplicado ao salário-maternidade, sob pena de inconstitucionalidade, porque teria o efeito concreto de incrementar a discriminação contra a mulher no mercado de trabalho, em absoluta afronta à igualdade de gêneros insculpida como cláusula pétrea, nos termos do quanto disposto no art. 5ª, inciso I, bem como no art. 60, §4ª, inciso IV, ambos da Constituição Federal Brasileira.
Referências:
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Ações afirmativas e política de cotas são expressões sinônimas? Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 573, 31 jan. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/6238
JANNUCCI, Alessander. Teoria do impacto desproporcional e o direito à adaptação razoável. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 dez. 2014. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.51759&seo=1>
LOPES, Otávio Brito. Minorias, discriminação no trabalho e ação afirmativa judicial. Disponível em: <http://www.tst.jus.br/documents/1295387/1313830/Minorias,%20discrimina%C3%A7%C3%A3o+no+trabalho+e+a%C3%A7%C3%A3o+afirmativa+judicial>
OLIVEIRA NETO, Alberto Emiliano de. O princípio da não-discriminação e sua aplicação às relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1176, 20 set. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8950>
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